O MViva!, espaço aberto, independente, progressista e democrático, que pretende tornar-se um fórum permanente de ideias e discussões, onde assuntos relacionados a conjuntura política, arte, cultura, meio ambiente, ética e outros, sejam a expressão consciente de todos aqueles simpatizantes, militantes, estudantes e trabalhadores que acreditam e reconhecem-se coadjuvantes na construção de um mundo novo da vanguarda de um socialismo moderno e humanista.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Bobeira é não viver a realidade: 20 anos de Associação Juízes para Democracia





Capa do livro AJD 20 anos para a Democracia

Bobeira é não viver a realidade....

Neste 2013, a Associação Juízes para a Democracia completou seus  vinte e dois anos. 
Inicialmente surgiu a partir de um grupo de 37 juízes paulistas que a fundaram em 13 de Maio de 1991, hoje passou a contar com associados de todas as Justiças e de todos os Estados, exercendo sua vocação nacional.

No dia 25 de Novembro do ano de 2011, a comemoração contou com o lançamento do livro AJD-20 anos para a Democracia (Dobra Editorial), na sede da associação de antigos alunos da Faculdade de Direito da USP.

Vale lembrar que, nesta ocasião, José Henrique Rodrigues Torres, então presidente do Conselho Executivo, emocionou a todos os presentes com a sua Oração dos Vinte Anos, acompanhado por vários colegas.






Oração dos vinte anos!

Queridos amigos,

Queridas amigas,

Emprestando um verso de NERUDA, eu posso dizer que HOJE “no coração estamos todos juntos”.

E este momento de festa é o momento ideal para a lembrança de um significativo conto de Tolstoi:

IVAN VASSÍLIEVITCH, durante uma grande festa, viveu uma paixão avassaladora e acreditou que o amor, como grande força apaziguadora do Universo, era capaz de tornar todo homem bom, justo e solidário.

Mas, depois da festa, findos os acordes dos violinos, apagadas as luzes dos candelabros, finda a abastança do banquete, longe da beleza e da elegância dos dançarinos, e de seus sorrisos carinhosos, IVAN VASSÍLIEVITCH, ao assistir à tortura pública de um soldado desertor, promovida por um coronel que personificava a mais cruel e violenta tradição, foi tragado pela realidade e descobriu, na súplica desesperada daquele miserável, que era preciso resistir... e ele assumiu, a partir de então, a sua feição humana e percebeu que era imprescindível lutar contra as injustiças, contra a desigualdade e contra a violência e os abusos do poder.

Meus queridos amigos,

Minhas queridas amigas,

Vamos curtir esta festa maravilhosa, vamos comemorar, vamos celebrar, vamos nos deliciar com estes momentos de alegria, luzes e sorrisos, mas, depois da festa, lembremo-nos disso, nós voltaremos a ouvir os gritos dos miseráveis, que depositam em nós a esperança frágil de um olhar desesperado.

Depois da festa, a realidade nos espera ...

“E bobeira é não viver a realidade”!

Nós precisamos estar sempre prontos para ouvir a bulha de muitos MACUNAÍMAS e MACABEIAS dessa sociedade esmagada pelo arbítrio dos interesses privatistas e confusa diante da tradição positivista.

Depois da festa, nós continuaremos a conviver com uma sociedade DIVIDIDA na dissimulação do real e, CARENTE, clamando pela GARANTIA material de seus DIREITOS.
“A gente não quer só comida

A gente quer comida

Diversão e arte

A gente quer bebida

E quer fazer amor”

“A gente não quer só dinheiro

A gente quer dinheiro e felicidade

A gente quer inteiro

E não pela metade...”


Não nos esqueçamos, então, de que está a nos aguardar uma sociedade imersa em uma realidade que é um verdadeiro “MONUMENTO À NEGLIGÊNCIA SOCIAL”, como diz HOBSBAWN!

Será impossível sair desta festa e deixar de ver as cidades em trapos, esmolando por dignidade, nas construções, com seus olhos embotados de cimento e lágrimas, nas fábricas, nos campos, nos cárceres, nas ocupações de terra, nas favelas, nos gráficos oficiais, nos lagos de Tântalo e nos brejos da cruz, onde crianças agradecem a Deus por esse chão pra dormir, pela certidão pra nascer e pela concessão pra sorrir.

Interesses de classes dominam as relações sociais, MAS, enquanto isso, nosso sistema jurídico mascara contradições sociais profundas e antagonismos inconciliáveis, impondo-nos noções de igualdade entre classes, de unidade social, de identidade e de liberdade, onde na realidade só há divisão, ruptura, contradições, desigualdade, exclusão e opressão individual.

Nossa sociedade continua dividida e marginalizada, MAS, enquanto isso, FACULDADES DE DIREITO e ESCOLAS DA MAGISTRATURA funcionam como meros centros de transmissão do conhecimento jurídico oficial, reproduzindo a “sabedoria codificada”, ensinando apenas a convivência “respeitosa” com as instituições, IMPINGINDO-NOS uma formação bibliográfica e legalista de um pragmatismo positivista e CONDUZINDO-NOS uma especialização fechada e formalista e, especialmente, ao imobilismo acrítico.

