Produzido em 1963 e lançado no ano seguinte, Deus e o diabo na terra do sol foi o primeiro filme nacional a atingir o patamar das obras-primas da cinematografia mundial. Estava anos-luz à frente de O Cangaceiro e O pagador de promessas,
cuja (pouca) repercussão internacional se devera à condescendência dos
gringos para com os exotismos de países subdesenvolvidos.
Espero que a comemoração do seu aniversário seja marcada por muitas
iniciativas para despertar o interesse das novas gerações. Elas precisam
saber quão consistente e criativo o cinema brasileiro foi, antes de se
subjugar à estética televisiva.
O superlativo nordestern
de Glauber Rocha, influenciado por John Ford, Sergei Eisenstein e os
mestres do neo-realismo italiano, acompanha a jornada do vaqueiro Manuel
(Geraldo Del Rey) em busca de um novo destino, pois saíra do trilho
normal de sua existência ao matar o coronel da região numa desavença a
respeito da partilha do gado.
Engaja-se nos efetivos messiânicos de Deus (o santo
Sebastião, interpretado por Lídio Silva e evidentemente baseado em
Antônio Conselheiro) e do diabo (o cangaceiro Corisco, personagem que
deu oportunidade a um incrível tour de force de Othon Bastos, disparado o melhor ator do elenco).
As autoridades, os latifundiários e a Igreja recorrem ao jagunço Antônio
das Mortes (Maurício do Valle) para exterminar os beatos do Monte Santo
(Canudos, claro!) e os cangaceiros remanescentes após a morte de
Lampião.
Gigantesco, com capa de boiadeiro e barba cerrada, ele aluga sua papo
amarelo calibre 44 para os poderosos, mas acredita estar cumprindo um
papel mais nobre: o de desimpedir os caminhos para a guerra que um dia o
povo haverá de travar "sem a cegueira de Deus e do diabo".
Manuel sobrevive a ambos os massacres e sai com a convicção de que a
libertação do sofrido povo nordestino não passa por cangaceiros e
fanáticos, como enfatiza a magnífica canção final de Sérgio Ricardo:
"'Tá contada a minha história/ na verdade, imaginação,/ espero que o
sinhô tenha tirado uma lição:/ que assim, mal dividido, este mundo anda
errado,/ que a terra é do homem, não é de Deus nem do diabo".
Recomendo enfaticamente. Para quem preferir dispensar os subtítulos espanhóis, basta ir em "legenda" (no rodapé) e clicar em "desativar".
Náufrago da Utopia
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