O Cafezinho perdeu a virgindade. Eu esperava que isso fosse acontecer
mais cedo ou mais tarde. Mas confesso que fiquei decepcionado, porque
foi muito previsível. O diretor de jornalismo da Rede Globo, Ali Kamel,
está me processando por tê-lo chamado de “sacripanta reacionário e
golpista”, num post de janeiro deste ano, intitulado As taras de Ali Kamel, no qual eu procuro defender o colega Rodrigo Vianna, que fora absurdamente condenado por um chiste.
A acusação, porém, é tosca e inepta. Tem um erro grosseiro logo no
início, ao dizer que eu o acusei de cometer “todo o tipo de abuso contra
a democracia” e “a dignidade humana”, “se empenhar dia e noite para
denegrir a imagem do Brasil, aqui e no exterior” e de utilizar “métodos
de jornalismo” que “fazem os crimes de Rupert Murdoch parecerem
estrepolias de uma criança mimada”.
Kamel se identifica tanto com a empresa onde trabalha, que ele acha ser a
própria empresa. O meu texto, que inclusive vai reproduzido no
processo, diz textualmente:
“É inacreditável que o diretor de jornalismo da empresa que comete todo o
tipo de abuso contra a democracia, contra a dignidade humana, a empresa
que se empenha dia e noite para denegrir a imagem do Brasil, aqui e no
exterior, cujos métodos de jornalismo fazem os crimes de Ruport Murdoch
parecerem estrepolias de uma criança mimada, pretenda processar um
blogueiro por causa de um chiste!”
Ou seja, esses carinhosos epítetos são destinados à empresa, à Globo, e não a Ali Kamel. Ele vestiu a carapuça por sua conta.
Ainda mais incrível, o processo tenta jogar a própria Justiça contra mim, ao dizer o seguinte:
“Como se não bastasse, o réu ainda afirma que a Justiça seria ‘empregadinha dos poderosos’.”
Ora, Ali Kamel quer me processar por críticas ao Judiciário brasileiro?
No caso, minhas críticas nem foram ao Judiciário em si, mas à decisão
judicial de condenar Rodrigo Vianna.
Prezado Ali Kamel, os adjetivos “sacripanta reacionário e golpista” não
se referem à sua pessoa, visto que não lhe conheço, e sim ao cargo de
diretor de jornalismo de uma empresa ao qual eu faço duras críticas
políticas. Isso fica bem claro no texto.
É realmente ridículo que o executivo mais poderoso do jornalismo da
Globo, cujo maior ativo é uma concessão pública líder no mercado, e
portanto constitui um agente político com grande influência na opinião
pública e nos processos eleitorais, queira asfixiar as vozes dissonantes
através de chicanas jurídicas.
O processo reitera que deve aplicar a pena maior possível contra o
blogueiro, para “desestimular ao máximo que o imenso sofrimento do autor
com as descabidas ofensas que lhe foram dirigidas no post As taras de
Ali Kamel se repita ou venha a ser experimentado por novas vítimas do
réu”.
Imenso sofrimento?
Quem sofre sou eu, blogueiro latino-americano, sem dinheiro no bolso,
esmagado por um governo inerte (na questão da mídia), de um lado, e uma
imprensa historicamente golpista e reacionária, de outro.
Kamel pede R$ 41.000,00 de indenização moral. Hahaha.
Ou seja, ele simplesmente pretende destruir o blog que noticiou
um dos maiores crimes de sonegação da história da mídia brasileira,
cometido pela empresa para o qual ele mesmo trabalha, porque o blogueiro
lhe chamou de “sacripanta reacionário” e fez críticas à sua empresa?
Tenho esperança que o Judiciário não vai deixar barato esse ataque
sórdido à liberdade de expressão, ainda mais grave porque cometido por
uma pessoa que dirige uma concessão pública confessadamente golpista
e, como tal, com obrigação de ser humilde e tolerante no trato com
aquelas mesmas vozes que ela ajudou a calar nos anos de chumbo.
O advogado de Ali Kamel, João Carlos Miranda Garcia de Souza, é também advogado
da Rede Globo. É pago, portanto, com recursos oriundos de uma concessão
pública que se consolidou durante um regime totalitário, e com apoio de
um governo estrangeiro (EUA). Posso afirmar, portanto, que estou sendo
processado pelas mesmas forças que implantaram a ditadura no Brasil.
Eu não tenho advogado, não tenho dinheiro, nem minha conta bancária foi
abastecida com recursos da ditadura ontem, e da Secom hoje.
Só que estamos em outro momento, Kamel. Ou pelo menos, eu quero acreditar que estamos.
A família Marinho, segundo noticiado
hoje por este blog, é a segunda maior fortuna de mídia do planeta. Com
tanto dinheiro, mídia e poder, qualquer agressão de seus diretores a
blogueiros políticos que criticam a sua linha editorial se torna um
atentado particularmente hediondo à democracia.
Em 1981, já nos estertores do regime militar, uma tragédia terrível
aconteceu na minha família. Meu tio, Francisco do Rosário Barbosa, um
homem pacato, sem filiação partidária, sem militância política, mas com
alguma ideologia, foi preso num ônibus, sem razão nenhuma além de ter
protestado contra a forma como os policiais estavam revistando os
passageiros. Levado a 9ª DP do Catete, foi torturado até a morte. Tinha
9 irmãos, entre eles meu pai, primogênito, e uma mãe.
Diante do sofrimento inaudito que quase levou a família à loucura, meu
pai reuniu a todos e disse que a melhor forma de lidarem com aquela
tragédia era a usarem como mais um instrumento de luta contra a
ditadura.
Nesse momento, em que vivemos uma democracia pujante, mas conspurcada
por um sistema de comunicação oligopolizado, herdeiro do regime militar,
não me resta outra saída senão me aferrar àquela postura tão digna de
meu pai, José Barbosa do Rosário, e afirmar que vou usar este processo
do diretor de jornalismo da Globo contra minha pessoa como mais um
instrumento para derrubar, ou ao menos debilitar, esse odioso oligopólio
midiático liderado pela família Marinho e seus capangas.
O processo
é o número 0314414-68.2013.8.19.0001, do Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro. A primeira audiência de “conciliação” acontece em fevereiro de
2014. Não preciso de nenhuma contribuição financeira porque acho muito
improvável que eu perca esse processo, que é surreal. E se eu perder,
vou recorrer até as últimas instâncias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário