O "regime" da Folha é o golpe contra o governo democrático |
Verdades e mentiras do palmômetro
O esforço para manipular o cidadão e jogar sua força contra alvos nem
sempre claros ou visíveis exige uma cautela especial por parte de quem
não quer cair num conto do vigário em nossa sociedade do espetáculo.
O DataFolha perguntou à população se ela é favorável a um novo
julgamento dos réus da Ação Penal 470. A resposta: 55% são contra, 37%
são a favor.
A questão é falsa. O STF não discute a hipótese de um novo julgamento.
O que será resolvido, hoje, é a aplicação de um recurso chamado embargo
infringente, confirmado por decisão expressa do Congresso em 1998.
Já estou ouvindo a explicação pronta. A expressão “novo julgamento” é
inocente. Só foi empregada, na pesquisa, porque o termo “embargo
infringente” é muito complicado, envolve um grau grande de complexidade e
conhecimento de detalhes da Justiça, coisa que o cidadão comum teria
dificuldade de compreender e opinar. Mas a questão não é justamente
esta?
Num país onde a maioria da população não sabe o que são “embargos
infringentes” seria razoável fazer pesquisas de opinião sobre eles? As
respostas têm algum valor real além de servir a determinada propaganda?
Pode-se até achar que sim, desde que sejamos coerentes.
Se é para resolver questões de interesse da população dessa forma, seria
razoável, por coerência, abrir os estádios de futebol para fazer
plebiscitos regulares sobre temas mais urgentes, que a população pelo
menos compreende perfeitamente.
Seria possível começar pelo salário mínimo, por exemplo. Pelo
salário-desemprego e pelas aposentadorias, em seguida. Depois, pelos
lucros dos bancos e pelas privatizações. Vamos abrir as contas das
empresas estatais e privadas e definir, no voto de arquibancada, a parte
que deve ser reservada a cada um, não só o bônus dos executivos mas
também a remuneração dos gerentes e chefes.
Por que não?
Antes que você comece achar que até não seria má ideia fazer um governo
assim – desde que seu próprio interesse não fosse prejudicado pelo
palmômetro, vamos combinar -- convém lembrar algumas questões
relevantes.
A vigência ou não dos embargos, do ponto de vista legal, é tão legítima
como qualquer outra lei em vigor, seja aquela que só permite que pessoas
com 18 anos tirem a carta de motorista ou que reserva o direito ao voto
a partir dos 16.
A popularidade não é nem pode ser critério. A transferência da capital
federal para Brasília, em 1960, foi execrada pela população do Rio de
Janeiro durante muitos anos. A manutenção das prerrogativas do
Congresso, que recebe a aprovação humilhante de 29% da população, também
não pode ser resolvida no palmômetro.
Impedir os embargos – que podem ou não levar a uma revisão das
condenações por determinados crimes específicos, o que nada tem a ver
com um novo julgamento – implica em rejeitar um ato previsto em lei,
confirmado pelo Congresso em 1998, quando se rejeitou uma proposta de
que fossem extintos. Pedir que sejam ignorados, agora, equivale a
sugerir que se atropele o Estado de Direito, pratica que não gera boas
recordações em nenhum país do mundo, muito menos no Brasil.
Em 1999, 71% dos brasileiros rejeitavam a prática de tortura em
investigações policiais. Em 2010, esse número havia caído para 52,5%.
Pergunta: se no próximo levantamento, essa rejeição cair para menos de
50% vamos encomendar máquinas de choques elétricos e o lotes de
paus-de-arara?
Eternizado no auditório de Chacrinha, onde a plateia respondia com
palmas à pergunta “Vai para o trono ou não vai?”, fora dos concursos de
calouro o palmômetro costuma servir de pretexto para quem quer usar a
população para atingir alvos que sempre são mantidos às escondidas. Seja
porque o cidadão comum não entende. Ou porque não se quer que entenda. O
nome disso é manipulação política.
Em alguns países, a manipulação se faz a partir de estereótipos
racistas. Na Europa de hoje, vale a denúncia contra estrangeiros e, na
Alemanha de Hitler, contra os judeus. Não se iludam: execrado como
derrota moral da humanidade após a derrota na Segunda Guerra, o
anti-semitismo era uma causa popular num país sem emprego e sem
crescimento. Ataques diretos e violentos à população judia, sua
humilhação em locais públicos, fazia parte da estratégia de conquistar
votos junto a determinadas parcelas da população. Na Áustria, os
nazistas chegaram a ser aplaudidos quando obrigaram moradores de bairros
judeus de Viena a limpar as calçadas com suas escovas de dentes.
Faz parte da tradição conservadora brasileira combater seus adversários a
partir da denúncia moral, que pode ser manipulada quando se conta com a
simpatia das denúncias da mídia, sempre seletivas em função de
critérios políticos. Em 1964, um colunista renomado, Helio Fernandes,
justificava o golpe de militar a partir das características morais dos
aliados de João Goulart, que descrevia assim: “na maioria das vezes são
traidores. Outras, ainda, são mercenários; outras ainda, carreiristas;
outras mais, negocistas satisfeitos.”
Capazes de empolgar adversários de Jango, estes traços apenas serviam
para encobrir o que era importante. Procurava-se, de qualquer maneira,
interromper o processo de reformas sociais e mudanças estruturais que,
de forma confusa, nem sempre adequada, e sempre incompleta, procurava-se
implantar no país. Foi assim que estes apelos serviram para mobilizar –
com ajuda do governo dos Estados Unidos – marchas de protesto contra
Jango, contra a corrupção e contra a subversão.
Alguma semelhança com o país de hoje?
Nenhum comentário:
Postar um comentário