Um escritor xingou Eduardo Paes, tomou dois socos e comemorou a façanha no Facebook.
Quando me sentei para escrever isto, estava bastante desconfiado.
Como diz o enunciado marxista: “Ele pode parecer um idiota e falar como
um idiota, mas não deixe que isso engane você. Ele é mesmo um idiota” (O
Marx aqui, claro, é o Groucho).
Gracejo à parte, vamos tentar entender o que aconteceu na noite de
domingo no restaurante Yumê (quatro estrelas e meia no site Tripadvisor;
aparentemente, serve pratos japoneses “não tradicionais”, tem um
aquário de trutas abaixo do pé dos clientes e uma conta típica fica
entre R$ 51 e R$ 100 por pessoa)
O que aconteceu ali fez o prefeito do Rio aterrissar na seção de
polícia dos jornais. A crônica diz: estavam no mesmo recinto Paes e
Bernardo Botikay, escritor e músico. Botikay e sua namorada agrediram o
prefeito verbalmente. Foi embora. Decidiu voltar. Os repórteres não
dizem, mas tenho certeza que indicadores em riste voaram próximos das
caras um dos outros. Botikay chamou o prefeito de “bosta” e “vagabundo”.
Daí, Paes soltou o braço. Deu alguns socos no jovem de 30 anos.
Bernardo Botikay abandonou o restaurante (e seu relativo anonimato)
para ir direto para sua rede social de preferência, num post que foi
reproduzido intensamente no dia que se seguiu. Sobre a natureza dos
socos, escreveu no Facebook: ” Infelizmente, os socos não deixaram
marcas. Não pude ter provas da agressão”. Sobre suas palavras,
comemorou: “Não aguentei e fui brusco, agressivo e certeiro”.
Em nota oficial, Paes disse que foi “gratuita e insistentemente
ofendido por um casal desconhecido”. Sobre sua recém-descoberta verve
pugulística: “Apesar da agressividade do casal, eu não poderia ter
reagido como o fiz. Peço desculpas à população da minha cidade pela
maneira como agi”.
O prefeito do Rio nós sabemos quem é. Botikay, de acordo com
testemunhas, não sabia, o que não deixa de ser um pouco constrangedor.
Ele e sua namorada chegaram perto de Paes e perguntaram: “Quem é você?”.
“Sou o César Maia”, brincou Paes. Quando viram que era, deveras, o
atual prefeito, começaram a voar os impropérios.
Mas, vamos lá. Quem, afinal, é Bernardo Botikay? Em entrevista ao
site da livraria Saraiva, um sereno Botikay, de pernas cruzadas num sofá
branco e cercado de plantas, deu alguns insights sobre o que pensa e
sente. Filho de um músico que compõe para teatro, ele assumiu o nome
artístico Botika (só “Botika”), porque “não se identifica com
‘Bernardo’”. Aos 12 anos, fez sua primeira peça com Zezé Polessa e logo
depois descobriu que não seria ator. Experimentou a carreira do pai.
Teve uma banda de rock chamada Aneurisma. Hoje tem uma também de rock
chamada “Os Outros”. Numa entrevista a O Globo em 2010, dizia esperar
ser produzido por um de seus ídolos, o músico pernambucano Otto. “Não
consigo esconder/ a vontade de morder/ sua boca de chiclete”, diz uma
das canções.
Ele também escreve. Dois livros. Um, Uma autobiografia de Lucas
Frizzo (Azougue), lançado em 2004, foi “vomitado” de acordo com o autor.
Não tem parágrafo nem capítulo e ele disse que não cortou nada do que
atirou às páginas. Um trecho:
“Decidi usar minha mente que brilha e iria fazer de Malu Mader uma
espécie de secretária esquizofrênica. Amputei seus braços e pernas
durante o sono em que eu a mergulhei e agora ela apenas tinha cabeça e
tronco. No dia seguinte comprei um cachorro labrador que eu sempre quis
ter e ela acordou chorando e dava para ver que ela tentava movimentar os
membros que não tinha mais, pois os cotocos que restaram estavam se
mexendo”
(Ele não pediu à Malu para citá-la e expressou em entrevista que
durante certo tempo ficou preocupado com o que ela poderia achar. Ela
não fez nada).
