A carta aberta escrita por Angelina Jolie publicada no New York
Times, dizendo que passou por uma mastectomia dupla, causou um choque
generalizado. Tive a oportunidade de conversar com Jolie e entrevista-la
diversas vezes nos últimos dez anos. Jolie é o tipo de mulher
determinada, positiva e com força de vontade, que vive sua vida como
deseja. Ela tomou essa difícil decisão com a mesma brutalidade lógica
com que trata sua perspectiva do mundo.
O fato de ter decidido vir a público é um indicativo de seu desejo de
ajudar outras mulheres a superarem o estigma da doença e encoraja-las.
Anos atrás, mastectomia era um tabu. As coisas mudaram, mas não tanto.
Assim como ela lutou para sensibilizar as pessoas em relação aos
problemas de crianças órfãs, agora quebrou algumas barreiras ao discutir
publicamente sua saúde.
Disse ela que tomou a decisão de escrever sobre sua experiência
porque tem pena de seus filhos não terem podido passar mais tempo com a
avó, Marcheline. A mãe de Angelina morreu em 2007 por conta de um câncer
no ovário que combateu por 10 anos.
Frequentemente, quando converso com Jolie, ela descreve a inspiração,
a natureza generosa e espírito de Marcheline. Angelina acredita que,
mesmo tentando ser a melhor mãe possível, nunca será como Marcheline.
“Minha mãe era um anjo, uma garota católica criada num boliche em
Chicago. Ela jogava boliche como ninguém. Meus avós cuidavam do bar. Ela
foi a Los Angeles aos 17, passava o tempo na Sunset Strip, era hippie,
amava os Rolling Stones, estudava atuação e conheceu lá meu pai [o ator
John Voight]. Depois do divórcio, tivemos problemas financeiros. Nunca
fomos donos de uma casa. Mudávamos de apartamentos pequenos para outros
ainda menores. Sempre tivemos consciência do valor do dinheiro”.
“Minha mãe nunca se colocou em primeiro lugar. Nunca. No fim de sua
vida, disse que seu maior sucesso era ter sido mãe. Ela disse que a
única coisa que queria ter feito na vida era conhecer seus netos. Eu a
amava muito”.
Na última década, sua carreira tem sido o tema menos importante
durante suas reflexões, mesmo com alguns filmes recentes que estrelou,
como Salt e O Turista, arrecadando mais de 200 milhões de dólares nas
bilheterias. Ela se considera sortuda por ter sobrevivido a uma
adolescência problemática e a períodos sombrios.
Jolie indicou recentemente que deve atuar menos e dirigir mais. Seu
primeiro filme como diretora – In The Land of Blood and Honey – é um
drama situado na guerra da Bósnia. Foi premiada no evento anual Cinema
pela Paz, que acontece paralelamente ao festival de Berlim. Escreveu o
roteiro enquanto cuidava de seus gêmeos recém nascidos Knox e Vivienne.
Mãe de seis crianças, três adotadas, Jolie faz questão de levar toda a
família em suas viagens pelo mundo junto com o marido Brad Pitt. Ano
passado, eles conheceram o Vietnã, terra do filho Pax Thien. Faz parte
de uma rotina. Anteriormente, levaram a filha Zahara para a Etiópia e o
mais velho Maddox para o Camboja.
É fácil ser cínico a respeito de celebridades. Mas posso afirmar que
Angelina Jolie sempre me impressionou pela autenticidade. Eis alguns
trechos da nossa última conversa.
Como você concilia sua vida com Brad, seus seis filhos, a carreira no cinema e seu trabalho como embaixadora da ONU?
É uma tarefa difícil às vezes, mas amo a ideia de ter essa família
grande e poder proporcionar a ela uma vida boa e interessante. Eu também
tenho um bom homem ao meu lado. Passei por tantas coisas na minha vida…
Durante muitos anos me senti terrivelmente infeliz. Hoje sei que cuidar
de uma grande família é principalmente uma questão de organização. Não
me deixo estressar por conta disso.
Seus filhos se perguntam por que vocês viajam tanto?
Eles amam isso. Contanto que estejam conosco, estão felizes. É uma
grande aventura. Brad é muito bom em garantir que as crianças nunca se
estressem enquanto estamos indo de um lado para outro. Tentamos tornas
as coisas o mais simples possível para que elas cresçam de uma maneira
saudável.
É justo dizer que elas transformaram você?
Me tornei uma pessoa mais leve, aberta e contente. Isso havia sido
soterrado em mim por muito tempo… Me vejo como minha mãe era, mais
carinhosa. É por isso que amo tanto minha família, por mais que seja uma
loucura às vezes. Você aprende a amar esse caos controlado e é por isso
que não vemos por que não ter mais crianças.
Você era bastante selvagem.
Toda a dor que eu passei quando jovem foi uma forma de chegar aonde
cheguei. Meus personagens eram muito mais interessantes que a minha
vida. Basicamente, eu buscava um propósito maior ou um objetivo. Quando
comecei a trabalhar com a UNESCO e a fazer trabalho humanitário, senti
que podia ajudar pessoas que tinham pouca esperança.
Você acha que conseguiu o que queria?
Nunca acreditaria, há 15 anos , que teria essa vida. Cresci como uma
adolescente assustada, autodestrutiva, que não tinha um olhar muito
positivo sobre nada. Eu não tinha algo sólido para me segurar no mundo.
Quando você não tem um propósito, tende a se comportar
irresponsavelmente e de forma irracional. E quando percebe que existe um
outro mundo lá fora, e vê o que outras pessoas tem de fazer para
sobreviver todo dia, isso mexe com você. Não há mais espaço para
vivermos angústias em nossas pequenas bolhas.
As tatuagens: “afirmação de liberdade
Você já se perguntou por que sua adolescência foi tão difícil?
Acho que entendo um pouco. Cresci como essa criança despreocupada e
as coisas ficaram mais obscuras quando percebi que o mundo não era um
lugar tão feliz quanto esperava que fosse. Não sei exatamente… Meus
filhos me trouxeram de volta um pouco daquele espírito inocente que eu
perdi.
O que essas tatuagens representam para você?
São uma expressão de liberdade, de fazer uma afirmação que define
quem você é. Tenho tatuagens dos lugares onde conheci meus filhos e de
um discurso de Winston Churchill (“sangue, suor e lágrimas”), um dos
mais inspiradores que já ouvi. Também tenho orgulho de uma tatuagem com
uma frase de Tennessee Williams – (“Uma prece pelos selvagens de coração
– presos em jaulas.”) Minha mãe o conheceu quando estava grávida de meu
irmão. Meu pai (Jon Voight) estava interpretando Um Bonde Chamado
Desejo. Foi um tributo à minha mãe e àquele tempo.
Fonte: DCM
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