O juiz, segundo a teoria da robotização barbosista
A essência do juiz natural reside na ideia de que não se pode escolher juiz para julgar determinado processo
...pressão sobre juiz atenta contra independência...
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Não é uma novidade, mas não deixa de ser uma decepção.
Depois de decisões inusitadas e procedimentos contestados, o mensalão aportou na violação à independência do juiz.
A pressão para a troca de um magistrado responsável pelo acompanhamento
da execução da pena dos condenados, atribuídos à irritação e
contrariedade do presidente do STF, Joaquim Barbosa, estraçalha o
princípio do juiz natural, sobre o qual repousa a noção de
imparcialidade.
O presidente eleito da Associação dos Magistrados Brasileiros criticou o
‘canetaço’, a Associação Juízes para a Democracia enfatizou que o
‘coronelismo’ é inaceitável no Judiciário.
A essência do juiz natural reside na ideia de que o julgador seja sempre
preexistente ao conflito. Ou seja, que não se pode escolher juiz para
julgar determinado processo.
A Constituição impõe que os processos só sejam julgados pelo juiz
competente e impede a criação de qualquer juízo de exceção, dirigido a
um caso específico.
É por este motivo que impõe a inamovibilidade como uma prerrogativa dos
juízes: para que eles não possam ser movidos de seus cargos sem que
exista punição administrativa –e, pela mesma lógica, que os processos
não possam ser simplesmente subtraídos de sua competência.
Essas garantias existem para evitar que as partes ou quaisquer
interessados, ainda que sejam as cúpulas dos tribunais, possam escolher
que juiz deve apreciar qual processo.
Isso também se aplica a cartas de ordem ou delegações –sempre dirigidas às varas, não a juízes escolhidos.
Tudo para assegurar uma característica intrínseca a todos os julgamentos: a independência.
A independência do juiz é uma premissa da jurisdição.
Não há como supor a imparcialidade de um magistrado que seja dependente
de uma das partes ou de quaisquer dos interesses em litígio.
Por isso se diz que a independência nem sequer é direito do juiz. O direito é do cidadão; para o juiz, é um dever.
Embora o episódio citado seja impactante, também é certo que não é um
fato inédito e tem sido viabilizado pela fragilidade com que os
tribunais regulamentam o provimento dos cargos, muitas vezes em clara
contradição à Constituição.
Varas de execuções criminais são exemplos, embora não isolados.
Constituídas em alguns locais como uma espécie de departamento, chegam a
congregar vários juízes com divisões internas de competência nem sempre
esclarecidas. Ou ainda a existência de juízes, mesmo vitalícios, que
atuam como substitutos ou auxiliares, expostos a livre-designações das
presidências dos tribunais.
A ideia de que os tribunais saberão assim alocar melhor os juízes de
acordo com seus perfis ou capacidades oculta um grave risco que está
longe de ser apenas uma abstração: que os administradores possam
escolher, a seu talante, um juiz mais rigoroso para trabalhar em
determinado processo na área penal ou um menos rigoroso para cuidar de
assuntos, por exemplo, ligados ao poder público.
E assim influenciar, pela escolha arbitrária ou interessada, o conteúdo das decisões, implodindo a noção de imparcialidade.
Na carreira da magistratura, o reflexo é ainda mais cruel: juiz que
decide sob pressão funcional tem menos condição de agir de acordo com
sua própria consciência, que é o que se espera de qualquer magistrado.
Se as críticas tiradas contra o ministro Joaquim Barbosa acabam, enfim,
por reforçar a figura mítica do cavaleiro solitário que luta contra tudo
e contra todos pela salvação, o que eleitoralmente ainda pode lhe
render muitos frutos, às vezes tem-se uma equivocada impressão de que o
mensalão é o processo de um juiz só.
Nem o caso de Barbosa ter sido o relator do processo, nem agora o
presidente do STF, excluem o fato de que o tribunal é composto de outros
dez ministros que, seja sobre o tempo e a forma de cumprimento das
penas, seja sobre as ameaças à independência judicial, não estão
limitados por quaisquer votos de silêncio.
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