Fotógrafo brasileiro que está cobrindo os protestos falou com o DCM
A revolução ucraniana está em um período de trégua que pode se
encerrar em breve. O presidente Viktor Yanukovich tinha diante de si
duas alternativas para abrandar a crise: ou concedia anistia aos
manifestantes detidos ou convocava eleições antecipadas. Optou pela
anistia porém condicionou-a à liberaração dos edifícios públicos
ocupados pelos ativistas.
A oposição não aceita. Os manifestantes querem libertação incondicional dos ativistas detidos.
O DCM aproveitou o efêmero momento de paz e entrevistou o fotógrafo
brasileiro Felipe Paiva, que está em Kiev fazendo uma cobertura
independente dos protestos. Felipe diz que gosta de “estar em meio a
turbilhões” e que “o que está acontecendo na Ucrânia certamente vai
entrar para a história”.
Como está a situação no momento?
O parlamento daqui ainda é muito fiel a Yanukovich e no momento ele
parece estar tentando acalmar o movimento pela estratégia da
procrastinação. Mas a pressão é grande. É possível que o país mergulhe
em mais combates violentos até que algum dos lados desista. E não vejo
os manifestantes propensos a desistir. Um dos ativistas afirmou “Agora
nós precisamos ganhar. Não tem mais volta. Se nós pararmos, a única
coisa que teremos conquistado é a prisão de centenas de pessoas e leis
que dificultam e criminalizam protestos e insatisfação com um governo
autoritário”.
O presidente Viktor Yanukovich disse à oposição que libertaria alguns
presos se as pessoas desocupassem as ruas e os edifícios na região da
Praça Maidan. O problema é que a oposição não controla os manifestantes.
Não há um líder político. A credibilidade política já não existe mais.
Quais as semelhanças e diferenças entre as manifestações brasileiras e a ucraniana?
Embora não fale russo ou ucraniano e poucos aqui falem inglês,
percebo uma maturidade política e cívica mais elevada. Não apenas dos
manifestantes ativos nas batalhas e ocupações mas de todo cidadão que
apoia a causa no país. Donos de restaurantes, programadores, vendedores e
as mais diversas profissões estão presentes. Pessoas de todas as partes
do país vieram pra Kiev para participar de alguma forma. Pode ser
cozinhando, limpando, tirando gelo das ruas, cortando lenha e até
trabalho de escritório. No Brasil, ainda vemos um movimento
desorganizado de jovens e estudantes. A população como um todo ainda não
foi tocada. Já o povo daqui tem ajudado muito com contribuições
financeira, alimentícia e muita, mas muita roupa. Como ponto em comum, a
mídia alternativa é atacada com clara intenção pela polícia. Há também
as provocações verbais. Alguns manifestantes gritam para os policiais
qual o motivo de apoiarem o presidente Yanukovich se o salário deles é
tão baixo. Por que passam frio por um ditador que não se importa com o
povo. Esse tipo de coisa.
A plataforma de comunicação básica também são as redes sociais?
Sim. Utiliza-se o Facebook mas principalmente a Vkontakte, uma rede
social russa (de acordo com a Alexa, uma espécie de Ibope da internet, é
o 2º site mais visitado da Russia com 33 milhões de usuários por dia e
que deseja ter Edward Snowden entre seus funcionários).
Há adeptos da tática black bloc?
Não. Não conheci ninguém que conheça a tática. Aqui existem táticas
militares bem claras de ambos os lados. Barricadas aqui são de verdade.
Montanhas de entulho, neve, pneus e móveis e formam barreiras muito
altas. Para passar por elas é preciso enfrentar uma barreira de vigias
que perguntam algo em russo e pedem por algum “ID”. Mostro minha
habilitação brasileira e logo abrem um sorriso.
O uso de armas letais, que provocaram mortes na semana passada, está muito ostensivo entre manifestantes?
No momento estão em um período de cessar fogo e de negociações.
Nesta terça-feira haverá um julgamento para aprovação da anistia de
centenas de presos. Conforme a resposta, podem ocorrer mais confrontos
com armas letais. Na barricada da linha de frente avistei pelo menos 3
manifestantes com revólveres automáticos novinhos.
Como foi a recepção a um fotógrafo “independente” estrangeiro?
Quando cheguei, senti que estrangeiros não eram bem vindos. Mas
depois percebi que existe uma certa vergonha da população daqui que não
fala inglês. Mas depois de me fazer entender melhor, mesmo com mímica,
comecei a ser mais bem tratado. Claro que a receptividade é maior entre
os ativistas e manifestantes. Eles, em algum nível, querem presença
estrangeira. Ficam felizes quando descobrem que o Brasil está lá para
contar a história.
Você arriscaria um prognóstico para a solução do conflito?
É muito difícil. A única forma de os manifestantes pararem os atos e
ocupações é com a renúncia do presidente e novas eleições. Ou se o
governo forçar a retirada destes. Mas os manifestantes estão dispostos a
lutar até vencer. Um acordo entre oposição e o poder legislativo pode
acabar vencendo o presidente. Pode ser também que haja interferência do
governo russo que aspira uma vitória política na Ucrânia. Isso pode
acabar tornando a situação um problema internacional. Mas acho essa
última muito improvável.
No DCM
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