por Vitor Nuzzi, da RBA
Ex-presos, parlamentares e
ativistas visitam a antiga sede do Doi-Codi, em São Paulo, onde morreram
Virgilio Gomes e Vlado, entre dezenas de vítimas. Local pode virar um
centro de memória
Entre cobranças e críticas, parlamentares e militantes torturados pela ditadura remontaram a memória
São Paulo – Inquietos ou serenos,
antigos “hóspedes” do mais conhecido centro de torturas do período
autoritário vão reconhecendo o terreno hostil para onde foram levados
entre o final dos anos 1960 e início dos 1970.
O local, entre a Vila
Mariana e o Paraíso, tradicionais bairros da zona sul de São Paulo, sede
do 36º DP, abrigava a Operação Bandeirante (Oban) e o Doi-Codi, onde se
contam 52 mortos sob tortura. O prédio – que tem um processo de
tombamento sob análise do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico
Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) – está
descaracterizado, o que confundiu alguns ex-torturados na visita de hoje
(11), que começou por volta de 10h30, organizada pela Subcomissão da
Verdade e Memória do Senado Federal. Eles coincidiram em um ponto, na
identificação da sala de torturas onde morreu, entre outros, Virgilio
Gomes da Silva, em setembro de 1969.
É uma área no segundo andar de um prédio nos fundos,
atrás da delegacia, atualmente sob responsabilidade do Departamento de
Polícia Judiciária da Capital (Decap). Para entrar, é preciso esperar
que alguém traga as chaves do cadeado que tranca a porta de ferro.
Alguns hesitam antes de subir a escadaria estreita, que vai dar em
instalações mal-conservadas, com fiações à mostra e infiltrações.
Diante do portão, o jornalista Antonio Carlos
Fon é incisivo, lembrando-se da prisão em 1969. “Exatamente aqui o Raul
Careca me entregou ao Albernaz”, conta, referindo-se ao delegado Raul
Nogueira e ao capitão Benone Albernaz. “Numa das salas de pau-de-arara o
Celso Horta (também jornalista) estava sendo torturado, e na outra sala, eu. Eu não via, eu ouvia eles torturando o Jonas (Virgilio)”, acrescenta Fon, hoje integrante do Comitê Paulista Memória, Verdade e Justiça.
Além de Fon, Ary Costa Pinto, Moacyr de Oliveira
Filho e Darci Toshiko Miyaki percorrem as salas, olham os corredores e
trocam impressões com os outros visitantes, como os senadores João
Capiberibe (PSB-AP), presidente da subcomissão, e Eduardo Suplicy
(PT-SP), os deputados federais Ivan Valente (Psol-SP) e Luiza Erundina
(PSB-SP) e o procurador da República Andrey Borges de Mendonça. Estão lá
também representantes do Levante Popular da Juventude, que põem uma
faixa do lado de fora pedindo punição aos torturadores.
No segundo andar do prédio dos fundos, logo à
esquerda, fica uma sala mais espaçosa, ensolarada. Nela, todos concordam
que se tratava de uma sala de torturas. Fon afirma: Jonas morreu ali.
“Aqui (aponta o chão) tinha um pau-de-arara. Quando chegou o Jonas, me
colocaram na cadeira do dragão. Ele morreu aqui onde nós estamos. Eu
estava muito debilitado e confuso. Ouvi eles perguntando: 'Onde está a
metralhadora, Jonas?'. Ele ficou agonizando aqui, todo arrebentado, até o
final da tarde.”
Ex-PCdoB, hoje na liderança do PSB no Senado, o
jornalista Moacyr Oliveira Filho também identifica aquela sala como
local de torturas. E lembra de um detalhe, reconhecido por outras
pessoas: Ustra trazia uma das filhas para brincar com as presas. “Era
uma tortura psicológica.” Recorda também do rádio colocado em volume
alto quando a tortura se tornava mais intensa.
O funcionário público Ary Costa Pinto conta que
entrou encapuzado, em 1973, e acredita que tenha passado por aquela
mesma escadaria. “Subi uma escada e fui recebido pelo Ustra (o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra) e pelo capitão Ubirajara (o delegado Aparecido Calandra).
Eu era solidário à resistência, mas não pertencia a nenhuma
organização. Então, não tinha o que falar. Nos primeiros dias, apanhei
bastante.”
A visita prossegue em outra instalação, com entrada
lateral, pela rua Tomás Carvalhal, atual área do Departamento de
Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Logo na entrada, em uma pequena
portaria, Moacyr aponta: “Aqui ficava o Dulcídio Wanderley Boschilla (ex-policial, mais conhecido como árbitro de futebol)”.
A alguns metros, em uma área externa, que abriga carros velhos e
sucatas, Fon identifica o local da encenação de suicídio de Vladimir
Hergog, o Vlado, então diretor de Jornalismo da TV Cultura, morto em
1975. Para o presidente da Comissão Justiça e Paz de São Paulo, o
advogado Antonio Funari Filho, o local aparenta ter abrigado uma cela. O
reconhecimento é difícil. Além das mais de quatro décadas passadas, há
paredes e divisões que não existiam.
Darci Miyaki observa: “Este centro de tortura não foi
escolhido por acaso. Era extremamente próximo do QG do 2º Exército”. Em
um dos corredores, ela faz um pedido aos senadores Capiberibe e Suplicy
e à deputada Erundina: “Vamos tentar fazer disto realmente um centro de
memória”.
Quase na saída, Fon cita o Projeto de Lei 573, de
2011, de Erundina. “O projeto reinterpreta a Lei de Anistia e o
Parlamento está se omitindo em relação a isso”, critica. A deputada
lembra que o PL já foi rejeitado na Comissão de Relações Exteriores e
está na Comissão de Constituição e Justiça, também com parecer pela
rejeição, conforme relatório do deputado Luiz Pitiman (PMDB-DF). “Se a
matéria for pautada, de novo vai ser rejeitada”, afirma Erundina, que só
vê chance de sucesso com pressão externa. “A maioria do Congresso não
tem compromisso com a democracia. É preciso que a sociedade venha em
apoio a nós, que somos minoria no Congresso, que foi quem apoiou essa
lei manca”, acrescenta, em referência à Lei 6.683, de 1979.
A deputada também faz cobranças à Comissão Nacional
da Verdade. "Muitos beneficiados pela Lei de Anistia sequer foram
chamados. Descobrir novos fatos, acrescenta, só é possível "com oitivas,
ouvindo os torturadores". Para ela, a violência de ontem ajuda a
explicar a violência atual.
"Aqui se trata do maior centro de tortura daquele
período. Vamos fazer mais algumas visitas, e a partir disso vamos levar
essa discussão para dentro das Forças Armadas", diz o senador
Capiberibe. "É importante que elas discutam a história e separem aqueles
que cometeram crimes da instituição."
Às 12h02, um funcionário voltou a trancar o cadeado.
Imagens meramente ilustrativas by: militanciaviva!
Horripilante e dantescas cenas de torturas, isso realmente jamais deverá ser encoberto pelo senhor do tempo, os brasileiros precisam saber ver e crer naquilo que, a seus olhos estavam encoberto por anos de impunidades e descaso
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