“Vai ter retaliação”: a mulher mais temida por Zezé Perrella (foto acima), o dono do helicóptero flagrado com cocaína
A corajosa Amália
No DCM
Amália Goulart, 31 anos, repórter do jornal mineiro “Hoje em Dia”, é a
mulher mais temida pelo senador Zezé Perrella (PDT), aquele cujo
helicóptero foi flagrado com 445 quilos de cocaína no Espírito Santo.
“Ele ligou para algumas pessoas falando que eu o perseguia”, diz ela.
“Não tenho nenhuma questão pessoal com ele. Faço apenas jornalismo. Não
é culpa minha se Perrella tem vários processos”.
O problema de Zezé com Amália começou em 2011, depois de uma bela
matéria sobre a fazenda do político e empresário em Morada Nova de
Minas, a 300 quilômetros de Belo Horizonte. Ela está avaliada em 60
milhões de reais. Amália passou alguns dias na região, entrevistando
funcionários e tentando falar com o dono.
Ele ligou finalmente numa sexta-feira, por volta da meia-noite, e não
estava contente. “Ela vale muito mais. Não é só isso. Estou doido para
pegar um jornalistazinho assim, igual a você. Isso vai ter volta. Vai
ter retaliação”, afirmou. “Doei todos os bens para meus filhos há oito,
nove anos.”
Diz a reportagem:
A Fazenda Guará é banhada pelas águas da represa de Três Marias,
no Rio São Francisco. Produz grãos e tem aves, suínos e gado. A granja é
climatizada. “Perrella tem 1,3 mil matrizes (fêmeas reprodutoras)”,
disse um funcionário. Uma porca gera em média 8 filhotes a cada
gestação. Por dia, saem quatro caminhões da fazenda carregados de suínos
para o abate. Parte da carne é exportada.
As pastagens para o gado, na maioria da raça nelore, estão na
margem do São Francisco. Quem está do lado de fora da propriedade pode
avistar centenas de animais da raça espalhados. O curral é
informatizado. “Ele (Perrella) costuma participar de leilões”, contou um
profissional da área.
Diariamente, saem da Guará caminhões carregados de arroz, trigo,
feijão, milho e soja. Num intervalo de aproximadamente três horas, o
Hoje em Dia flagrou quatro caminhões sendo carregados e despachados da
fazenda. Grandes silos compõem a paisagem opulenta da propriedade.
Apesar de vizinhos da fazenda e outros moradores do município
assegurarem que a Guará pertence ao presidente do Cruzeiro, o imóvel não
consta da declaração de bens entregue à Justiça Eleitoral em 2010,
quando se apresentou como primeiro suplente do senador eleito Itamar
Franco (PPS). Ao contrário, a julgar pelo documento, Perrella nem mesmo
pode ser considerado rico. Depois de dois mandatos parlamentares, um
como deputado federal e outro como estadual, e de dez anos na direção do
Cruzeiro, ele informa ter um patrimônio de apenas R$ 490 mil.
****
A constituição da Limeira Agropecuária [em cujo nome está
registrada a propriedade] criou uma situação curiosa. Oficialmente, o
jovem Gustavo Perrella é um milionário, enquanto o pai, empresário há 40
anos, tem patrimônio compatível com o de um brasileiro da classe média.
Graças ao prestígio de Zezé Perrella, Gustavo foi eleito deputado
estadual no ano passado. Na declaração de bens entregue à Justiça
Eleitoral, Gustavo tinha patrimônio de R$ 1,9 milhão. Deste total,
segundo o documento, R$ 900 mil se referiam às quotas da Limeira.
Gustavo indicou na mesma declaração que uma parcela, no valor de
R$ 250 mil, do patrimônio total era procedente de doação do pai, em
dinheiro. Os demais bens listados são um carro, um apartamento, quotas
de outras duas empresas e saldo em caderneta de poupança.
***
Frequentemente, Perrella é visto na companhia de amigos e de
parceiros de negócios na Fazenda Guará. Um desses visitantes é Ildeu da
Cunha Pereira, superintendente do Cruzeiro. Ildeu foi preso pela Polícia
Federal em 2008, junto com o empresário Marcos Valério Fernandes de
Souza, acusado de ser o operador do esquema conhecido como mensalão.
Moradores da região e funcionários disseram que Perrella
invariavelmente aterrissa de avião ou de helicóptero na pista particular
da fazenda de Morada Nova de Minas, a poucos metros da casa sede.
Parentes do deputado, originários de São Gonçalo do Pará, cidade natal
de Perrella, também costumam visitar a propriedade. Mas, segundo amigos
da família, eles ficam acampados pela fazenda. “Ele (Perrella) quer
cortar isso porque o lugar fica uma bagunça”, disse um outro visitante
da Guará.
A casa não segue os padrões de grandeza das pastagens e dos
equipamentos agrícolas. É aconchegante, mas discreta. Tem duas suítes,
mais três quartos, piscina e área de lazer. A decoração é rústica. Uma
grande varanda rodeia a edificação. Árvores estrategicamente plantadas
garantem privacidade aos donos e frequentadores. Nas proximidades,
habitações para funcionários e uma casa para hóspedes.
Os imbróglios de Perrella com a Justiça são famosos em Minas, mas ele
era tido como relativamente intocável graças à sua amizade com Aécio
Neves (que é, aliás, blindado pela mídia local). “Perrella tem diversos
laranjas e coloca as empresas no nome deles”, conta Amália. No ano
passado, ela publicou uma matéria a respeito de uma investigação do
Ministério Público sobre um esquema de superfaturamento de merendas e
marmitas para presídio. O estado de Minas contratara, sem licitação, a
Limeira Agropecuária para fornecimento de grãos para um programa
desenvolvido para regiões carentes como o norte de MG e o Vale do
Jequitinhonha. A operação, denominada “Laranja com Pequi”, revelou que o
desvio de recursos públicos envolvia também o Tocantins.
Em fevereiro deste ano, Amália escreveu que o irmão de Zezé, Gilmar
de Oliveira Costa, fora indiciado sob a acusação de adulterar o peso e o
valor nutricionais de carnes fornecidas a órgãos públicos por meio de
licitação, além de formação de quadrilha.
Amália dá seu expediente no “Hoje em Dia” e diz que não tem medo da
retaliação prometida. “Estou fazendo o meu trabalho e tenho boas fontes.
Espero ajudar as pessoas a conhecer melhor uma figura pública”,
conta. A apreensão das drogas a pegou de surpresa. Segundo o advogado
Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, “ninguém da família Perrella
será responsabilizado. Isso já foi dito pelos delegados”. No Senado,
Zezé Perrella declarou que é vítima de uma injustiça: ”O meu filho não é
investigado. O que eu torço é que eles peguem os cabeças dessa
organização. Que essas pessoas apodreçam na cadeia”.
“A Justiça é lenta, né?”, diz Amália.
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