Sobral Pinto (05.11.1893 - 30.11.1991) |
No próximo dia 30 de novembro o Brasil deverá lembrar com orgulho um de seus mais ilustres filhos, um exemplo que faz falta como espelho vivo para o nosso sofrível judiciário que, através de alguns de seus membros, segundo publica a imprensa, aparentemente tem enodoado a imagem desta nobre instituição, que é imprescindível para separar a civilização da barbárie. Desde já, faço daqui do fundo do coração da Amazônia paraense, a minha mais profunda reverência ao mestre guardião de tão superiores valores, tesouros morais que, nos dias sinistros que hoje vivenciamos e assistimos, tanta falta nos faz. Que esses 120 anos de benfazeja passagem, sejam uma bússola à guiar as futuras gerações de ótimos juristas que o sol da liberdade em raios fúlgidos, haverá de parir.(militanciaviva)
Heráclito Fontoura Sobral Pinto nasceu em Barbacena (MG), em 05.11.1893, filho de um casal pobre, Priamo Cavalcanti Sobral Pinto e Idalina Fontoura Sobral Pinto. Passou a adolescência em Nova Friburgo (RJ), onde estudou no Colégio Anchieta, coordenado por padres jesuítas. Ali se modelou a religiosidade que o acompanharia durante toda a vida. Formou-se em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, em 1917, onde daria início a sua luta em defesa das liberdades.
Em
1924 foi nomeado Procurador Criminal da República Interino, passando a
Efetivo em 1926, cargo que exerceu até meados de 1928, quando se
demitiu para ser nomeado Procurador-Geral do Distrito Federal, então no
Rio de Janeiro, cargo do qual se demitiu em setembro do mesmo ano.
Foi
eleito presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, onde tomou
posse em abril de 1964, tendo renunciado em 1965. Foi eleito para o
Conselho Federal da OAB várias vezes, representando os Estados de Minas
Gerais e Rio de Janeiro e representou o IAB uma vez no Conselho
Seccional do Distrito Federal, ainda no Rio de Janeiro.
São
inúmeros os exemplos de sua atuação brilhante na advocacia. Apesar de
católico fervoroso, não deixou de defender os comunistas Luiz Carlos
Prestes e Harry Berger no Tribunal de Segurança Nacional do Estado Novo.
A defesa de Prestes marcou o início de uma amizade que duraria até a
morte do Cavaleiro da Esperança. Desta amizade, diria Sobral Pinto anos
depois: "Prestes tentou me converter ao comunismo, eu tentei
convertê-lo ao catolicismo. Mas nenhum dos dois conseguiu."
Ao
mesmo tempo em que trabalhava com grandes nomes da política, não
negava assistência aos humildes. Exemplo marcante deste fato foi a
defesa de um quitandeiro em conflito com o próprio presidente do
Tribunal de Segurança Nacional, Barros Barreto. Ele tinha uma conta na
quitanda, não quis pagar e ainda prendeu o homem. A despeito de
represálias futuras no tribunal, Sobral aceitou o caso, sem nada
receber.
Outra
atração célebre marcou o episódio conhecido como o caso dos nove
chineses, que se encontravam numa missão comercial no Brasil a convite
do presidente João Goulart. Com o golpe de 64, os chineses foram presos
sob a acusação de prepararem uma rebelião de caráter bolchevista no
país. Durante o processo, Sobral fazia questão de visitá-los no cárcere,
prestando, além da assistência jurídica, um trabalho de cunho social.
Até hoje o governo da China mantém contato com sua família, em
agradecimento aos serviços prestados pelo advogado, que conseguiu a
expulsão dos agentes, única vitória possível num estado de exceção.
Sobral,
na realidade, sempre foi um defensor da democracia. Em 1945, assinou
um manifesto pedindo o fim do Estado Novo. Dez anos depois, assumiu a
liderança da Liga de Defesa da Legalidade, lutando pra garantir a posse
do presidente eleito, Juscelino Kubitschek. Combateu ainda os que
tentavam impedir que Jango assumisse a presidência, logo após a renúncia
de Jânio Quadros.
Com
o golpe de 64 - que defendeu no início - , logo percebeu que se
tratava de uma ditadura e chegou até a ser preso. Nesta ocasião disse
uma frase que ficará nos anais da História do Brasil, ao responder a um
carcereiro que procurava justificar o regime que vigorava no país.
"Trata-se de uma democracia à brasileira", explicou o carcereiro.
"Existe peru à brasileira, mas não existe democracia á brasileira. A
democracia é universal", ensinou Sobral.
Em
sua última manifestação pública, na VII Conferência Estadual da
OAB/RJ, Sobral declarou seu otimismo em relação ao futuro do país.
Afirmou: "Sem Direito, sem leis e sem justiça não há sociedade que
cresça e se organize".
