A divina tragédia de Belchior |
por Marcelo Bortoloti - Revista Época
Capítulo 1
“No trevo, a 100 por hora”
Edna
Prometheu é o pseudônimo da produtora cultural Edna Assunção de Araújo,
de 46 anos. Morena, de cabelos encaracolados e baixa estatura, não é
uma mulher de beleza estonteante. Militante de organizações de
extrema-esquerda, é definida por seus amigos como “idealista utópica”.
No começo de 2005, ela estava em São Paulo, no ateliê do artista
plástico cearense Aldemir Martins, já morto, quando entrou pela porta o
músico Belchior. O cantor de “Paralelas” também pinta quadros e
frequenta o ambiente artístico. Edna queria organizar uma exposição de
Aldemir no Ceará. Belchior disse que tinha amigos por lá, poderia
ajudar. Trocaram telefones.
Os dois acabaram organizando juntos a
exposição em Fortaleza, naquele mesmo ano. Na volta, Edna ligou para um
amigo e contou a novidade: “Estamos namorando”. A partir daí, a vida
plácida de Belchior derrapou no trevo a 100 por hora, como diz a letra
de “Paralelas”. Para ficar com Edna, ele abandonou a então mulher,
Ângela, com quem estava casado havia 35 anos, mãe de dois dos quatro
filhos que tem. Afastou-se dos amigos e foi gradativamente deixando de
fazer shows, até sumir sem dar explicações, em 2009. “Essa figura
nefasta está fazendo uma lavagem cerebral nele”, afirma Jackson Martins,
ex-empresário de Belchior. “Depois dela, sua vida só andou para trás”,
diz o artista plástico cearense Tota, amigo de Belchior.
O
desaparecimento de Belchior, há cinco anos, surpreendeu a todos, família
e amigos. Ninguém poderia esperar tal atitude. Ele deixou para trás a
agenda de shows e todo o patrimônio, incluindo roupas, documentos,
quadros, automóveis e apartamento. O sumiço transformou Belchior em
figura cult. A pergunta “onde está Belchior?” ecoou na internet e teve
até repercussão internacional. Surgiram blogs sobre o tema. Campanhas
nas redes sociais pediram a volta do músico. E apareceram montagens
cômicas – “memes” – em que Belchior aparece em locais inusitados como a
ilha do seriado Lost. Suas músicas no YouTube, que antes tinham 5 mil
acessos diários, hoje batem 500 mil.
O sucesso no mundo virtual não
trouxe nenhum benefício para o Belchior de carne e osso. Aos 67 anos,
ele vive escondido com Edna em Porto Alegre. Não pode sair em público,
pois é procurado pela polícia. Pesam contra Belchior dois mandados de
prisão pelo não pagamento de pensões alimentícias. Uma devida à
ex-mulher Ângela, com quem tem dois filhos já maiores de idade, e outra à
mãe de uma filha de 19 anos que teve fora do casamento. Além das
pensões, Belchior abandonou todos os demais compromissos e é cobrado na
Justiça em processos que correm à revelia. O ex-secretário particular de
Belchior, Célio Silva, ganhou um processo trabalhista contra ele no
valor de R$ 1 milhão. Não há mais como recorrer. As contas de Belchior
estão bloqueadas, e os imóveis que tinha comprometidos. Sem dinheiro,
ele já se abrigou numa instituição de caridade no Rio Grande do Sul e
morou de favor na casa de fãs que nem conhecia.
O mais intrigante na espantosa história de Belchior é que ele aparentemente não agiu movido por depressão, dívidas ou golpe publicitário, como se pensou no princípio. A influência da mulher é apontada pela maioria dos amigos como o motivo do seu comportamento. Ainda assim, não há unanimidade. “Edna não conseguiria sozinha virar a cabeça de alguém inteligente como Belchior. São dois sonhadores, juntaram suas utopias. Deixaram de acreditar neste mundo materialista, objetivo e mesquinho e partiram para um caminho de desapego”, diz o artista plástico José Roberto Aguilar, de 72 anos, amigo do casal.
O mais intrigante na espantosa história de Belchior é que ele aparentemente não agiu movido por depressão, dívidas ou golpe publicitário, como se pensou no princípio. A influência da mulher é apontada pela maioria dos amigos como o motivo do seu comportamento. Ainda assim, não há unanimidade. “Edna não conseguiria sozinha virar a cabeça de alguém inteligente como Belchior. São dois sonhadores, juntaram suas utopias. Deixaram de acreditar neste mundo materialista, objetivo e mesquinho e partiram para um caminho de desapego”, diz o artista plástico José Roberto Aguilar, de 72 anos, amigo do casal.
