Capa do livro AJD 20 anos para a Democracia
Bobeira é não viver a realidade....
Neste 2013, a Associação Juízes para a Democracia
completou seus vinte e dois anos.
Inicialmente surgiu a partir de um grupo de 37 juízes paulistas que a fundaram em 13 de Maio de 1991, hoje passou a contar com associados de todas as Justiças e de todos os Estados, exercendo sua vocação nacional.
Inicialmente surgiu a partir de um grupo de 37 juízes paulistas que a fundaram em 13 de Maio de 1991, hoje passou a contar com associados de todas as Justiças e de todos os Estados, exercendo sua vocação nacional.
No dia 25 de Novembro do ano de 2011, a comemoração contou com o
lançamento do livro AJD-20 anos para a Democracia (Dobra Editorial), na sede da
associação de antigos alunos da Faculdade de Direito da USP.
Vale lembrar que, nesta ocasião, José Henrique Rodrigues Torres, então
presidente do Conselho Executivo, emocionou a todos os presentes com a sua
Oração dos Vinte Anos, acompanhado por vários colegas.
Oração dos vinte anos!
Queridos amigos,
Queridas amigas,
Emprestando um verso de NERUDA, eu posso dizer que
HOJE “no coração estamos todos juntos”.
E este momento de festa é o momento ideal para a
lembrança de um significativo conto de Tolstoi:
IVAN VASSÍLIEVITCH, durante uma grande festa, viveu
uma paixão avassaladora e acreditou que o amor, como grande força apaziguadora
do Universo, era capaz de tornar todo homem bom, justo e solidário.
Mas, depois da festa, findos os acordes dos
violinos, apagadas as luzes dos candelabros, finda a abastança do banquete,
longe da beleza e da elegância dos dançarinos, e de seus sorrisos carinhosos,
IVAN VASSÍLIEVITCH, ao assistir à tortura pública de um soldado desertor,
promovida por um coronel que personificava a mais cruel e violenta tradição,
foi tragado pela realidade e descobriu, na súplica desesperada daquele
miserável, que era preciso resistir... e ele assumiu, a partir de então, a sua
feição humana e percebeu que era imprescindível lutar contra as injustiças,
contra a desigualdade e contra a violência e os abusos do poder.
Meus queridos amigos,
Minhas queridas amigas,
Vamos curtir esta festa maravilhosa, vamos
comemorar, vamos celebrar, vamos nos deliciar com estes momentos de alegria,
luzes e sorrisos, mas, depois da festa, lembremo-nos disso, nós voltaremos a
ouvir os gritos dos miseráveis, que depositam em nós a esperança frágil de um
olhar desesperado.
Depois da festa, a realidade nos espera ...
“E bobeira é não viver a realidade”!
Nós precisamos estar sempre prontos para ouvir a
bulha de muitos MACUNAÍMAS e MACABEIAS dessa sociedade esmagada pelo arbítrio
dos interesses privatistas e confusa diante da tradição positivista.
Depois da festa, nós continuaremos a conviver com
uma sociedade DIVIDIDA na dissimulação do real e, CARENTE, clamando pela
GARANTIA material de seus DIREITOS.
“A gente não quer só comida
“A gente não quer só comida
A gente quer comida
Diversão e arte
A gente quer bebida
E quer fazer amor”
“A gente não quer só dinheiro
A gente quer dinheiro e felicidade
A gente quer inteiro
E não pela metade...”
Não nos esqueçamos, então, de que está a nos aguardar uma sociedade imersa em uma realidade que é um verdadeiro “MONUMENTO À NEGLIGÊNCIA SOCIAL”, como diz HOBSBAWN!
Será impossível sair desta festa e deixar de ver as
cidades em trapos, esmolando por dignidade, nas construções, com seus olhos
embotados de cimento e lágrimas, nas fábricas, nos campos, nos cárceres, nas
ocupações de terra, nas favelas, nos gráficos oficiais, nos lagos de Tântalo e
nos brejos da cruz, onde crianças agradecem a Deus por esse chão pra dormir,
pela certidão pra nascer e pela concessão pra sorrir.
Interesses de classes dominam as relações sociais, MAS,
enquanto isso, nosso sistema jurídico mascara contradições sociais profundas e
antagonismos inconciliáveis, impondo-nos noções de igualdade entre classes, de
unidade social, de identidade e de liberdade, onde na realidade só há divisão,
ruptura, contradições, desigualdade, exclusão e opressão individual.
Nossa sociedade continua dividida e marginalizada,
MAS, enquanto isso, FACULDADES DE DIREITO e ESCOLAS DA MAGISTRATURA funcionam
como meros centros de transmissão do conhecimento jurídico oficial,
reproduzindo a “sabedoria codificada”, ensinando apenas a convivência
“respeitosa” com as instituições, IMPINGINDO-NOS uma formação bibliográfica e
legalista de um pragmatismo positivista e CONDUZINDO-NOS uma especialização
fechada e formalista e, especialmente, ao imobilismo acrítico.
Mas, nós, que aqui estamos, sabemos que não é
possível sepultar o nosso ousio em manuais jurídicos e simplesmente acreditar
no mito de uma sociedade sem fraturas.
QUERIDOS e QUERIDAS CÚMPLICES,
QUERIDOS e QUERIDAS CÚMPLICES,
Nós sabemos que é preciso fazer do DIREITO um
verdadeiro fator de TRANSFORMAÇÃO SOCIAL, com compromisso ético e político.
