Por Pedro Estevam da Rocha Pomar*
Enquanto os analistas políticos tentam entender os critérios
utilizados pela presidente Dilma Rousseff na composição de seu novo
ministério, que até o ponderado André Singer classificou como kafkianos,
novas medidas de contenção fiscal foram anunciadas já em dezembro de
2014, antes mesmo da posse do segundo mandato.
Essas medidas apontam perigosamente à direita, expressando o desejo de sinalizar ao “mercado” (leia-se, aos detentores do capital) que o governo, em nome da imperiosa necessidade de “ajustes fiscais”, não se deterá nem mesmo diante de conquistas históricas das classes e camadas sociais que, em tese, ele diz ou pensa representar.
Pedro Estevam da Rocha Pomar
A guinada à direita do novo governo se dá, portanto, no próprio
terreno das “políticas sociais”, intocáveis segundo o discurso
presidencial, e afeta fundamentalmente benefícios dos trabalhadores:
seguro-desemprego, seguro-defeso, pensão por morte e outros, cuja
concessão se tornará muito mais difícil daqui para a frente. A retórica
do governo para justificar as novas medidas tem dupla face: por um lado
alega que tais benefícios estão sendo mantidos, como se se tratasse de
um grande favor; por outro lado recorre à surrada alegação de que é
preciso combater distorções e fraudes que estariam provocando grandes
danos ao Tesouro.
O ministro do Trabalho e Emprego, Manoel Dias, atribuiu as novas
medidas à “segurança fiscal do governo”, pois elas destinam-se a “fechar
o cerco contra abusos e distorções na concessão do seguro-desemprego e
outros benefícios, gerando economia estimada de R$ 18 bilhões em
recursos públicos” (Blog do Planalto, 31/12/14), e garantir o
patrimônio representado pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT),
constituído com verbas do FGTS. Ora, é sabido que existem fraudes,
inclusive no seguro-desemprego, estas relacionadas à própria
configuração do mercado de trabalho no Brasil. Mas, ao mesmo tempo, é
óbvio que a dimensão de tais fraudes não justifica a restrição brutal
que foi adotada. O alto índice de rotatividade existente na economia
brasileira torna particularmente perversa a ampliação do prazo de
carência do seguro-desemprego, de seis meses para 18 meses (e 12 meses,
no caso da segunda solicitação). Desse modo, trabalhadores demitidos com
menos de um ano e meio de registro na carteira deixarão de ter direito
ao benefício, em nome da “segurança fiscal do governo”.
De acordo com a Controladoria Geral da União (CGU), os pagamentos
indevidos de seguro-desemprego envolveram o setor público e o setor
privado. Porém, atentemos para os dados que o próprio governo divulga:
“Em 2011, dos 7,168 milhões de auxílios pagos, 53.903 foram indevidos,
gerando perdas de R$ 108,7 milhões”. Ou seja: as fraudes representariam
menos de 1% (0,75%) do universo de auxílios concedidos!
Esta proporção é discrepante dos dados alardeados por Dias e reproduzidos pelo Blog do Planalto:
“Esses abusos e fraudes turbinaram as despesas com o seguro-desemprego
em cerca de 10,35% neste ano [2014], devendo chegar aos R$ 35,2
bilhões”. Formulada dessa maneira, a frase dá a entender que o montante
das supostas fraudes chega a R$ 35,2 bilhões; mas, admitindo-se que os
números oficiais sejam corretos, ela representa um décimo daquele valor,
isto é: R$ 3,52 bilhões.
O pretexto do governo é de que o prazo atual “favorece mais aqueles que acessam [sic]
o benefício pela primeira vez, ao invés dos que precisam recorrer com
frequência ao seguro”, e de que aumentando as exigências para a primeira
e a segunda solicitação, “o governo concentra os benefícios em quem
mais precisa e protege o trabalhador mais vulnerável”. Ora, como
distinguir entre quem é mais ou menos vulnerável?
Um pai de dois filhos, que tenha trabalhado por, digamos, seis anos
consecutivos; tenha ficado desempregado e feito jus à primeira
solicitação do benefício; e após reempregar-se venha a ser demitido onze
meses depois, não seria tão vulnerável quanto um outro trabalhador com
mesmo número de filhos, tempo de trabalho e histórico de solicitação do
seguro-desemprego semelhantes, mas que venha a ser demitido, pela
segunda vez, após um ano e dois meses no posto (e portanto com direito
ao benefício)?
No caso do seguro-defeso, de fato há grande número de concessões
indevidas, casos de fraudes, e até quadrilhas se constituiram para
auferir fraudulentamente o benefício. Portanto, seria inevitável tomar
medidas saneadoras. Contudo, uma vez que o seguro-defeso é uma proteção
financeira indispensável para os pescadores artesanais de todo o Brasil
durante o período em que a pesca é proibida, aumentar de um ano para
três anos o período mínimo de atividade exigido para a concessão de
novos benefícios é uma restrição extremamente dura. Implica que o
pescador que ingressar na atividade terá de trabalhar durante três anos
consecutivos sem ter direito ao seguro-defeso nos períodos em que a
pesca estiver interditada.
Todas estas medidas permitirão ao governo economizar migalhas, em
termos de Orçamento da União, ao passo que poderão transformar em
verdadeiro inferno a vida cotidiana de centenas de milhares de famílias
que dependem desses modestos benefícios para sobreviver, mas por
qualquer motivo não se enquadrem nas novas exigências para obtê-los.
O combate às fraudes é um dever de qualquer governo que se pretenda
honesto e democrático. O que surpreende é que há diversas outras medidas
à disposição do governo, caso se disponha de fato não apenas a coibir
fraudes, como também a ampliar a arrecadação fiscal de modo a continuar
oferecendo serviços públicos na quantidade e qualidade necessárias.
A simples ampliação da fiscalização tributária e da ação da CGU, por
exemplo, poderia trazer aumento das receitas e economia de gastos bem
superiores aos que serão obtidos mediante o anunciado arrocho de
benefícios trabalhistas e previdenciários (pois é disso que se trata).
Mas o ministro Jorge Hage, da CGU, deixou o cargo queixando-se de que
seus pedidos de fortalecimento do órgão não foram atendidos.
Mais uma vez um governo conduzido por um(a) petista tem início com um
ataque a direitos dos trabalhadores, o que é péssimo sinal sob qualquer
prisma. Mais uma vez o “mercado”, derrotado nas urnas, vê atendida a
sua grita contra os “gastos sociais” e em favor do “superávit primário”.
Para nós petistas, “comprar” a versão do governo, reproduzindo acriticamente os press-releases oficiais,
é um caminho rápido para o desmanche político e organizativo. Os
otimistas dirão que a política de valorização do salário-mínimo foi
mantida, o que é positivo. É verdade. Mas corremos o risco de ver toda a
agenda da classe trabalhadora desmoronar, com uma ou duas exceções que
sirvam para nos desmobilizar. Nem o PT nem a CUT podem ficar calados
neste momento, sob pena de novos ataques e agressões à classe
trabalhadora.
* Pedro Estevam da Rocha Pomar é jornalista e militante do PT.
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