O
desaparecimento de Belchior, há cinco anos, surpreendeu a todos, família
e amigos. Ninguém poderia esperar tal atitude. Ele deixou para trás a
agenda de shows e todo o patrimônio, incluindo roupas, documentos,
quadros, automóveis e apartamento. O sumiço transformou Belchior em
figura cult. A pergunta “onde está Belchior?” ecoou na internet e teve
até repercussão internacional. Surgiram blogs sobre o tema. Campanhas
nas redes sociais pediram a volta do músico. E apareceram montagens
cômicas – “memes” – em que Belchior aparece em locais inusitados como a
ilha do seriado Lost. Suas músicas no YouTube, que antes tinham 5 mil
acessos diários, hoje batem 500 mil.
O sucesso no mundo virtual não
trouxe nenhum benefício para o Belchior de carne e osso. Aos 67 anos,
ele vive escondido com Edna em Porto Alegre. Não pode sair em público,
pois é procurado pela polícia. Pesam contra Belchior dois mandados de
prisão pelo não pagamento de pensões alimentícias. Uma devida à
ex-mulher Ângela, com quem tem dois filhos já maiores de idade, e outra à
mãe de uma filha de 19 anos que teve fora do casamento. Além das
pensões, Belchior abandonou todos os demais compromissos e é cobrado na
Justiça em processos que correm à revelia. O ex-secretário particular de
Belchior, Célio Silva, ganhou um processo trabalhista contra ele no
valor de R$ 1 milhão. Não há mais como recorrer. As contas de Belchior
estão bloqueadas, e os imóveis que tinha comprometidos. Sem dinheiro,
ele já se abrigou numa instituição de caridade no Rio Grande do Sul e
morou de favor na casa de fãs que nem conhecia.
O mais intrigante na
espantosa história de Belchior é que ele aparentemente não agiu movido
por depressão, dívidas ou golpe publicitário, como se pensou no
princípio. A influência da mulher é apontada pela maioria dos amigos
como o motivo do seu comportamento. Ainda assim, não há unanimidade.
“Edna não conseguiria sozinha virar a cabeça de alguém inteligente como
Belchior. São dois sonhadores, juntaram suas utopias. Deixaram de
acreditar neste mundo materialista, objetivo e mesquinho e partiram para
um caminho de desapego”, diz o artista plástico José Roberto Aguilar,
de 72 anos, amigo do casal.
Belchior nasceu numa família simples no
interior do Ceará. Foi o mais bem-sucedido entre 23 irmãos. Estudou
medicina na capital. Abandonou o curso depois de quatro anos, para
ingressar na carreira artística. Estourou nos festivais na década de
1970 e compôs músicas com letras poderosas, como “A palo seco”. Seus
sucessos foram gravados por Elis Regina, Jair Rodrigues e Roberto
Carlos. Belchior é um artista com vasta cultura, domina cinco idiomas,
conhece filosofia e gosta de física quântica. Até os anos 2000, lançava
em média um disco por ano. “Ele era uma máquina, chegava a fazer três
shows por noite. Era uma pessoa completamente dedicada à carreira”, diz o
parceiro e ex-sócio Jorge Mello.
Tudo isso ficou para trás. O sumiço de
Belchior lembra o caso do escritor russo Liev Tolstói. Aos 82 anos, ele
abandonou tudo para viver como camponês. Tolstói teve um fim trágico –
morreu de pneumonia depois de viajar na terceira classe de um trem
durante o inverno soviético. Belchior, quanto mais se afasta da vida em
sociedade, mais se afunda em dificuldades mundanas.
