Quando
se pergunta a Andreas Brendel se é legítimo levar uma pessoa de 92 anos
às barras do tribunal, a resposta é sucinta: "Crime de morte não
prescreve", e, na qualidade de promotor, ele é obrigado a investigar
acusações de assassinato. A mídia costuma lhe fazer perguntas como essa -
afinal, nos últimos dez anos ele tem levado à Justiça um nazista atrás
do outro.
Brendel, que é diretor da Central para a Elucidação de Crimes Nazistas,
em Dortmund, sempre responde com dois argumentos. Primeiro, do ponto de
vista puramente jurídico. Depois vem o adendo: "Temos ainda as vítimas e
as famílias das vítimas. Para elas, é muito importante que haja um
processo penal na Alemanha e que a culpa dos criminosos seja constatada.
Andreas Brendel |
Independente de se o veredicto virá a ser executado, mais tarde. É
importante que os investigadores alemães levem em consideração o destino
dessas pessoas."
CONFIANÇA NOS INVESTIGADORES
Já Stefan Willms é chefe de comissariado em Düsseldorf. Ele dirige a
equipe de investigação de crimes nazistas no Departamento Estadual de
Investigações, único órgão da Alemanha voltado exclusivamente para esse
tipo de delito. Assim, Willms é o colega mais próximo de Brendel na luta
contra esses crimes praticados, na maioria das vezes, há 70 anos ou
mais.
Willms lembra-se de um caso na Itália, o assassinato de 60 homens. Um a
um, foram levados para um porão e executados. Seus últimos minutos foram
passados diante de uma montanha de corpos. Somente um jovem sobreviveu.
Depois de relatar o curso dos acontecimentos ao comissário-chefe alemão,
esse sobrevivente o abraçou e lhe agradeceu. "Ele disse que havia
esperado por mim quase 60 anos, e que estava muito grato por eu ter
vindo", lembra-se o comissário. "Aí se percebe como isso é importante
para as pessoas."
Sentado em seu escritório em Düsseldorf, usando calça jeans e camisa
quadriculada, o cabelo castanho encaracolado, Willms tem algo de jovem
rebelde, apesar de algumas mechas grisalhas. Atrás dele, vê-se um grande
cartaz de exposição: A polícia no Estado nazista.
Ele afirma que o fato de ter nascido muito depois da guerra, em 1959,
talvez o ajude nas investigações. As vítimas sabem que ele é jovem
demais para que pudesse estar envolvido nas ações cruéis dos nazistas.
Mesmo assim, "nota-se que, na condição de alemão, tem-se certa
responsabilidade pelo que aconteceu". O fato é que ele nunca se sente à
vontade nas investigações nos locais dos crimes.
JUSTIÇA ATRASADA?
Andreas Brendel |
De terno escuro, camisa e gravata branca, óculos de tartaruga, Andreas
Brendel entra no prédio. O caso Siert Bruins está sendo julgado na sala
do júri do Tribunal Regional de Hagen. Hoje com 92 anos, ele é acusado
de participar do assassinato de um membro da resistência no porto
holandês de Delfzijl, quando atuava no serviço de segurança e de
fronteiras, em setembro de 1944.
O criminoso nazista, Siert Bruins |
Não há mais testemunhas vivas do crime. Assim, os participantes de um
processo anterior contra Bruins estão sendo ouvidos. Brendel olha
concentrado, anota, raramente faz uma pergunta adicional às testemunhas.
Brendel argumenta no processo Bruins |
Nascido na Holanda, Bruins já esteve perante um tribunal em Dortmund em
1980. Na ocasião, o fuzilamento do combatente da resistência foi
considerado homicídio culposo. Segundo ele, hoje em dia a questão da
malevolência é muito importante, explicou Brendel. "A vítima sabia que
ia morrer?", exemplifica. Segundo o promotor, essa questão é avaliada
hoje de forma diferente do que na década de 1980. Por esse motivo,
Bruins está novamente diante do tribunal.
A Justiça alemã foi particularmente branda durante décadas com
criminosos de guerra nazistas? Brendel prefere não comentar, afirma ser
uma questão que ele não se coloca - o que soa antes como uma saída pela
tangente. Brendel tem outras coisas a fazer: ele quer que seja feita
justiça, em vez de questionar por que isso não aconteceu antes.
POUCO TEMPO E MUITO A FAZER
Brendel e Willms estão em contato durante todas as etapas. "Não passa
uma semana sem nos falarmos ao telefone", diz Willms. "Nós nos
encontramos pelo menos uma vez por mês." Eles se ajudam um ao outro,
também psicologicamente. Afinal de contas, muitas vezes eles não leem
nada além que detalhes de assassinatos terríveis, dias a fio. "Não é
algo que você simplesmente esqueça numa gaveta."
E há também cartas iradas de protesto, que Brendel recebe de vez em
quando, reclamando do fato de ele perseguir idosos. "Via de regra, eu as
arquivo", comenta secamente. Mas uma vez recebeu ameaças graves, sua
família foi mencionada. "Aí, para mim, acabou-se a brincadeira."
"Havia colegas aqui no escritório que não conseguiam lidar com isso",
conta Willms, "então trocaram de cargo". Para os dois investigadores,
porém, isso está fora de cogitação. Eles vão continuar, "provavelmente,
até que o último criminoso nazista esteja morto", diz Brendel. "O tempo
urge. Quando encontramos um criminoso, damos a maior prioridade".
Recentemente anunciou-se que a Alemanha está investigando 30 ex-guardas
do campo de concentração de Auschwitz. Alguns dos dossiês foram enviados
para Andreas Brendel e Stefan Willms. Eles ainda têm muito que fazer.
Fonte: Deutsche Welle/Free ilustration by: militanciaviva!
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