A teoria conspiratória galopando
Mas é só na cabeça dos bandos de justiceiros virtuais que estão tentando fazer injustiça com as próprias mãos nos teclados.
A imprensa americana cometeu uma barrigada histórica em sua cobertura das bombas na maratona de Boston. Primeiro veio a CNN com a história de que um suspeito havia sido preso. Na esteira, outras redes e sites e o diabo não demoraram a repercutir a notícia. Falou-se que se tratava de uma pessoa de pele escura.
Não era nada. Nada.
Depois de mais de uma hora sustentando uma falácia, a CNN deu uma explicação, em seguida, de que três fontes “em níveis local e federal” haviam passado a informação. “Assim que elas nos forneceram novos dados, ajustamos nossa reportagem”. Esse “ajustamos nossa reportagem” é um eufemismo para “desculpaí, pessoal. Foi mal”. (No Brasil, a detenção fictícia estava há pouco nas manchetes de dois portais).
“Como essas matérias têm consequências inesperadas, pedimos à mídia que exercite a cautela para checar o que veicula com os canais apropriados”, pediu o FBI num comunicado oficial.
Não vai adiantar coisa alguma. A histeria – eventualmente, compreensível – para encontrar um culpado já está resultando em muita besteira. Algumas mais trágicas que outras. Um dos absurdos surgidos é a criação de grupos de justiceiros na internet. Metade das pessoas que estavam na corrida acha, como num filme ruim, que tem a imagem do terrorista, ou dos terroristas, numa foto tirada com o iPhone. Ele aparece num retrato da namorada do dono do celular, meio desfocado, num cantinho, com seu olhar esquisito de psicótico e um casaco pesado.
É claro que não aparece. Mas o que é isso diante da vontade de resolver um crime por conta própria? O site Reddit ganhou um grupo de irresponsáveis chamado Find Boston Bombers, para pessoas que, em sua imaginação, têm pistas dos bandidos, como agentes da CIA.
Um “suspeito”, segundo o site de justiceiros
Só que eles não são agentes da CIA, mas desocupados com miolos delirantes. As milhares de imagens do evento, colocadas na rede, estão servindo para uma avalanche de teorias conspiratórias. Um sujeito teve sua mochila preta transformada numa bomba. Ele estaria segurando a alça com muita força, o que denotaria uma tensão reprimida. Ele tem feições árabes. Onde está a polícia que não prendeu esse cara? (Não se sabe se o pobre coitado viu o que estão fazendo com ele, mas, se vir, não vai ficar nada feliz).
Os justiceiros virtuais investigam, julgam e dão sentenças à revelia, num fórum absolutamente inadequado. Eles declaram, em sua ilusão, que suas “revelações” vão para o FBI. Não é verdade. Imagens, gráficos e comentários que estão sendo postados se tornaram virais. Qual o próximo passo? Sair às ruas com máscaras, um tacape e linchar um garoto de pele escura, parecido com o que aparece numa câmera de vigilância de uma loja qualquer?
A cultura americana é povoada de justiceiros. Super herois como Batman prendem vilões sozinhos porque, afinal, já que o “sistema” não faz nada, alguém tem de fazer (não é à toa que a famigerada Segunda Emenda fala no direito de as pessoas se armarem e criarem milícias para lutar contra um governo tirânico). Milhões estão agora atrás de seus computadores, fantasiados de morcegos, achando que vão resolver alguma coisa.
Na caçada aos responsáveis pelos atentados em Boston, muita bobagem ainda vai ser dita e feita.
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