Nós sabemos que é preciso deixar os gabinetes da
solidão e a clausura dos alfarrábios, da jurisprudência, das doutrinas e dos
códigos petrificados, para mergulhar de corpo e alma no mar picado da vida.
O poeta RUI GUERRA tem razão:
“é preciso conter a mão cega e bruta, que empunha a
espada da opressão e da exclusão, que corta, com a lâmina fria da
insensibilidade, a carne viva dos injustiçados”
Enfim, todos nós sabemos que é preciso fazer de
nossas vidas uma constante e incansável conspiração contra o presente.
E é isso exatamente o que hoje nos traz a este
encontro e a esta celebração: nós aqui estamos para reafirmar o nosso
compromisso de conspirar contra o presente.
Conspiremos, meus amigos e amigas, contra este
presente que está roubando o sorriso e a inocência das crianças descalças e famintas,
que está calejando as mãos e consumindo a dignidade dos cidadãos e cidadãs
sem-terra, sem-teto, sem-voz, sem-auto-estima, sem-saúde, sem-esperança,
sem-cidadania, sem acesso à justiça, estigmatizados pela violência e
encarcerados nas lágrimas da ignorância e da alienação:
“É preciso sempre lembrar do provo oprimido nas filas, nas vilas, favelas, e da força da grana que ergue e destrói coisas belas”.
“É preciso sempre lembrar do provo oprimido nas filas, nas vilas, favelas, e da força da grana que ergue e destrói coisas belas”.
Lembremo-nos, também, de GRACILIANO RAMOS e olhemos
para as aves da arribação, sem acreditar, como supunha Fabiano, que são elas as
responsáveis pela secura dos açudes e pelas misérias da vida.
Meus queridos amigos, minhas queridas amigas,
Esses VINTE ANOS nos ensinaram que É PRECISO
CONSPIRAR E LUTAR!
Lutemos pela IGUALDADE material, pois a formal não
basta!
Lutemos pelas GARANTIAS LIBERTADORAS.
Conspiremos, enlouquecidos de esperança.
E não há “nada a temer, senão o correr da
luta”.
E, para lutar e entender o que é o direito, qual é
a sua função, qual é o seu verdadeiro sentido, vivamos a aventura dos
sentimentos, não sejamos CADÁVERES ADIADOS, como dizia FERNANDO PESSOA, lutemos
com a bravura de DOM QUIXOTE, resistamos como resistiram nos sertões os
apaixonados de CANUDOS, acreditemos nas feiticeiras de MACBETH, no amor de
CAPITU e nos espectros de HAMLET, mas, sobretudo, vivamos o sonho real de
MACONDO, porque a vida não foi feita para o direito: o direito é que foi feito
para a vida.
Ouçamos CASTRO ALVES:
“Como o céu é do condor, a praça é do povo”.
Lutemos, pois, pelo acesso do povo às praças, ao
pão, às terras, às escolas, e especialmente à justiça ... mas, nessa
conspiração, depois da festa, nessa luta, que continuará sendo certamente o
nosso dia-a-dia, o dia-a-dia da AJD, jamais nos esqueçamos de ouvir Renato
Russo:
“É preciso amar as pessoas como se não houvesse
amanhã”.
E é preciso colocar esse nosso amor a serviço da
humanidade e daqueles que caminham ao nosso lado nas ruas sem calçadas, que
dormem em casas sem paredes e sem tetos e que lavram a terra apenas com a
semente da esperança.
Então, “é preciso ouvir Chico Buarque de Holanda:
contra a fé, moléstia e crime: vá de Dorival Caymi”.
Meus queridos amigos,
Minhas queridas amigas,
Para terminar esta minha oração, e para que
possamos voltar para a festa, eu lhes faço um pedido, em nome de todos os
juízes e de todas as juízas que tanto lutaram e continuam lutando para escrever
a história da AJD: se vocês realmente acreditam nessa sua luta, se vocês
acreditam que podem transformar o mundo, se vocês querem prosseguir conspirando
contra a injustiça e a desigualdade, FAÇAM O SOL SURGIR, neste momento, FAÇAM
OS RAIOS DO SOL INVADIREM ESTE LUGAR, gritem, batam palmas, assobiem, mas façam
a cortina da noite se afastar para que a luz do sol invada este lugar.
Vamos, eu quero ouvi-los todos gritando,
aplaudindo, assobiando PARA QUE O SOL ILUMINE ESTE LOCAL.
(..................)
Basta. Basta. Basta.
Basta. Basta. Basta.
Todos ouviram.
Não fiquemos frustrados porque a escuridão da noite
não se afastou.
Não fiquemos tristes porque a luz do sol não
iluminou este lugar.
O que importa é que nós acreditamos !!!
A nossa coragem basta.
A nossa determinação é tudo.
A nossa esperança vai transformar o mundo.
Vamos continuar semeando sonhos e estrelas.
E vamos caminhar de mãos dadas, pois, por onde
vocês forem, eu quero ser seu par!
Que viva a AJD até que se realize plenamente
o sonho generoso do Milton Nascimento:
“Quero a liberdade,
quero o vinho e o pão
Quero ser amizade,
quero amor, prazer
Quero nossa cidade sempre ensolarada.
Os meninos e o povo no poder, eu quero ver
QUERO QUE A JUSTIÇA REINE EM MEU PAÍS”
Copiado e atualizado do blog do Juiz Marcelo Semer.
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