O não menos “desafiador” Mario Bortolotto diz de Botiktay: “Tem
pegada pop e sofisticada” — seja lá o que isso queira dizer. O livro
seguinte, Búfalo (Eucleia Editora) não foi um “vômito”, como o livro
anterior, algo que ele comemora.
Bom. Bernardo Botkay é um artista? Ao que tudo indica, sim. “Depois
que entrei nessa parada, que eu senti que tinha que expressar, não tem
mais saída, é uma coisa de sobrevivência, mesmo”, disse, parecendo
sério. “Já é intenso para todo mundo lidar com a coisa de estar vivo. Se
eu não fizesse essas coisas, eu seria infeliz, triste.”
Bernardo Botkay é um artista infantil? Ao que tudo indica, sim. Sua
música é uma espécie de rockabilly atualizado sem muita inspiração. As
letras, pobres, das rimas aos temas. Sua prosa, no temido estilo “fluxo
de consciência”, deve ser inteligível apenas por inteligências mais
apuradas, como de seu compadre Bortolotto.
Mas o que mais me incomoda nas atitudes do artista Botika é que não o
vi usar o espaço que conquistou para dizer por que Eduardo Paes lhe
tira tanto a paciência. Agredir um político é um ato político. Qual é
sua posição, portanto? Onde consigo ver suas propostas para um Rio de
Janeiro melhor?
O artista dentro dele parece mais confuso do que nunca. Após tentar
ser ator, músico, romancista, poeta, parece que Botkay espera expressar
sua arte com palavrões — o que não é novidade há muito nas rodas mais
incensadas da cultura brasileira.
O pior é Botika (ou Botkay; a essa altura, estou confuso) achar que
um artista é aquele que vai a um restaurante de classe média alta, bebe
bastante, chama um homem que janta acompanhado da mulher de “bosta” e
“vagabundo”, vai embora, decide voltar para fazer tudo de novo até levar
a paciência do homem (treinado a não reagir a esse tipo de provocação)
até o limite. Eu disse infantil mais acima? Não. Isso é algo idiota. Uma
criança saberia a hora de parar.
Paes jamais deveria ter dado os socos. Ele mesmo sabe disso e pediu
desculpas à população de sua cidade. Deve estar retraído, pensando em
como seus adversários vão usar o ato de destempero contra ele.
Francisco Bosco, filho do compositor e cantor João Bosco, estava à
mesa com o prefeito. Disse que ajudou a separar o sururu e que não
voltou à mesa por discordar da agressão. Condenou, por fim, ambas
agressões. Para mim, dos atores presentes à cena, foi o que desempenhou o
melhor papel e deixou o recado mais coesamente sensato. Ninguém ali
estava certo.
No começo da noite de segunda (27), o delegado Orlando Zaccone,
responsável pela investigação do caso, deu uma declaração que coloca
Botkay numa situação complicada. Segundo o delegado, na delegacia, o
artista não disse que foi agredido. Ele na verdade teria se apresentado
como testemunha de uma agressão à sua namorada. Nem sequer fez exame de
corpo de delito.
Zaccone disse ao Globo: “Existem várias questões que precisam ser
esclarecidas para nós. No mínimo é esquisito o músico não ter dito na
delegacia que levou dois socos do prefeito. No RO [registro de
ocorrência] ele aparece como testemunha. Outra coisa estranha: ele diz
que fez exame de corpo de delito, mas a verdade é que quem fez foi a
mulher dele, que teria machucado o joelho por truculência dos seguranças
de Paes. Já o prefeito assume publicamente que agrediu o músico e pede
desculpas. Está tudo muito estranho”.
Botika foi um grande de um babaca.
Eduardo Paes: não dê socos.
Bernardo Botkay: não chame repetidamente um homem de “bosta” num
restaurante em frente a seus amigos e sua mulher. A não ser que você não
consiga fazer isso através da sua arte. Aí você deixa de ser um
artista. E vai ficar sendo apenas um idiota.
A obra de Botika é ter conseguido fazer todo cidadão de bem do Brasil
ter ficado a favor de um político apoiado por Silas Malafaia e pastores
da Igreja Universal do Reino de Deus.
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