Ao querer resolver uma questão complexa ao sabor de uma vontade pessoal, Saboia ameaçou muito mais do que a vida de quem pretendia salvar; colocou em xeque a própria engrenagem que permitiu que chegasse onde chegou
A fuga espetacular de um senador boliviano da embaixada brasileira em
La Paz nada fica a dever aos melhores thrillers de suspense.
Arquitetada por quem gozava da confiança que o cargo confere e deveria,
por isso mesmo, zelar pelo cumprimento das leis internacionais e pelo
direito à vida, a ação virou “case” político mundial, com pitadas de
anedota.
Salta aos olhos, em primeiro lugar, a audácia de um subordinado em
quebrar a hierarquia para interpretar a seu modo as regras do direito
internacional. Fosse um padeiro ou um executivo, vá lá. O senso comum
dispensa maiores rigores acadêmicos e compromissos com as leis. Mas, em
se tratando de um diplomata, que teve o mérito e o privilégio de
frequentar um dos cursos mais cobiçados do Brasil, a manobra se revela
infantil, quase absurda, e seus argumentos, patéticos.
Servir a carreira diplomática é assumir compromissos de longa duração
com o Estado brasileiro, independente do governante de plantão. Nisso
reside o patético. Ao querer resolver uma questão complexa e delicada ao
sabor de uma vontade pessoal, o jovem servidor público ameaçou muito
mais do que a vida de quem pretendia salvar; colocou em xeque a própria
engrenagem que permitiu que ele chegasse onde chegou. E nesse mundo de
rivalidades políticas onde o respeito ao outro é sinônimo de debilidade,
Eduardo Saboia alimentou intrigas entre duas nações que nasceram para
serem irmãs e não inimigas. Fez mais. Colocou lenha na fogueira da
desinformação, tão ao gosto da mídia tupiniquim, cuja voracidade pelo
sensacionalismo atropela a mais elementar apuração jornalística.
Vale perguntar: onde saiu escrito, com o mesmo destaque, a lista de
20 crimes dos quais o senador boliviano é acusado em seu país, entre
eles o de assassinato? Onde está escrito que ele foi julgado e condenado
pela Justiça comum, e não pelo governo que acusa de conivência com o
narcotráfico? Em qual parágrafo se diz com todas as letras que se trata
de um senador criminoso ou de um criminoso senador? Não, nada disso. A
fuga promovida por Saboia ocupa por si mesma a (des)informação, não
necessitando de contrapontos, controvérsias, críticas, detalhes. Daí ser
usada e abusada por uma oposição política acostumada a falar grosso com
os povos pequenos e fininho com as potências.
Ao conceder asilo político ao senador, o Estado brasileiro cumpriu a
tradição de defesa da vida, acima de questões políticas. Foi assim que
fez com Stroessner, ex-ditador do Paraguai, e com Cesare Battisti, em
linha diametralmente oposta. Nossa diplomacia nunca negou o direito de
asilo a qualquer cidadão e, por isso mesmo, é respeitada
internacionalmente. Se o governo da Bolívia insistia em não dar salvo
conduto a um cidadão acusado de crimes, é um direito seu, se goste ou
não.
Agora, aproveitar a fuga para taxar o Brasil de servil, escravo da
ideologia bolivariana, é um despropósito típico de quem tem arrepio à
verdade.
Para a oposição, Saboia será um herói, mesmo que tenha, em seu afã
missionário, colocado em risco a vida de quem quis proteger. Para o
governo, é um insubordinado, que merece ser punido pelo estrago que
provocou na imagem do Brasil e nas relações diplomáticas com a Bolívia.
Resumo da ópera: era tudo o que Dilma não precisava nesse momento. O
DOI-CODI é aqui. Sempre foi.
Fonte: Pragmatismo Político
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