Capítulo 2
“Onde nada é eterno”
Depois que conheceu Edna, Belchior percorreu uma trajetória descendente em que, aos poucos, se despojou de todos os bens e obrigações. No final de 2006, ainda com a carreira aquecida, pediu que o empresário Jackson Martins parasse de agendar novos shows. Pretendia passar um tempo se dedicando à pintura e à tradução do poema Divina comédia, de Dante Alighieri, para uma linguagem popular. No início do ano seguinte, deixou o apartamento em que vivia com Ângela, mas continuou morando em São Paulo com Edna, num flat alugado. Desde então, a família diz não ter mais notícias dele. Belchior não era um marido muito presente, ficava até dois meses sem aparecer em casa. Teve duas filhas fora do casamento. Uma delas com uma fã que morava em São Carlos, no interior de São Paulo, com quem saiu uma única vez. A outra era fruto de um caso com uma estudante de psicologia no Ceará. Belchior pagava pensão alimentícia para a primeira. A família da segunda menina, hoje com 16 anos, não o acionou na Justiça.
As complicações começaram a aparecer em 2008.
Ângela cobrava na Justiça uma pensão mensal de R$ 7 mil. Belchior se
recusou a pagar. Na época, deixou de pagar também a outra pensão. Seus
amigos notaram uma diferença de comportamento. “Ele parecia estranho. Me
ligou perguntando sobre amigos que não vemos há 30 anos, num tom de voz
que não era o seu”, diz Jorge Mello. Em outubro daquele ano, abandonou
um carro no estacionamento do aeroporto de Congonhas, em São Paulo.
Belchior continuou em São Paulo até março de 2009, quando deixou o flat sem quitar os últimos meses de aluguel. Na garagem, ele largou um segundo carro, e em seu apartamento ficaram roupas, rascunhos de música, cartões de crédito e o passaporte. Belchior também abandonou tudo na casa alugada onde funcionava seu escritório: coleção de quadros, discos, documentos e o computador onde estava parte da tradução da Divina comédia, projeto que lhe consumira três anos. Seu secretário, Célio Silva, continuou abrindo o escritório, na esperança de que retornasse.
Belchior
viajara com Edna para o Uruguai, onde descansava num vilarejo. Foi
processado por Célio e por todos os credores que ficaram em São Paulo.
Não se defendeu. Foi representado por defensores públicos até nos
processos de pensão alimentícia. Como consequência, suas contas foram
bloqueadas, e apareceram dois mandados de prisão contra ele, já que não
pagar pensão é um crime passível de cadeia. “Como não tive contato com
ele, a defesa ficou restrita a questões formais”, diz a defensora
Claudia Tannuri, escolhida para defendê-lo no processo movido pela
ex-mulher Ângela. Belchior nem sequer se importou com o destino de seus
pertences. As roupas que estavam no flat foram doadas à caridade. A
filha mais velha recolheu os documentos. Os carros foram levados para
depósitos públicos. A dívida com os estacionamentos já ultrapassava seu
valor. O proprietário do imóvel onde funcionava o escritório lacrou o
lugar e recolheu os pertences. Seus quadros se perderam com a umidade.
Como na música “Divina comédia humana”, “em que nada é eterno”, Belchior e Edna perambularam durante todo esse período de hotel em hotel – várias vezes, sem pagar a conta. Amigos culpam Edna pela iniciativa. O primeiro hotel em que isso aconteceu foi o Gran Marquise, em Fortaleza. Os dois ficaram hospedados ali ainda em 2006. Saíram sem pagar dois meses de estadia, no valor de R$ 8 mil. Depois, repetiram a prática em pelo menos quatro locais. No Icaraí Praia Hotel, em Niterói, deixaram uma conta de R$ 4 mil. “Alguns funcionários tiveram de arcar com parte da dívida, já que permitiram que ele ficasse hospedado mais de uma semana sem pagar a conta”, diz o atual gerente, Germano Lopes. No Royal Jardins Boutique, em São Paulo, a conta pendurada foi de R$ 12 mil. “Eles deixaram um cheque caução, mas não tinha fundos”, diz Elly Shimasaki, gerente na ocasião.
O caso mais recente foi no hotel Cassino, na cidade de
Artigas, no Uruguai, onde o casal se hospedou entre julho de 2011 e
novembro de 2012. Os últimos meses ficaram sem pagamento, restando uma
dívida de R$ 35 mil. Lá, Belchior deixou para trás roupas e um laptop.
“É uma lástima que um artista brasileiro dessa importância tenha agido assim”, diz o gerente uruguaio Ricardo Rodrigues. O hotel entrou com uma queixa criminal contra o casal.
