O MViva!, espaço aberto, independente, progressista e democrático, que pretende tornar-se um fórum permanente de ideias e discussões, onde assuntos relacionados a conjuntura política, arte, cultura, meio ambiente, ética e outros, sejam a expressão consciente de todos aqueles simpatizantes, militantes, estudantes e trabalhadores que acreditam e reconhecem-se coadjuvantes na construção de um mundo novo da vanguarda de um socialismo moderno e humanista.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Os seis meses que faltam para o fim do conflito colombiano





Por Mariana Clini Diana

O dia 23 de março de 2016 foi a data estipulada para que a Colômbia deixe de ser um país em conflito. Não se sabe se depois de assinar um acordo com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), o cenário de violência será melhor ou pior, mas mostra que o país quer deixar de ser notícia pelos seus mortos e começar um capítulo de dias melhores.
A cerimônia desta quarta-feira (23/09), onde foi anunciado o prazo para finalizar os diálogos de paz, foi histórica pelo fim do conflito, mas por também simbolizar que as partes podem se conciliar a ponto de estabelecer um acordo político. Foi o que demonstrou o aperto de mão entre o presidente Juan Manuel Santos e o chefe máximo das FARC, Rodrigo Londoño, conhecido como Timochenko.

Os próximos seis meses decidirão o quão histórico foi este aperto de mão entre o presidente Santos e o líder guerrilheiro Tymochenko, sob a mediação de Raúl Castro.
Os próximos seis meses decidirão o quão histórico foi este aperto de mão entre o presidente Santos e o líder guerrilheiro Timochenko, sob a mediação de Raúl Castro. (foto: AFP)
A cena cordial entre os dois líderes em Havana, imortalizada pelas fotos dos meios de comunicação de todo o mundo, foi seguida pelo anúncio sobre um dos temas mais espinhosos para as duas partes: a justiça transicional. Isso significou que as FARC aceitaram passar por um processo jurídico, algo até então considerado improvável, mas que foi estabelecido a partir da promessa de que os guerrilheiros estarão sujeitos às mesmas sanções que os agentes do Estado – o que gerou incômodo, principalmente por parte da oposição mais à direita, liderada pelo ex-presidente e senador Álvaro Uribe.
Outra decisão importante – e que também foi alvo de críticas opositoras – foi a anistia a todos os guerrilheiros e agentes do Estado que não tenham cometido crimes contra a humanidade. De acordo com as diretrizes da Corte Penal Internacional, serão punidos aqueles que tenham cometidos crimes graves que incluem: massacres, exploração sexual, sequestro, execuções extrajudiciais, recrutamento de menores de idade, entre outros.
Será criada uma jurisdição especial para a paz, que aplicará penas baseadas em dois critérios: os que reconheçam a responsabilidade no crime, e os que não reconheçam. Os que reconheçam suas responsabilidades perante o tribunal, terão penas de privação de liberdade entre 5 a 8 anos, em instituições especiais. Já os que não reconheçam seus delitos, poderão ter uma pena de reclusão de no máximo 20 anos em instituição carcerária comum. “O que falta na Colômbia é, não somente saber mais o que aconteceu no conflito, senão que também reconhecer o que aconteceu e lidar com as consequências”, afirmou Sergio Jaramillo, estrategista por trás da Comissão de Paz criada pelo governo.
Muitas das milhões de vítimas deste conflito concordam com Jaramillo. Constanza Turbay teve sua família quase que integralmente assassinada pelas FARC, no ano 2000 em Caquetá. Ela viajou a Cuba em 2014, junto com outras 11 vítimas do conflito. Depois de 14 anos, ela se encontrou pessoalmente com Ivan Marques, integrante da Comissão das FARC em Havana. “A verdade não só dará descanso aos meus (parentes) em suas tumbas, senão que liberará o Caquetá do nefasto modelo que se apoderou desta região e que a mantém submergida na corrupção e subdesenvolvimento”, reconheceu Turbay em carta dirigida ao país sobre o histórico perdão de Ivan Marques.
A diferença entre entregar e deixar as armas
Além da data estipulada para término do conflito armado, também foi determinado um prazo para que os guerrilheiros deixem suas armas. Depois dos seis primeiros meses, se o acordo for confirmado na reunião de março, eles terão 60 dias para se desarmarem completamente, e esta será a condição para que as FARC possam se estabelecer como um partido político legal. Isso significa que, se todos os prazos forem cumpridos, as FARC poderão participar da política colombiana como um partido político normal ainda no primeiro semestre de 2016.
O processo de entrega das armas será um dos mais delicados para a consolidação do acordo desta semana. (foto: AFP)
O processo de entrega das armas será um dos mais delicados para a consolidação do acordo desta semana. (foto: AFP)
Por sua parte, o grupo guerrilheiro, ao se referir ao acordo com o governo, usou o termo “deixar as armas”, e não entregá-las. A diferença entre as duas palavras é muito mais simbólica que semântica. Entregar as armas para o Estado, segundo o grupo guerrilheiro, significaria um ato de submissão, e também geraria desconfiança com relação ao cumprimento do acordo por parte do governo.
Como forma de se resguardarem, as FARC estão estudando mecanismos para deixar as armas sem ter que necessariamente entregar ao Estado, condição que inicialmente foi aceita pelos delegados do governo em Havana. Entre as propostas que estão sendo discutidas, uma delas é que os dois países que atuaram como mediadores do diálogo (Cuba e Noruega) participem também desse processo, um dos mais delicados para determinar o sucesso do acordo.
Poder extraordinário a Santos
Depois de três anos de negociações, que passaram por alguns altos e baixos, o governo colombiano e o maior e mais antigo grupo guerrilheiro da América Latina chegaram a um ponto em comum. Mas os resultados anunciados esta semana são apenas o primeiro passo do chamado pós-conflito. A discussão posterior se centrará na reforma constitucional que o governo colombiano deverá fazer para implementar o que foi discutido em Havana.
Para colocar as medidas em prática, o governo deverá aplicar uma estratégia para validar em terras colombianas os acordos feitos em Havana, já que para aprovar uma lei, se exige certo tempo hábil. Uma vez que todos os passos programados para os próximos seis meses sejam concretizados, o governo e a cidadania terão que esperar até que sejam aprovadas todas as leis para efetivar os demais acordos, o que poderia tardar anos, e a paciência dos colombianos talvez não chegue a tanto, muito menos a da oposição política.
Para agilizar a aprovação de leis já elaboradas – que incluem: participação política, reforma agrária, nova legislação com relação ao narcotráfico e justiça transicional – será criada uma comissão legislativa para a paz. Os integrantes serão responsáveis por tramitar os projetos de reforma constitucional e os projetos de lei para implementar os pactos com as FARC. Também serão outorgadas faculdades extraordinárias do presidente Santos, para expedir os decretos necessários para efetuar essas leis.
Mesmo com estes anúncios, que significam um grande avanço, ainda resta saber como serão investigados os crimes e se o delito de narcotráfico será anistiado ou considerado crime comum. Também não ficou claro se existe a possibilidade de que os ex-combatentes sejam extraditados aos Estados Unidos, e como será feito este julgamento.
Ainda restam muitas dúvidas – e certamente surgirão muitas outras críticas quando os acordos forem colocados em prática. Porém, Santos e Timochenko coincidem em uma coisa: já não há mais volta atrás.

Nenhum comentário:

Postar um comentário