A postura agressiva dos apresentadores do Jornal
Nacional, que atingiu seu ápice quando Patrícia Poeta colocou o dedinho
no rosto da presidente Dilma Rousseff, escancara que as Organizações
Globo farão o que estiver a seu alcance para impedir sua reeleição;
aparentemente, os irmãos Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto
Marinho tratam esta eleição como uma questão de vida ou morte; entre os
motivos possíveis, estão a autuação da Receita Federal, o receio de que o
país avance na democratização da mídia e a percepção de que a Globo,
alvo dos protestos de junho por ter apoiado a ditadura, não é mais capaz
de ditar os rumos do país.
Marco Damiani, 247 – Donos do maior patrimônio
pessoal entre todos os empresários de mídia do mundo, como o australiano
Ruppert Murdoch, do grupo Media News, ou o americano Ted Turner, da
rede CNN, os três irmãos Marinho – João Roberto, Roberto Irineu e José
Roberto – consideram ter mais de um bilhão de motivos para atuarem, com
sua poderosa máquina editorial, contra a reeleição da presidente Dilma
Rousseff. Nota sobre nota, eles têm, juntos, uma fortuna estimada pela
revista Forbes em US$ 28,9 bilhões (R$ 74,2 bilhões de reais). Porém,
com mais quatro anos de Dilma no Palácio do Planalto, os três temem
perder dinheiro, prestígio e influência em doses imprevisíveis. Podem
ser bastante fortes.
No ano passado, a Receita Federal venceu no Carf (Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais) uma disputa com a Globo de R$ 713
milhões. Hoje, a conta ainda não saudada está em mais de R$ 1 bilhão.
Por outro lado, a reeleição da presidente vai, necessariamente, aquecer o
debate sobre a regulação do funcionamento do setor de mídia no Brasil.
Pilares da base do gigantismo da Globo, como propriedades cruzadas e
presença majoritária em múltiplas áreas de atuação, configuram um
oligopólio que fatura, anualmente, cerca de R$ 10 bilhões. É essa
espécie de fábrica de fazer dinheiro, erguida a partir do período dos
militares no poder do Brasil (1964-1985) e movida pelo B.V. (o famoso
bônus de veiculação), que se vê ameaçada pela presidente candidata.
Um terceiro, mas não menos importante elemento, é o público em si. Em
junho do ano passado, uma parte do vandalismo em que as manifestações
degeneraram foi dirigido contra a Globo. Esterco chegou a ser jogado nas
paredes da sede da emissora em São Paulo. A pressão popular sobre
carros adesivados da emissora passou a ser um fato cotidiano, e sempre
arriscado, na vida dos profissionais da empresa.
BELIGERÂNCIA NO DNA - É natural, na defesa de seus
interesses bilionários, que os Marinho usem todos os canhões ao seu
dispor. A beligerância, de resto, está no DNA do grupo empresarial que
eles herdaram do pai. A Globo nasceu com obsessão pelo poder. A
estratégia do empresário Roberto Marinho foi, desde as primeiras
transmissões, em abril de 1965, exatamente um ano depois de os militares
brasileiros derrubarem o presidente João Goulart, a de servir ao
regime. Não há interpretação histórica que possa superar esse fato.
A Globo, apesar de algumas linhas de autocrítica publicadas no jornal
O Globo por ocasião do cinquentenário do golpe militar, no ano passado,
não quer cortar suas raízes com o autoritarismo. Pelo simples motivo de
que foi a antítese da democracia que estabeleceu o modelo de
concentração que a beneficiou. As Organizações enxergam a democracia
como o regime que necessariamente vai enfraquecer seu poder, à medida em
que permite a existência e o florescimento de outras fórmulas
empresariais.
O nervosismo do âncora William Bonner e a descortesia da
apresentadora Patrícia Poeta, ontem, diante de Dilma, na entrevista no
Jornal Nacional, revelaram apenas a ponta do iceberg de interesses
escondidos pela Globo em sua propalada isenção editorial. Não está no
DNA da emissora ser isenta, ao contrário. Muito menos têm havido
equilíbrio por parte da emissora no noticiário da atual sucessão
presidencial. Pesquisadores da Uerj já havia mostrado que o JN dedicou,
entre 1º de janeiro e 31 de julho, 83 minutos de noticiário avaliado por
ele como negativo para Dilma contra 3 minutos de informações apontadas
como positivas.
JN PERDEU IBOPE NOS ÚLTIMOS ANOS - Para tomar-se,
apenas, os investimentos do governo federal em publicidade, o que se tem
é que eles diminuíram para a Globo a partir da introdução continuada de
filtros técnicos para a aplicação das verbas. Acontece que a audiência
da Globo como um todo, e em horários nunca antes ameaçados, está
diminuindo. Apenas o Jornal Nacional, por exemplo, perdeu mais de 20
pontos no Ibope nos últimos anos. A introdução de novos mecanismos de
medição de público, de outra parte, também mostra que o poderio real das
Organizações Globo é declinante, no sentido do alcance e influência
sobre público.
Em 1982, a Globo tentou ditar o resultados das eleições para
governador do Rio de Janeiro, no que ficou conhecido como o escândalo da
pró-consult – a assessoria que contava os votos em paralelo à Justiça
Eleitoral. Em 1989, como o então todo poderoso global Boni admitiu em
biografia festiva, a emissora manipulou o debate presidencial entre os
candidatos Lula e Collor e usou, claro, o Jornal Nacional para
desequilibrar ainda mais a cena real daquele disputa. Em ambos os casos,
a Globo procurou interferir na disputa em seus momentos finais.
Ontem, com a chamada entrevista em que a presidente Dilma foi
interrompida 21 vezes, em 15 minutos de conversa, pelo âncora do JN, a
Globo mostrou que partiu para o ataque desde o primeiro minuto.
Certamente porque sabe, com seus sofisticados instrumentos de aferição
dos humores da população, que enfrenta cada vez mais dificuldade para
impor a vontade de seus herdeiros ao público.
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