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sexta-feira, 22 de novembro de 2013

NESTES SINISTROS TEMPOS DE DECADÊNCIA, A LENDA DA ADVOCACIA BRASILEIRA - DR SOBRAL PINTO - É UM ALENTO




Sobral Pinto (05.11.1893 - 30.11.1991)

por Eduardo Bueres
No próximo dia 30 de novembro o Brasil deverá lembrar com orgulho um de seus mais ilustres filhos, um exemplo que faz falta como espelho vivo para o nosso sofrível judiciário que, através de alguns de seus membros, segundo publica a imprensa, aparentemente tem enodoado a imagem desta nobre instituição, que é imprescindível para separar a civilização da barbárie. Desde já, faço daqui do fundo do coração da Amazônia paraense, a minha mais profunda reverência ao mestre guardião de tão superiores valores, tesouros morais que, nos dias sinistros que hoje vivenciamos e assistimos, tanta falta nos faz. Que esses 120 anos de benfazeja passagem, sejam uma bússola à guiar as futuras gerações de ótimos juristas que o sol da liberdade em raios fúlgidos, haverá de parir.(militanciaviva)



Heráclito Fontoura Sobral Pinto nasceu em Barbacena (MG), em 05.11.1893, filho de um casal pobre, Priamo Cavalcanti Sobral Pinto e Idalina Fontoura Sobral Pinto. Passou a adolescência em Nova Friburgo (RJ), onde estudou no Colégio Anchieta, coordenado por padres jesuítas. Ali se modelou a religiosidade que o acompanharia durante toda a vida. Formou-se em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, em 1917, onde daria início a sua luta em defesa das liberdades.


Em 1924 foi nomeado Procurador Criminal da República Interino, passando a Efetivo em 1926, cargo que exerceu até meados de 1928, quando se demitiu para ser nomeado Procurador-Geral do Distrito Federal, então no Rio de Janeiro, cargo do qual se demitiu em setembro do mesmo ano.


Foi eleito presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, onde tomou posse em abril de 1964, tendo renunciado em 1965. Foi eleito para o Conselho Federal da OAB várias vezes, representando os Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro e representou o IAB uma vez no Conselho Seccional do Distrito Federal, ainda no Rio de Janeiro.

São inúmeros os exemplos de sua atuação brilhante na advocacia. Apesar de católico fervoroso, não deixou de defender os comunistas Luiz Carlos Prestes e Harry Berger no Tribunal de Segurança Nacional do Estado Novo. A defesa de Prestes marcou o início de uma amizade que duraria até a morte do Cavaleiro da Esperança. Desta amizade, diria Sobral Pinto anos depois: "Prestes tentou me converter ao comunismo, eu tentei convertê-lo ao catolicismo. Mas nenhum dos dois conseguiu."

Ao mesmo tempo em que trabalhava com grandes nomes da política, não negava assistência aos humildes. Exemplo marcante deste fato foi a defesa de um quitandeiro em conflito com o próprio presidente do Tribunal de Segurança Nacional, Barros Barreto. Ele tinha uma conta na quitanda, não quis pagar e ainda prendeu o homem. A despeito de represálias futuras no tribunal, Sobral aceitou o caso, sem nada receber.

Outra atração célebre marcou o episódio conhecido como o caso dos nove chineses, que se encontravam numa missão comercial no Brasil a convite do presidente João Goulart. Com o golpe de 64, os chineses foram presos sob a acusação de prepararem uma rebelião de caráter bolchevista no país. Durante o processo, Sobral fazia questão de visitá-los no cárcere, prestando, além da assistência jurídica, um trabalho de cunho social. Até hoje o governo da China mantém contato com sua família, em agradecimento aos serviços prestados pelo advogado, que conseguiu a expulsão dos agentes, única vitória possível num estado de exceção.

Sobral, na realidade, sempre foi um defensor da democracia. Em 1945, assinou um manifesto pedindo o fim do Estado Novo. Dez anos depois, assumiu a liderança da Liga de Defesa da Legalidade, lutando pra garantir a posse do presidente eleito, Juscelino Kubitschek. Combateu ainda os que tentavam impedir que Jango assumisse a presidência, logo após a renúncia de Jânio Quadros.

Com o golpe de 64 - que defendeu no início - , logo percebeu que se tratava de uma ditadura e chegou até a ser preso. Nesta ocasião disse uma frase que ficará nos anais da História do Brasil, ao responder a um carcereiro que procurava justificar o regime que vigorava no país. "Trata-se de uma democracia à brasileira", explicou o carcereiro. "Existe peru à brasileira, mas não existe democracia á brasileira. A democracia é universal", ensinou Sobral.



Em sua última manifestação pública, na VII Conferência Estadual da OAB/RJ, Sobral declarou seu otimismo em relação ao futuro do país. Afirmou: "Sem Direito, sem leis e sem justiça não há sociedade que cresça e se organize". 

Em 05.11.96, no Auditório Antônio Carlos Amorim, foi inaugurado o Centro de Memória Heráclito Fontoura Sobral Pinto, constando dele mais de 12.000 volumes de livros, revistas e folhetos acumulados durante sua vida jurídica e que foi doado pela família Sobral Pinto à Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Após a abertura da solenidade, o Ministro Nelson Jobim conferiu em honra póstuma a Sobral Pinto a comenda da Ordem Nacional do Mérito, até então só concedida a chefes de Estado.



SOBRAL PINTO( EM PÉ) NO TRIBUNAL  COM O LEGENDÁRIO REVOLUCIONÁRIO BRASILEIRO  LUIZ CARLOS PRESTES

Por ética entende-se: "parte da filosofia que estuda os valores morais e os princípios ideais da conduta humana e o conjunto de princípios morais que se devem observar no exercício de uma profissão". Por corporativismo: "um sistema político-econômico baseado no agrupamento das classes produtoras em corporações, sob a fiscalização do Estado". Vez que outra, tais palavras se fundem e confundem o leigo, a ponto deste não identificar onde começa uma e termina a outra.


A ética já foi usada por inescrupulosos com o objetivo de proteger um colega ou interesses corporativos, justamente das duras penas da lei. Quando classe, entidade ou grupo se une, evidentemente que pretende com tal associação defender interesses em comum. Até aí, nada demais. Mas quando tais interesses se sobrepõem à lei e ao bem comum, o corporativismo deve ser combatido sempre, sob pena de vermos o princípio de que todos são iguais perante a lei, profundamente ameaçado, adulterado.

Há casos de firmeza de caráter e ética acima dos interesses pessoais, que deveriam servir-nos de farol na escuridão dos tempos a todos àqueles que acham que o mundo está perdido, que as pessoas aderiram ao consumismo desenfreado e que por nada mais vale a pena lutar. Toda regra tem sua exceção.

Caso clássico o de Heráclito Fontoura Sobral Pinto, jovem advogado e cristão fervoroso, que no Rio de Janeiro de 1937, durante o regime de Getúlio Vargas, por sua própria conta e risco decidiu defender, diante do Tribunal de Segurança Nacional, dois comunistas praticantes, Luis Carlos Prestes e Arthur Ewert, presos como líderes do movimento denominado Intentona Comunista, em 1935. Apesar de rechaçado pelo capitão Prestes, Sobral Pinto (anticomunista ferrenho), que anos depois se tornaria lenda viva da advocacia brasileira, insiste, com apoio a sua causa da mãe de Prestes. Dizia ele: "odiar o pecado e amar o pecador". 

Dobrada a relutância do filho, após o pedido de dona Leocádia, Sobral Pinto usou de artifício legal, que entrou para os anais jurídicos, quando denunciou o tratamento desumano aplicado ao alemão Ewert na prisão. Em sua defesa, visto que os direitos e garantias individuais estavam "mascarados", usou recorte de jornal de 1937, em que mostra notícia de que Mansur Karan, em Curitiba, fora condenado à prisão por ter espancado um cavalo até a morte. 

Sobral utilizou a decisão judicial e argüiu em defesa do réu o artigo da Lei de Proteção aos Animais, onde dizia que "todos os animais existentes no país são tutelados do Estado". E, segundo suas palavras, "já que a lei dos homens era insuficiente para impedir o flagelo do alemão, pelo menos que fosse protegido como um animal para que as torturas cessassem". O episódio encontra-se descrito no livro Olga, de Fernando Morais. Convicções opostas não deveriam impedir as pessoas de lutarem pelo bem comum, ainda que de forma individual.


Se o desprendimento de Sobral Pinto fosse regra e não exceção, defendendo adversário ideológico - ateu e comunista, apesar dele, católico praticante e conservador, num regime centralizador e autoritário -, imaginem as situações que poderiam ter sido reescritas na História do Brasil, se todos fossem éticos e cristãos, na acepção mais universal do termo. Quantas injustiças evitadas através de leis editadas e nunca cumpridas, quantos estatutos, regulamentos, toneladas de papel jogado (ano após ano) no lixo reciclável, pois muitos teimam ler, entender e cumprir apenas o que não lhe aperta o calo. Muitos lutam pelos direitos individuais de seu coletivo. Poucos cerram fileiras em defesa dos direitos de sua comunidade.

Ser ético é ter disciplina espartana, não aceitando favores nem pleiteando regalias, discordar de perseguições, não tolerar hipocrisia, intolerância ou incoerência, defender o ponto de vista do adversário quando estiver co?a razão. Ética e Política deveriam ser como irmãs siamesas, jamais separadas, sob pena de distantes nenhuma das duas sobreviver.


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