"Não há por que mentir ou esconder
a dor que foi maior do que é capaz meu coração"
("Pequeno Concerto Que Virou Canção")
("Pequeno Concerto Que Virou Canção")
Foi um banho de água fria, um anticlímax, o Dossiê Globo News que marcou o reencontro dos telespectadores brasileiros com Geraldo Vandré, aos 75 anos de idade e 37 depois da última e deprimente aparição.
De
positiva há a intenção manifestada por ele de retomar as atividades
musicais, nem que seja gravando composições em espanhol, num país
latino-americano qualquer.
E sua intenção de enveredar por poemas sinfônicos não é tão despropositada como possa ter parecido para os que ignoram ser ele autor de uma missa apresentada em conventos dominicanos, Paixão Segundo Cristino.
E sua intenção de enveredar por poemas sinfônicos não é tão despropositada como possa ter parecido para os que ignoram ser ele autor de uma missa apresentada em conventos dominicanos, Paixão Segundo Cristino.
Mas,
não foi desta vez que a pergunta do repórter Geneton Moraes Neto – e
de todos nós – teve verdadeira resposta: o que aconteceu, afinal, com
Geraldo Vandré?
Só
nos resta torcer para que o jornalista Vitor Nuzzi, na biografia que
logo lançará do cantor e compositor paraibano, consiga desvendar o
enigma.
Em primeiro lugar: Vandré foi torturado antes de partir para o exílio?
Há
ex-preso político que garante tê-lo visto desmaiado numa sala de
tortura. Mas, naquelas circunstâncias tão dramáticas, podia-se tomar
uma pessoa por outra, ou confundir imaginação e realidade.
Quando
eu estava preso na PE da Vila Militar, ouvi de cabos e sargentos
relatos terríveis sobre as humilhações e indignidades a que submeteram
Caetano Veloso e Gilberto Gil. Orgulhavam-se de haver colocado “no seu
lugar” aquelas “bichas choronas”...
Mas,
as torturas brutais não eram decididas por cabos da guarda e
carcereiros entediados, e sim pelos oficiais, que as reservavam para os
casos em que havia informações a serem arrancadas.
Então,
Vandré só haverá sido massacrado se os ressentimentos contra ele, de
tão exacerbados, tiverem feito com que recebesse tratamento diferente
do habitual.
Pode ser, os militares nunca engoliram a estrofe famosa da “Caminhando”:
“Há soldados armados, amados ou não
Quase todos perdidos, de armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam antigas lições
De morrer pela pátria e viver sem razões”
É
estranha a seletividade de sua memória, ao reconhecer, p. ex., que se
refugiou na casa da viúva do Guimarães Rosa, mas omitir que o então
governador de São Paulo, Abreu Sodré, o escondeu no próprio Palácio dos
Bandeirantes. Quem me revelou isto, um companheiro jornalista que então
atuava na imprensa palaciana, é totalmente confiável.
O
certo é que, ou fugiu do País ao receber aviso da Dedé, mulher do
Caetano (conforme alega) ou foi preso e depois despachado para o
exterior (a versão mais plausível), vagou pelo Chile e pela França,
sentiu-se infeliz e amargurado, teve problemas com drogas.
Seu disco francês (Das Terras de Benvirá)
é pungente, inventário das dores de uma geração que viu seus sonhos
destruídos e pagou altíssimo preço pela derrota. Chega a chorar
nitidamente no meio da interpretação.
Mas, ainda era Vandré:
“Eu canto o canto
Eu brigo a briga
Porque sou forte
E tenho razão”
("Vem Vem")
Acabou
não agüentando a barra do exílio e, como era usual, teve de negociar
com a ditadura as condições de sua volta, para “não ter na chegada/ que
morrer, amada/ ou de amor, matar” ("Canção Primeira").
Indagado
sobre a entrevista que concedeu de imediato, na qual declarou a
intenção de só fazer dali em diante canções de amor, ele agora diz:
“Gostaria de rever as imagens. Houve a gravação. O que foi para o ar, não sei. Queriam que fizesse uma gravação. Não lembro mais. Mas nada disse que não tenha querido dizer. Aquela declaração foi feita a pedido de alguém que se apresentou como policial federal. Fiz um depoimento aqui, no Rio. Depois disseram que tinha que ir para Brasília. Cheguei ao Brasil em 14 de julho. Em 11 de setembro de 1973, apareço como se estivesse chegando em Brasília. O depoimento foi gravado antes. Gravaram minha imagem descendo do avião em Brasília. Tudo muito manipulado. Tive que passar por um processo de readaptação ao voltar”.
A
gravação era sempre parte do acordo, previamente combinada, e não
“feita a pedido de alguém que se apresentou como policial federal”.
Com
Gilberto Gil aconteceu o mesmo. Foi mostrado em pleno aeroporto,
declarando: “Não tenho mais compromissos com a História”. Uma variante
de “agora só farei canções de amor”. Os serviços de guerra psicológica
das Forças Armadas não eram lá muito sutis...
Também
não acredito que o depoimento tenha sido prestado a uma produtora
independente. Quem costumava cumprir tais tarefas para a ditadura era a
própria Globo.
E
está inteiramente confirmado que o alegado "processo de readaptação"
foi algo bem diferente: Vandré recebeu tratamento psiquiátrico, sob
controle da ditadura, nesse período entre 14 de julho e 11 de setembro
de 1973.
Pode-se, sim, levantar a hipótese de lavagem cerebral.
De
que, nesses quase dois meses em que o tiveram indefeso em suas mãos,
extremamente fragilizado, hajam nele incutido a bizarra devoção pela
Força Aérea Brasileira, a ponto de ele compor uma canção homenageando a
FAB e de dar agora entrevista em instalações da Aeronáutica, trajando
abrigo da Academia da Força Aérea.
Que o tenham condicionado a gostar do policial bom faz mais sentido do que uma síndrome de Ícaro num homem com sua idade e história de vida.
Mas, é claro, trata-se apenas de uma hipótese.
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