Em
05.11.96, no Auditório Antônio Carlos Amorim, foi inaugurado o Centro
de Memória Heráclito Fontoura Sobral Pinto, constando dele mais de
12.000 volumes de livros, revistas e folhetos acumulados durante sua
vida jurídica e que foi doado pela família Sobral Pinto à Escola de
Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Após a abertura da
solenidade, o Ministro Nelson Jobim conferiu em honra póstuma a Sobral
Pinto a comenda da Ordem Nacional do Mérito, até então só concedida a
chefes de Estado.
SOBRAL PINTO( EM PÉ) NO TRIBUNAL COM O LEGENDÁRIO REVOLUCIONÁRIO BRASILEIRO LUIZ CARLOS PRESTES
Por
ética entende-se: "parte da filosofia que estuda os valores morais e
os princípios ideais da conduta humana e o conjunto de princípios
morais que se devem observar no exercício de uma profissão". Por
corporativismo: "um sistema político-econômico baseado no agrupamento
das classes produtoras em corporações, sob a fiscalização do Estado".
Vez que outra, tais palavras se fundem e confundem o leigo, a ponto
deste não identificar onde começa uma e termina a outra.
A
ética já foi usada por inescrupulosos com o objetivo de proteger um
colega ou interesses corporativos, justamente das duras penas da lei.
Quando classe, entidade ou grupo se une, evidentemente que pretende com
tal associação defender interesses em comum. Até aí, nada demais. Mas
quando tais interesses se sobrepõem à lei e ao bem comum, o
corporativismo deve ser combatido sempre, sob pena de vermos o
princípio de que todos são iguais perante a lei, profundamente
ameaçado, adulterado.
Há
casos de firmeza de caráter e ética acima dos interesses pessoais, que
deveriam servir-nos de farol na escuridão dos tempos a todos àqueles
que acham que o mundo está perdido, que as pessoas aderiram ao
consumismo desenfreado e que por nada mais vale a pena lutar. Toda
regra tem sua exceção.
Caso
clássico o de Heráclito Fontoura Sobral Pinto, jovem advogado e
cristão fervoroso, que no Rio de Janeiro de 1937, durante o regime de
Getúlio Vargas, por sua própria conta e risco decidiu defender, diante
do Tribunal de Segurança Nacional, dois comunistas praticantes, Luis
Carlos Prestes e Arthur Ewert, presos como líderes do movimento
denominado Intentona Comunista, em 1935. Apesar de rechaçado pelo
capitão Prestes, Sobral Pinto (anticomunista ferrenho), que anos depois
se tornaria lenda viva da advocacia brasileira, insiste, com apoio a
sua causa da mãe de Prestes. Dizia ele: "odiar o pecado e amar o
pecador".
Dobrada
a relutância do filho, após o pedido de dona Leocádia, Sobral Pinto
usou de artifício legal, que entrou para os anais jurídicos, quando
denunciou o tratamento desumano aplicado ao alemão Ewert na prisão. Em
sua defesa, visto que os direitos e garantias individuais estavam
"mascarados", usou recorte de jornal de 1937, em que mostra notícia de
que Mansur Karan, em Curitiba, fora condenado à prisão por ter
espancado um cavalo até a morte.
Sobral utilizou a decisão judicial e argüiu em defesa do réu o artigo da Lei de Proteção aos Animais,
onde dizia que "todos os animais existentes no país são tutelados do
Estado". E, segundo suas palavras, "já que a lei dos homens era
insuficiente para impedir o flagelo do alemão, pelo menos que fosse
protegido como um animal para que as torturas cessassem". O episódio
encontra-se descrito no livro Olga, de Fernando Morais. Convicções
opostas não deveriam impedir as pessoas de lutarem pelo bem comum, ainda
que de forma individual.
Se
o desprendimento de Sobral Pinto fosse regra e não exceção, defendendo
adversário ideológico - ateu e comunista, apesar dele, católico
praticante e conservador, num regime centralizador e autoritário -,
imaginem as situações que poderiam ter sido reescritas na História do
Brasil, se todos fossem éticos e cristãos, na acepção mais universal do
termo. Quantas injustiças evitadas através de leis editadas e nunca
cumpridas, quantos estatutos, regulamentos, toneladas de papel jogado
(ano após ano) no lixo reciclável, pois muitos teimam ler, entender e
cumprir apenas o que não lhe aperta o calo. Muitos lutam pelos direitos
individuais de seu coletivo. Poucos cerram fileiras em defesa dos
direitos de sua comunidade.
Ser
ético é ter disciplina espartana, não aceitando favores nem pleiteando
regalias, discordar de perseguições, não tolerar hipocrisia,
intolerância ou incoerência, defender o ponto de vista do adversário
quando estiver co?a razão. Ética e Política deveriam ser como irmãs
siamesas, jamais separadas, sob pena de distantes nenhuma das duas
sobreviver.
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