Mas, nós, que aqui estamos, sabemos que não é possível sepultar o nosso ousio em manuais jurídicos e simplesmente acreditar no mito de uma sociedade sem fraturas.
QUERIDOS e QUERIDAS CÚMPLICES,

Nós sabemos que é preciso fazer do DIREITO um verdadeiro fator de TRANSFORMAÇÃO SOCIAL, com compromisso ético e político.

Nós sabemos que é preciso deixar os gabinetes da solidão e a clausura dos alfarrábios, da jurisprudência, das doutrinas e dos códigos petrificados, para mergulhar de corpo e alma no mar picado da vida.

O poeta RUI GUERRA tem razão:

“é preciso conter a mão cega e bruta, que empunha a espada da opressão e da exclusão, que corta, com a lâmina fria da insensibilidade, a carne viva dos injustiçados”

Enfim, todos nós sabemos que é preciso fazer de nossas vidas uma constante e incansável conspiração contra o presente.

E é isso exatamente o que hoje nos traz a este encontro e a esta celebração: nós aqui estamos para reafirmar o nosso compromisso de conspirar contra o presente. 

Conspiremos, meus amigos e amigas, contra este presente que está roubando o sorriso e a inocência das crianças descalças e famintas, que está calejando as mãos e consumindo a dignidade dos cidadãos e cidadãs sem-terra, sem-teto, sem-voz, sem-auto-estima, sem-saúde, sem-esperança, sem-cidadania, sem acesso à justiça, estigmatizados pela violência e encarcerados nas lágrimas da ignorância e da alienação:
“É preciso sempre lembrar do provo oprimido nas filas, nas vilas, favelas, e da força da grana que ergue e destrói coisas belas”.

Lembremo-nos, também, de GRACILIANO RAMOS e olhemos para as aves da arribação, sem acreditar, como supunha Fabiano, que são elas as responsáveis pela secura dos açudes e pelas misérias da vida.

Meus queridos amigos, minhas queridas amigas,

Esses VINTE ANOS nos ensinaram que É PRECISO CONSPIRAR E LUTAR!

Lutemos pela IGUALDADE material, pois a formal não basta!

Lutemos pelas GARANTIAS LIBERTADORAS.

Conspiremos, enlouquecidos de esperança.

E não há “nada a temer, senão o correr da luta”.

E, para lutar e entender o que é o direito, qual é a sua função, qual é o seu verdadeiro sentido, vivamos a aventura dos sentimentos, não sejamos CADÁVERES ADIADOS, como dizia FERNANDO PESSOA, lutemos com a bravura de DOM QUIXOTE, resistamos como resistiram nos sertões os apaixonados de CANUDOS, acreditemos nas feiticeiras de MACBETH, no amor de CAPITU e nos espectros de HAMLET, mas, sobretudo, vivamos o sonho real de MACONDO, porque a vida não foi feita para o direito: o direito é que foi feito para a vida.

Ouçamos CASTRO ALVES:

“Como o céu é do condor, a praça é do povo”.

Lutemos, pois, pelo acesso do povo às praças, ao pão, às terras, às escolas, e especialmente à justiça ... mas, nessa conspiração, depois da festa, nessa luta, que continuará sendo certamente o nosso dia-a-dia, o dia-a-dia da AJD, jamais nos esqueçamos de ouvir Renato Russo:

“É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”.

E é preciso colocar esse nosso amor a serviço da humanidade e daqueles que caminham ao nosso lado nas ruas sem calçadas, que dormem em casas sem paredes e sem tetos e que lavram a terra apenas com a semente da esperança.

Então, “é preciso ouvir Chico Buarque de Holanda: contra a fé, moléstia e crime: vá de Dorival Caymi”.

Meus queridos amigos, 

Minhas queridas amigas,

Para terminar esta minha oração, e para que possamos voltar para a festa, eu lhes faço um pedido, em nome de todos os juízes e de todas as juízas que tanto lutaram e continuam lutando para escrever a história da AJD: se vocês realmente acreditam nessa sua luta, se vocês acreditam que podem transformar o mundo, se vocês querem prosseguir conspirando contra a injustiça e a desigualdade, FAÇAM O SOL SURGIR, neste momento, FAÇAM OS RAIOS DO SOL INVADIREM ESTE LUGAR, gritem, batam palmas, assobiem, mas façam a cortina da noite se afastar para que a luz do sol invada este lugar.

Vamos, eu quero ouvi-los todos gritando, aplaudindo, assobiando PARA QUE O SOL ILUMINE ESTE LOCAL.

(..................)
Basta. Basta. Basta.

Todos ouviram.

Não fiquemos frustrados porque a escuridão da noite não se afastou.

Não fiquemos tristes porque a luz do sol não iluminou este lugar.

O que importa é que nós acreditamos !!!

A nossa coragem basta.

A nossa determinação é tudo.

A nossa esperança vai transformar o mundo.

Vamos continuar semeando sonhos e estrelas. 

E vamos caminhar de mãos dadas, pois, por onde vocês forem, eu quero ser seu par!


Que viva a AJD até que se realize plenamente 

o sonho generoso do Milton Nascimento:


“Quero a liberdade,

quero o vinho e o pão

Quero ser amizade,

quero amor, prazer

Quero nossa cidade sempre ensolarada.

Os meninos e o povo no poder, eu quero ver

QUERO QUE A JUSTIÇA REINE EM MEU PAÍS” 

Copiado e atualizado do blog do Juiz Marcelo Semer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário