Em manifestação evangélica em Brasília, pastor sobe o tom na defesa da ‘família tradicional’.
O artigo abaixo é de autoria da jornalista Magali do Nascimento
Cunha, professora da Universidade Metodista de São Paulo com pesquisas
em Mídia-Religião-Cultura. O texto foi publicado originalmente no blog de Magali.
Divulgada pela organização como a maior manifestação pública desde o
“Diretas Já!”, aconteceu na tarde-noite deste 5 de junho, na Esplanada
dos Ministérios, em Brasília, a Manifestação Pacífica pela Família
Tradicional e a Liberdade de Expressão, convocada pelo pastor da Igreja
Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia.
Até o início da noite a organização contabilizava 70 a 80 mil
participantes, contra os 40 mil estimados pela Polícia Militar e os 100
mil esperados de acordo com a divulgação.
Seja qual for a quantidade na disputa das estimativas, um expressivo
número de milhares de pessoas, predominantemente declaradas evangélicas,
incluídas também católicas, atendeu à convocação de Silas Malafaia para
se manifestar em defesa dos “valores cristãos” e da “família
tradicional” e ouvir pronunciamentos de lideranças religiosas e dos
políticos da Frente Parlamentar Evangélica, como o senador Magno Malta e
o deputado federal presidente da Comissão de Direitos Humanos da
Câmara, Marco Feliciano.
Tudo embalado por canções de famosos artistas gospel, como Aline
Barros, Bruna Karla, Thalles Roberto, Cassiane, André Valadão, David
Quinlan, Eyshila e Nani Azevedo, que se apresentaram no mesmo palanque
num show que durou até a noite.
O protesto foi marcado para as 15h, depois da sessão da Comissão de
Finanças e Tributação (CFT) da Câmara que tinha como item na pauta o
Estatuto do Nascituro.
A proposta aprovada dá direitos aos embriões em formação como forma
de inibir os abortos e cria a “bolsa estupro”, ajuda financeira para
mães que optarem por ter as crianças mesmo após a violência sofrida.
Pela lei brasileira, em caso de estupro, a mãe tem o direito de
abortar o bebê. “Estamos trabalhando para aprovar”, disse o presidente
de honra da bancada evangélica, deputado João Campos (PSDB-GO), ao site
Congresso em Foco.
Com linguagem um tanto destoante da proposta de manifestação
pacífica, o pastor Malafaia antecipava em entrevista o tom que
estabeleceu para o evento: “Nós vamos descer o bambu, meu filho. O couro
vai comer. Vai ser bonito. (…) Eles vão tomar um pau que não vai ser
brincadeira. Vou bater com vontade no CNJ”. (O Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) obrigou todos os cartórios do Brasil a realizarem o
casamento entre pessoas do mesmo sexo.)
A manifestação teve o apoio de lideranças evangélicas como R.R.
Soares, Márcio Valadão, Edir Macedo, Robson Rodovalho, Luciano Subirá,
José Wellington, Rina e Valdemiro Santiago.
Lideranças católicas como o cardeal de São Paulo Dom Odílio Scherer
também apoiaram o evento, segundo a organização. De acordo com anúncio
veiculado em cartazes, emissoras de TV e na internet, “até ateus”
poderiam participar.
O evento foi aberto pelo pastor Jabes de Alencar, da Igreja
Assembleia de Deus do Bom Retiro, em São Paulo, com uma oração e a
execução do Hino Nacional Brasileiro.
Às 17h, cerca de 50 pessoas, entre parlamentares e líderes de
diversas igrejas de estados como Rio de Janeiro, São Paulo e Minas
Gerais estavam no palanque.
Várias delas fizeram o uso da palavra para criticar coisas como a PL
122 (que criminaliza a homofobia), a decisão do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o projeto
de discriminalização das drogas. Os oradores defenderam iniciativas a
redução da maioridade penal.
Entre os líderes, o deputado Marco Feliciano e o pastor Silas
Malafaia foram os mais ovacionados pelo público. Feliciano agradeceu e
disse crer que o Brasil ainda terá um presidente evangélico e
acrescentou: “A igreja mostra que tem força, antes do Estado vem a
família e nós estamos aqui defendendo a família, que isso aqui seja um
recado para os governantes”.
Silas Malafaia criticou com ironia a postura de Marta Suplicy contra
os valores defendidos pelos cristãos: “Dona Marta, eu estou garantido
pela Constituição do Brasil, eu critico o que eu quiser! Para nos calar
terão que rasgar a Constituição. Eles nos acusam de ser
fundamentalistas, mas eles são fundamentalistas do lixo moral.”
Malafaia convocou a multidão a declarar que “o povo de Deus unido
jamais será vencido” por vários minutos e a fazer um jejum pela pátria
brasileira para o 7 de setembro.
Malafaia provocou: “Quero ver o movimento gay botar 30 mil pessoas
aqui no meio da semana. Raça é condição. Você não pede pra ser negro ou
branco. Mas homossexualismo é comportamento”.
O pastor terminou o pronunciamento com uma oração: “Livrai o Brasil
da desgraça social, das leis que venham prejudicar esse povo. Pai,
levanta a tua igreja unida. Nós concordarmos, o Brasil é do Senhor
Jesus”. Ele ainda mencionou na oração as autoridades governamentais e as
leis “que venham a prejudicar o povo cristão”.
Um dos coordenadores da Frente Parlamentar dos Direitos Humanos,
Domingos Dutra (PT/MA), disse que a manifestação deveria ser mais
propositiva.
Para ele, o protesto tem como alvo também a presidenta Dilma
Rousseff. “Além de uma pauta conservadora, tenta expor sua força para
amedrontar a presidenta Dilma, às vésperas do pleito eleitoral”, disse
Dutra ao site Congresso em Foco.
Malafaia negou a interpretação de Dutra: “Ele não sabe o que está falando. Ouviu o passarinho cantar e nem sabe o nome dele.”
Por deixar claro o tom com o qual a organização do evento lida com
manifestações opostas, um incidente entre seguranças do evento e fiéis
da Igreja do Evangelho Quadrangular não passou despercebido.
O pastor Celso Nascimento tentava pendurar no palanque uma bandeira
com o símbolo da igreja formada por quatro quadrados de cores roxa,
vermelha, amarela e azul, quando os seguranças pediram que ele se
retirasse.
A assessora do pastor tentou intervir e houve confusão. Ele resistiu e
foi retirado à força do local e do evento pelos seguranças. Segundo
relato de manifestantes os seguranças interpretaram que a bandeira
continha as cores do arco-íris e se referia ao movimento gay.
Mais tarde os seguranças tentaram justificar que a bandeira foi
retirada porque não era permitida a fixação de objetos no palanque.
O conteúdo da manifestação não revelou surpresas. É fato que muitos
fieis participantes de marchas e manifestações lá estão mais motivados
pelo momento gratuito com as celebridades do universo gospel – cantores e
as canções que embalam os eventos e pregadores midiáticos – do que
pelos discursos e suas temáticas.
Isto não é novo: os “showmícios” das tantas campanhas eleitorais do
passado já evocavam esta leitura e por isso estão proibidos pela Lei
Eleitoral.
Mas é também fato que há uma resposta à convocação. A internet está
cheia de espaços em sites, blogs e redes sociais preenchidos por
manifestações das mais diferentes simples pessoas que expressam seu
apoio a essa causa. Como interpretar este processo?
Os fieis das igrejas evangélicas no Brasil são hoje receptores de uma
ação discursiva terrorista por meio de publicidade midiática em
detrimento de uma busca por justiça e dignidade.
As lideranças buscam gerar impacto e visibilidade para um grupo
político articulado (não necessariamente de legenda) por meio de uma
lógica do terror que alerta para uma destruição da família, da vida e um
silenciamento da voz das igrejas com a afirmação de um inimigo – os
defensores do homossexualismo e do aborto – materializado em lideranças
parlamentares e do governo federal petista.
Ao demonizarem os “inimigos”, o pastor Silas Malafaia, o deputado
Marco Feliciano e seus aliados encontram uma fórmula de tentar adquirir
controle político sobre expressivo número de fieis das igrejas que, na
sua sinceridade e pureza, não consegue fazer uma leitura crítica desta
estratégia e acredita estar adentrando numa cruzada que o coloca acima
dos “infiéis” destruidores da vida e valores morais cristãos.
Há muito o que refletir e aprender deste processo na relação mídia-religião-política que está apenas começando.
Fonte:DCM
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