Desde as primeiras manifestações, tenho dito e repetido: “O POVO ESTÁ NAS RUAS”. Isso se confirmou, sem polícia não existe violência. Recebidos pelo prefeito Haddad, revelaram: “Todos os protestos são políticos”. Pela primeira vez, a pedido, escrevo sobre a dramática, quase trágica, ida para o desterro-sequestro de Fernando de Noronha.
Helio Fernandes
Segunda-feira, entrando pela madrugada desta terça em que escrevo, as
manifestações de ruas atingiram o apogeu. Os que acreditaram que eram
“apenas protestos” contra o aumento das passagens de ônibus, trens e
metrôs, conseguiram ver alguma coisa. Finalmente perceberam que haviam
cometido erros e equívocos colossais nas análises, reagiam de forma
superficial a um movimento que conquistava cada vez mais profundidade.
Na segunda e ontem, terça, finalmente os governantes compreenderam,
assustados, que estavam tentando reagir com Polícia, armas quase letais,
balas de borracha, a um movimento que era rigorosamente social,
político, eleitoral, de protesto, reivindicatório, revolucionário,
tentativa de modificar inteiramente o que chamam de “ordem
estabelecida”. Mas que, para essas multidões de jovens, significa apenas
uma “ordem desarvorada”, que despreza, ignora, desconhece e explora
inteiramente o povo.
Todos eles muito jovens, não sabem quem foi Monroe, presidente dos
EUA de 1821 a 1825, e fez esta definição genial: “Democracia é o regime
do povo, para o povo, pelo povo”. Não tem a menor importância que não
conheçam Monroe. Assim, mostram que são inventivos, criativos, não
copiam ninguém, nem mesmo ideia positiva.
AS MULTIDÕES DE JOVENS DE AGORA
REPETEM 1789 NA FRANÇA E NOS EUA
Quando vi a Avenida Rio Branco de ponta a ponta lotada e tomada pela
multidão pacifica de 100 mil pessoas, lembrei e relembrei logo a
passeata das “Diretas, já” em 1984. A lembrança e a comparação surgiram
logo por causa do “formato” horizontal das duas avenidas, e do
entusiasmo das duas multidões.
Uma em plena ditadura, só queria eleição direta. A de agora, quase 30
anos depois, quer muito mais conquistas, as reivindicações são nem
amplas. Mas com uma sensibilidade impressionante, dizem abertamente:
“Queremos representabilidade, esses políticos corruptos que estão ai não
nos representam de maneira alguma”.
Com isso, revelavam a universalidade das reivindicações, davam
autenticidade e até mesmo longevidade a um movimento que governantes sem
imaginação rotulavam como de centavos miseráveis, quando os
manifestantes não pensavam em dinheiro, o objetivo, oculto ou ostensivo,
era de Liberdade, Igualdade, Fraternidade.
(Que a Revolução francesa popularizou mas desperdiçou, dando
prioridade e muito maior importância à Revolução dos EUA, quaisquer que
tenham sido os desvios cometidos mais tarde. E se comparo às caminhadas
pelas ruas desses jovens de hoje, é para ressaltar a grandeza, a
generosidade e o sentido de mudança, que é a bandeira desse movimento.
Que está longe de ter amortecido ou diminuído o ímpeto por mudanças
obrigatórias).
TODOS MUDARAM DE POSIÇÃO
VERGONHOSAMENTE, SEM CONSTRANGIMENTO
VERGONHOSAMENTE, SEM CONSTRANGIMENTO
Enquanto escrevo, Dona Dilma está na televisão (não tem mais nada
para fazer?), num discurso tão imprudente e imprevidente quanto sua ida à
abertura da Copa e a consequente vaia. Diz: “Esses movimentos
fortalecem a democracia”. Mas logo passa para o que chamou de “ato de
violência na Assembleia Legislativa, que não pode ser aceito, violência
nada a ver com o respeito a todos”.
Não houve violência alguma na Alerj. Acontece que ali foi o único
lugar no Rio onde havia polícia fortemente reforçada. Esses policiais
montaram barricadas, estavam armadíssimos. Três feridos com balas de
borracha foram hospitalizados no Souza Aguiar. Quem tem balas de
borracha?
Eram dois grupos, um queria mostrar que combatiam a falsa
representatividade, não puderam entrar pela frente, tentaram pelo lado,
naturalmente houve choque. O outro grupo não queria nem isso.
Pois Dona Dilma trouxe para diante das televisões só isso, e
divagações baratas, se comparando ao mediocríssimo presidente da Alerj,
que falou “nos 2 milhões de reais de prejuízos com o choque”. E os
bilhões de prejuízos que dão ao povo, que por isso contesta a
“representatividade que não representam”.
ALCKMIN, ESSE ENTÃO, QUE
FARSANTE, ENTRE QUINTA E ONTEM
Na quinta-feira, falando numa mesa de três lugares, entre dois
coronéis da Polícia Militar (chamei no mesmo dia a atenção para o fato),
defendeu entusiasmadamente a atuação da PM. Textualmente: “A Polícia
Militar cumpriu rigorosamente seu papel de defender a coletividade”.
Depois de quinta, sexta, sábado, domingo e segunda, não podendo
desmentir as críticas nem retirar dos hospitais os feridos por balas de
borracha, e não resistindo às notícias duras e justas contra seu
governo, voltou a falar.
Pensou (?) na reeleição, e veio categórico: “O povo tem todo o
direito de se manifestar nas ruas sem repressão policial”. Ninguém mais e
melhor do que ele se ajusta à falta de “representatividade”, um dos
carros-chefes dos protestos. Quem acredita que Alckmin não disputará a
reeleição, se engana.
HADDAD, O INTELECTUAL E EDUCADOR
QUE NÃO GOSTA DE CHEIRO DE POVO
Ontem, logo pela manhã, recebeu membros do MPL, Movimento Passe
Livre. Começou a falar sobre o aumento dos ônibus, foi interrompido,
disseram: “Não é nada disso, prefeito, estamos muito mais longe do que o
senhor, temos reivindicações coletivas e não interesses individuais”.
Envergonhado, Haddad não sabia o que dizer. Tem muito tempo para
pensar. Ele e os outros governantes, incluídos os do Rio (estado e
capital). A negociação será demorada. Os daqui nem merecem citação.
####################################################### O DESTERRO
O coronel Jarbas Passarinho é agraciado com uma medalha de honra pelos golpistas de 1964. |
PS – Foi inacreditável, Ricardo Sales. Decidido o meu
desterro-sequestro-confinamento (ideia do coronel Passarinho, logo
aceita com entusiasmo), começaram os preparativos. Queriam me embarcar
imediatamente, não deu, fui no dia seguinte.
PS2 – O avião não foi um Douglas e sim um avião de transporte
militar comprado aos EUA, de segunda mão. E preço de primeira. Dois
bancos horizontais e mais nada. Ali ficavam os soldados que saltariam de
paraquedas sobre os objetivos determinados.
PS3 – Como piloto, apenas um jovem capitão da FAB, que não podia
nem ir ao banheiro, na cabine, só ele. Ordem do ministro da Justiça Gama
e Silva. (Que o jornalista Oto Lara Resende apelidou de “doidivanas do
Balaio”, porque frequentava muito essa boate em moda na época.
PS4 – A ordem do ministro: “Tem que ir direto a Fernando de
Noronha, sem parar em nenhum lugar, NEM PARA REABASTECER. Na época, esse
aviãozinho levava 9 horas e meia do Rio a Fernando de Noronha. Por
todos os ângulos, determinações insensatas.
PS5 – No caminho, passamos por aquele ares e mares onde anos mais
tarde desapareceria um avião da Air France com 247 passageiros. O avião
balançava muito, era assustador. O capitão-piloto viu logo que ou
mudava de rumo ou não chegaria a lugar algum. Um tipo de tortura
inédito: a vida ou a morte, não havia meio termo.
PS6 – O capitão,
diante da situação dramática e quase trágica, decidiu mandar um rádio
para o comandante da FAB no Recife, brigadeiro Parreiras Horta, contando
a situação em que estava e as ordens que recebera do ministro da
Justiça. E terminava assim: “Se cumprir essas ordens não chegarei a
lugar algum”.
PS7 – Recebeu resposta imediata do brigadeiro: “O senhor não
recebe ordens do ministro da Justiça e sem minhas. Desvie com urgência
dessa área, vá para Natal, tem minha total autorização”.
PS8 – Naquela época, Fernando de Noronha não tinha aeroporto, era
uma pista entre dois morros, pavor dos pilotos. Saímos daquela zona de
perigo, chegamos a Natal, onde em 1940 Vargas se encontrou com
Roosevelt, que precisava instalar aí um posto de comando.
PS9 – No dia seguinte, saímos de Natal para Fernando de Noronha.
Chegamos mais ou menos em uma hora. E se o jovem capitão tivesse
cumprido as ordens do louco ministro da Justiça? E se não tivesse
encontrado, quase à meia-noite, o brigadeiro Parreiras Horta? É a
primeira vez que escrevo sobre o episódio. Obrigado, Ricardo Sales, pela
oportunidade.
Postado por Helio Fernandes/Jornal Tribuna da Imprensa
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