Ao desejar a morte de manifestantes e declarar que “essa região faz parte do meu Tribunal”, ele rompe com o estado de direito.
Quando vi a reprodução da postagem do promotor Rogério Zagallo, a
primeira coisa que perguntei foi se era verdadeiro aquilo. Não que o
tivesse em boa conta, muito pelo contrário, mas não imaginei que seus
delírios chegassem a tanto. Zagallo disse o seguinte: “Por favor, alguém
poderia avisar a Tropa de Choque que essa região faz parte do meu
Tribunal do Júri e que se eles matarem esses filhos da puta eu
arquivarei o inquérito policial. Petistas de merda. Filhos da puta.”
Preocupado com a repercussão, ele emendou depois que era só um desabafo e que não estava agindo como promotor de justiça.
Zagallo ficou famoso pelo fundamento usado em um requerimento de arquivamento de um inquérito
em que um policial matou um homem que o tentara roubar. Depois de ser
sarcástico — “para desgosto dos defensores dos Direitos Humanos de
plantão” —, justificou o arquivamento: “Bandido que dá tiro para matar
tem que tomar tiro para morrer. Lamento, todavia, que tenha sido apenas
um dos rapinantes enviados para o inferno. Fica aqui o conselho para
Marcos Antônio: melhore sua mira…”.
Não sei se, nesse caso, houve legítima defesa que justificasse o
arquivamento. Mas sei que o fundamento é uma afronta à lei. O que
justifica o ato de matar alguém, em tais circunstâncias, é a defesa da
própria vida ou de outra pessoa. No instante em que não há mais
agressão — tiros — cessa a possibilidade de defender-se
legitimamente. Se alguém atira contra um policial e foge, não pode ser
morto como vingança. Quando ele escreve que quem dá tiro contra policial
tem que morrer, ele está fazendo uma clara apologia da violência como
vendetta.
Além dos termos chulos, chama a atenção uma incapacidade de lidar com
uma manifestação popular, a ponto de louvar a ditadura militar, a Rota
ou seja lá o que for, ao falar que sente saudade do tempo em que se
resolvia isso com “borrachada nas costas”.
Mas o pior ainda não é isso.
Ao declarar que “essa região” faz parte do “meu Tribunal do Júri”,
ele revela uma falta de noção de valores republicanos, pois fala de seu
poder – não um poder público, com limitações estabelecidas em lei, mas
como se fosse pessoal, despótico, exercido conforme seu arbítrio. Um
Estado Democrático de Direito pressupõe, sobretudo, a limitação do
poder, de modo que quem exerce qualquer cargo público está subordinado à
legalidade.
Quando avisa que se um policial matar um dos manifestantes, ele
arquivaria o inquérito, o delírio fascista chega ao extremo. Primeiro
porque promotor não arquiva, mas requer o arquivamento. Isso significa
que sua manifestação está sujeita ao controle de legalidade feito pelo
juiz. Se este não concordar, remete para o Procurador Geral de Justiça.
Segundo, porque se um PM assassinar alguém pelo simples motivo de que
essa pessoa está em uma manifestação, terá ocorrido um homicídio. Em uma
hipótese absurda como essa, o dever do promotor seria oferecer denúncia
contra o PM por crime.
Esse tipo de pessoa é o que mais temo e lastimo como professor de
direito penal. É aquele que frequenta uma faculdade e se apodera dos
conhecimentos jurídicos apenas para a aprovação em um concurso público.
Depois disso, ele não faz outra coisa senão negar o direito. Ele se vale
do conhecimento jurídico para a ascensão econômica, mas no exercício da
atividade ele avilta o direito.
A Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo exige dos
membros do MP um comportamento digno. Um dos deveres funcionais do
membro do MP é “zelar pelo prestígio da Justiça, por suas prerrogativas e
pela dignidade de suas funções”. No art. 173, inciso VI, constitui
infração disciplinar o descumprimento dos deveres funcionais previstos
no art. 169, dentre os quais o de zelar pela dignidade de suas funções.
No art. 232, poderá ocorrer “correição extraordinária” para a
apuração de “atos que comprometam o prestígio ou a dignidade da
Instituição”.
É difícil saber qual seria a pena aplicável (advertência, censura ou
suspensão). Mas a manifestação de Zagallo causou perplexidade nas
pessoas sensatas – e na comunidade jurídica, de modo que se espera a
rigorosa apuração da Corregedoria do Ministério Público.
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