Capítulo 3
“Sou apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco”
Depois que conheceu Edna, Belchior percorreu uma trajetória descendente em que, aos poucos, se despojou de todos os bens e obrigações. No final de 2006, ainda com a carreira aquecida, pediu que o empresário Jackson Martins parasse de agendar novos shows. Pretendia passar um tempo se dedicando à pintura e à tradução do poema Divina comédia, de Dante Alighieri, para uma linguagem popular. No início do ano seguinte, deixou o apartamento em que vivia com Ângela, mas continuou morando em São Paulo com Edna, num flat alugado. Desde então, a família diz não ter mais notícias dele. Belchior não era um marido muito presente, ficava até dois meses sem aparecer em casa. Teve duas filhas fora do casamento. Uma delas com uma fã que morava em São Carlos, no interior de São Paulo, com quem saiu uma única vez. A outra era fruto de um caso com uma estudante de psicologia no Ceará. Belchior pagava pensão alimentícia para a primeira. A família da segunda menina, hoje com 16 anos, não o acionou na Justiça.
Belchior continuou em São Paulo até março de 2009, quando deixou o flat sem quitar os últimos meses de aluguel. Na garagem, ele largou um segundo carro, e em seu apartamento ficaram roupas, rascunhos de música, cartões de crédito e o passaporte. Belchior também abandonou tudo na casa alugada onde funcionava seu escritório: coleção de quadros, discos, documentos e o computador onde estava parte da tradução da Divina comédia, projeto que lhe consumira três anos. Seu secretário, Célio Silva, continuou abrindo o escritório, na esperança de que retornasse.
Como na música “Divina comédia humana”, “em que nada é eterno”, Belchior e Edna perambularam durante todo esse período de hotel em hotel – várias vezes, sem pagar a conta. Amigos culpam Edna pela iniciativa. O primeiro hotel em que isso aconteceu foi o Gran Marquise, em Fortaleza. Os dois ficaram hospedados ali ainda em 2006. Saíram sem pagar dois meses de estadia, no valor de R$ 8 mil. Depois, repetiram a prática em pelo menos quatro locais. No Icaraí Praia Hotel, em Niterói, deixaram uma conta de R$ 4 mil. “Alguns funcionários tiveram de arcar com parte da dívida, já que permitiram que ele ficasse hospedado mais de uma semana sem pagar a conta”, diz o atual gerente, Germano Lopes. No Royal Jardins Boutique, em São Paulo, a conta pendurada foi de R$ 12 mil. “Eles deixaram um cheque caução, mas não tinha fundos”, diz Elly Shimasaki, gerente na ocasião.
“É uma lástima que um artista brasileiro dessa importância tenha agido assim”, diz o gerente uruguaio Ricardo Rodrigues. O hotel entrou com uma queixa criminal contra o casal.
Capítulo 3
“Sou apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco”
Nos
últimos anos, Belchior se manteve à distância de qualquer atividade
remunerada. Em 2009, quando o desaparecimento ganhou repercussão
nacional, a montadora General Motors ofereceu um cachê milionário para
ele aparecer num comercial. Belchior deveria dizer que, com o novo carro
da GM, até ele voltava. Belchior recusou o convite e ficou bastante
chateado com o teor da proposta. O empresário Jackson Martins diz que
recebe constantes pedidos para shows, mas não consegue localizá-lo desde
2007. “Pago as dívidas dele se ele voltar”, diz. Outro empresário que
trabalhou com Belchior por quase 30 anos, Hélio Rodrigues, diz que o
desaparecimento fez aumentar o interesse do público. “Depois do
escândalo, ele consegue lotar qualquer casa de espetáculo. Com dois
shows em São Paulo, eliminaria as dívidas”, diz.
Hoje, a maior
pendência de Belchior é o processo trabalhista ganho pelo secretário
Célio, no valor de R$ 1 milhão. A causa está julgada. Um apartamento de
propriedade do músico em São Paulo está em execução. A dívida da pensão
para a ex-mulher Ângela soma cerca de R$ 300 mil. Mas cresce a cada dia,
já que Belchior continua obrigado a pagar R$ 7 mil por mês. “O sumiço
só agravou a situação dele. Se não tem dinheiro, deveria enfrentar
juridicamente o processo, argumentando que não pode pagar”, diz Paulo
Sato, advogado de Ângela. A pensão atrasada da filha que mora em São
Carlos gira em torno de R$ 90 mil. As dívidas com hotéis cobradas na
Justiça somam R$ 47 mil. Não são impagáveis, desde que Belchior volte a
se apresentar.
A derradeira fonte de renda de Belchior eram os direitos autorais de suas músicas. Segundo o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), nos últimos cinco anos foram depositados R$ 367 mil referentes à execução pública de suas obras. Parte do dinheiro ficou retida quando as contas bancárias foram bloqueadas. Desde então, Belchior não contou com nenhum outro tipo de renda.
A derradeira fonte de renda de Belchior eram os direitos autorais de suas músicas. Segundo o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), nos últimos cinco anos foram depositados R$ 367 mil referentes à execução pública de suas obras. Parte do dinheiro ficou retida quando as contas bancárias foram bloqueadas. Desde então, Belchior não contou com nenhum outro tipo de renda.
Capítulo 4
“Saia do meu caminho, eu prefiro andar sozinho”
Em janeiro deste ano, Edna e Belchior procuraram a Defensoria Pública em Porto Alegre. A história ganhou ingredientes ainda mais estranhos. Os dois alegavam que o bloqueio das contas e os mandados de prisão impediam que ele trabalhasse e voltasse a ganhar dinheiro para pagar as dívidas. Belchior aparentemente estava disposto a voltar. Mas o comportamento do casal era confuso. Edna falava desbragadamente, enquanto Belchior ficava quase sempre calado. “Durante um mês, me informei sobre os processos que tramitam em São Paulo. Fizemos um pedido judicial para a suspensão da execução, até que ele conseguisse se restabelecer. Nesse meio-tempo, Belchior sumiu”, diz a defensora pública Luciana Kern, que o atendeu.
Nesse mesmo período, Edna ligou para o jornalista gaúcho
Juremir Machado, que não conhecia. Disse que Belchior estava escondido
na cidade e precisava de ajuda. Ela queria que Juremir os levasse à sede
regional da TV Record para fazer uma denúncia delirante. Juremir notou
algo de incomum no casal. Eles se escondiam atrás de pilastras e ficavam
olhando a movimentação nas ruas antes de entrar em algum lugar, como se
fossem seguidos. Na retransmissora da TV, Edna afirmou ter um dossiê
contra a TV Globo. O programa Fantástico noticiara o desaparecimento de
Belchior em 2009 e a fuga do hotel uruguaio, em 2012. “Ela dizia que
Belchior era difamado pela Globo e queria justiça. Falou até que havia
uma tentativa de matá-lo”, diz a jornalista Vânia Lain, que recebeu os
dois. Eles disseram que voltariam na semana seguinte trazendo os
documentos, mas desapareceram.
“Saia do meu caminho, eu prefiro andar sozinho”
Em janeiro deste ano, Edna e Belchior procuraram a Defensoria Pública em Porto Alegre. A história ganhou ingredientes ainda mais estranhos. Os dois alegavam que o bloqueio das contas e os mandados de prisão impediam que ele trabalhasse e voltasse a ganhar dinheiro para pagar as dívidas. Belchior aparentemente estava disposto a voltar. Mas o comportamento do casal era confuso. Edna falava desbragadamente, enquanto Belchior ficava quase sempre calado. “Durante um mês, me informei sobre os processos que tramitam em São Paulo. Fizemos um pedido judicial para a suspensão da execução, até que ele conseguisse se restabelecer. Nesse meio-tempo, Belchior sumiu”, diz a defensora pública Luciana Kern, que o atendeu.
Em Porto Alegre, Belchior e Edna
ficaram inicialmente hospedados num hotel simples no centro, pago com
ajuda dos funcionários do Tribunal de Justiça, primeira porta em que o
casal bateu quando chegou à capital gaúcha. Depois, foram abrigados no
Centro Infantojuvenil Luiz Itamar, instituição de caridade na região
metropolitana. Dali, foram levados ao advogado Aramis Nacif,
ex-desembargador do Estado, que poderia ajudar Belchior com os
processos. “Ele dizia que um agente apareceria, mas nunca apareceu”, diz
Nacif. Durante um mês, o casal ficou abrigado na casa de praia do filho
dele. “Eles não tinham dinheiro algum. Edna apresentava um sentimento
de perseguição muito grande, parecia ter algum distúrbio psicológico”,
diz. Foi nesse momento que Belchior conheceu o advogado Jorge Cabral, na
casa de quem se hospedou por quatro meses.
Cabral tomou um susto ao perceber que um músico importante como Belchior estava ali. E os convidou para ir a um sítio de sua propriedade, em Guaíba, local mais agradável. Belchior e Edna continuavam sem dinheiro. Nesse período, o advogado levou mantimentos, roupas, itens de higiene pessoal e até tintura para Belchior pintar os bigodes de preto.
No sítio de Cabral,
Belchior não bebia nem comia carne vermelha. Passava os dias tomando
chá, caminhando e cuidando das ovelhas. Fazia muitas anotações em
papéis, que escondia numa pasta. Durante esse período, gastou duas
canetas inteiras. Leu cerca de 40 livros. Não apresentava sinais de
depressão. Parecia, segundo Cabral, alheio aos problemas que o cercavam.
“Eu imaginava que ele era apenas um compositor nordestino, mas
encontrei um artista plástico, um pensador, um filósofo”, diz Cabral.
Ele pretende escrever um livro sobre a experiência.
Belchior só não gostava de falar sobre sua situação. Recusava-se a tocar violão e cantar. Edna impedia que ele fosse fotografado. O casal também não tomava nenhuma providência para resolver os problemas jurídicos. “A gente esperava que a situação se resolvesse, mas não acontecia nada. E aquilo não condizia com um homem lúcido, com memória fantástica, que fala várias línguas e tem uma quantidade enorme de músicas gravadas”, diz Jorge Cabral.
“Esse tempo que ele falou que daria na carreira já está longo demais. Só queremos notícias dele”, diz a irmã, Ângela Belchior. Belchior não apareceu nem no enterro da mãe, que morreu em 2011. Por telefone, a ex-mulher Ângela soa reticente. Não gosta de falar sobre um assunto tão delicado com a imprensa. Ela conta que, desde 2007, Belchior não entra em contato nem com os filhos. “Não entendo. Os empresários dele não entendem”, diz.
Em julho deste ano, Cabral pediu
que o casal saísse, dado que Belchior e Edna não davam sinal de acabar
com aquela situação de total dependência. Ele os deixou na porta da sede
regional da União Brasileira de Compositores, com R$ 50 no bolso. Na
União, Belchior tentou desbloquear o pagamento de seus direitos
autorais, comprometido pelos processos na Justiça. Não conseguiu.
Belchior foi visto pela última vez na entrada do prédio, um edifício moderno num bairro de classe média de Porto Alegre, em frente a uma avenida bastante movimentada. Carregava uma pequena mala nas mãos e material de pintura debaixo do braço. Belchior – na belíssima letra de “Comentário a respeito de John”, ele cantava “eu prefiro andar sozinho” – estava, como sempre, ao lado de Edna.
Cabral tomou um susto ao perceber que um músico importante como Belchior estava ali. E os convidou para ir a um sítio de sua propriedade, em Guaíba, local mais agradável. Belchior e Edna continuavam sem dinheiro. Nesse período, o advogado levou mantimentos, roupas, itens de higiene pessoal e até tintura para Belchior pintar os bigodes de preto.
Belchior só não gostava de falar sobre sua situação. Recusava-se a tocar violão e cantar. Edna impedia que ele fosse fotografado. O casal também não tomava nenhuma providência para resolver os problemas jurídicos. “A gente esperava que a situação se resolvesse, mas não acontecia nada. E aquilo não condizia com um homem lúcido, com memória fantástica, que fala várias línguas e tem uma quantidade enorme de músicas gravadas”, diz Jorge Cabral.
“Esse tempo que ele falou que daria na carreira já está longo demais. Só queremos notícias dele”, diz a irmã, Ângela Belchior. Belchior não apareceu nem no enterro da mãe, que morreu em 2011. Por telefone, a ex-mulher Ângela soa reticente. Não gosta de falar sobre um assunto tão delicado com a imprensa. Ela conta que, desde 2007, Belchior não entra em contato nem com os filhos. “Não entendo. Os empresários dele não entendem”, diz.
Belchior foi visto pela última vez na entrada do prédio, um edifício moderno num bairro de classe média de Porto Alegre, em frente a uma avenida bastante movimentada. Carregava uma pequena mala nas mãos e material de pintura debaixo do braço. Belchior – na belíssima letra de “Comentário a respeito de John”, ele cantava “eu prefiro andar sozinho” – estava, como sempre, ao lado de Edna.
Free ilustration by: militanciaviva!
Daí temos certeza da enorme fragilidade humana,,,Muito triste ele ter se deixado enrolar por essa mulher...
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