Na terça-feira 17, a presidenta Dilma Rousseff cancelou a viagem
oficial que faria aos EUA, em outubro. A decisão foi tomada depois de
ela ser avisada por Barack Obama de que não haveria tempo para a
apuração da espionagem feita contra ela e a Petrobras pela Agência de
Segurança Nacional (NSA).
Em nota, Dilma classificou a interceptação das
comunicações como “fato grave”, “atentatório à soberania nacional” e
“incompatível” com a convivência entre países amigos. A iniciativa já
vinha sendo amadurecida desde o início do mês. Além de tratar do assunto
com o ex-presidente Lula e o marqueteiro João Santana, conforme apurou
ISTOÉ, a presidenta chegou a fazer consultas a outros parceiros,
especialmente à Rússia, antes de anunciar a suspensão da visita a
Washington.
No encontro do G-20, em São Petersburgo, no início do mês, o chanceler
Luiz Alberto Figueiredo reuniu-se a portas fechadas com o ministro dos
Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergey Lavrov, do qual obteve o
compromisso de que apoiaria, inclusive nas Nações Unidas, qualquer
medida de retaliação brasileira aos Estados Unidos. A atitude deixou a
presidenta mais segura e confortável em tomar a decisão de cancelar a
viagem. Considerado hoje o mais importante articulador da diplomacia
internacional, Lavrov prometeu ainda apoiar o debate que Dilma pretende
impulsionar na abertura da 68ª sessão da Assembleia Geral das Nações
Unidas, na terça-feira 24.
O discurso da presidenta, antes focado no efeito negativo da política
cambial americana sobre a economia brasileira, agora está moldado para
angariar o máximo de aprovação internacional à criação de um novo
mecanismo de governança da internet que possa estabelecer limites à
invasão da privacidade. A ideia é condenar o unilateralismo americano e
os abusos da NSA e repisar a necessidade de respeito ao papel da ONU na
busca de soluções negociadas a crises internacionais, como o caso da
Síria.
A necessidade de reforçar o multilateralismo nunca foi tão urgente e
será a diretriz principal do Itamaraty, segundo um assessor palaciano.
De acordo com a mesma fonte, embora a decisão sobre a visita de Dilma a
Washington seja tratada oficialmente como “adiamento”, dificilmente ela
ocorrerá durante o mandato de Obama. Um detalhe deixou Dilma
especialmente indignada. O material recolhido pela NSA no Brasil, além
de recebido pelas agências americanas, foi distribuído aos cinco aliados
preferenciais de Washington nessa matéria: Reino Unido, Canadá, Nova
Zelândia e Austrália. Para o historiador americano James Green, da Brown
University (EUA), o tratamento dispensado ao Brasil, um aliado de longa
data, é inaceitável. “Os EUA têm de entender que, apesar de ser uma
potência militar e uma economia forte, precisam atuar com menos
arrogância e unilateralismo”, avalia Green.
O cancelamento da visita de Estado, porém, pode trazer prejuízos para o País do ponto de vista econômico.
Não é de hoje que uma espécie de distanciamento entre o Brasil e os EUA
tem afetado os negócios e acordos bilaterais. E o Brasil não pode
desprezar o maior mercado do mundo e maior importador de produtos de
valor agregado, no momento em que pavimenta novamente o caminho rumo ao
desenvolvimento. As empresas nacionais que têm negócios nos EUA dão
sinais de preocupação. O professor de política internacional da Faap
Bernardo Wahl alerta que alguns movimentos no tabuleiro internacional
podem ter “consequências imprevisíveis”. O historiador Alberto
Moniz Bandeira aponta outro efeito concreto. “Com certeza, o Brasil não
comprará os caças americanos F-18”, diz. Para ele, um acordo de tamanho
potencial estratégico dificilmente poderá ser firmado agora. Na cúpula
da Força Aérea, esperava-se que a compra dos 36 aviões de combate fosse
anunciada na visita de 23 de outubro, dia do Aviador. “É um grande
choque”, disse à reportagem um alto oficial ligado ao gabinete de Juniti
Saito, comandante da FAB. Segundo o oficial, Saito ficou desapontado.
“Tudo que a gente quer agora é uma definição, seja qual for”, diz a
fonte. Ele lembra que os Mirage 2000 sairão de circulação no final do
ano. O maior temor na Aeronáutica agora é que o governo decida reabrir a
licitação, com a participação do Sukhoi, como forma de retribuir a
ajuda dos russos.
Fonte: Isto É
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