"Conflito de versões entre Alberto Youssef e Paulo
Roberto Costa questiona credibilidade da delação premiada, base da Lava
Jato", argumenta Paulo Moreira Leite, diretor do 247 em Brasília;
"Quando falamos de delação premiada, estamos acrescentando uma
complicação: a pessoa negocia cada palavra, cada frase, em troca de um
benefício. O acerto é consciente, escancarado. De certa forma, é um
negócio"; isso significa, para o colunista, que o mentiroso deveria, no
mínimo, perder os benefícios do acordo negociado com o juiz Sergio Moro.
A acareação entre o
doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor da Petrobrás, Paulo Roberto Costa
terminou num conflito inconciliável de versões, levando a uma conclusão
óbvia: um dos dois está mentindo.
Ocorreu aquela situação na qual, com
o perdão do vocabulário, mas apenas em respeito às palavras originais
de um procurador que alertou para o risco que uma acareação representar.
Lembrou o que costuma acontecer quando se mexe em “bosta seca….” Você
pode imaginar, certo?.
É razoável perguntar o que acontece daqui para a frente.
Foi a partir da delação premiada dos
dois que o Ministério Público construiu a denuncia da Lava Jato,
emparedou Lula, esvaziou o governo Dilma e criou um ambiente de terror
nos meios políticos e na economia.
A base da delação premiada reside na confiança absoluta do delator que, obviamente, não pode mentir.
Também não pode fantasiar fatos, nem
permitir-se um exercício que os psicanalistas chamam de fabulação. A
simples delação premiada de Alberto Youssef já era colocada em dúvida
antes disso. Está provado que ele mentiu em outra investigação, sobre o
Banestado. Por esse motivo, o juiz aposentado Gilson Dipp, um dos
maiores especialistas no assunto já questionou seu depoimento, em
parecer enviado ao Supremo.
Sabemos agora que Costa e Youssef
não lembram dos mesmos fatos quando falam de uma possível entrega de R$ 2
milhões para a campanha de Dilma, num pagamento que teria Antonio
Palocci como intermediários.
Sabemos também que enxergaram coisas diferentes quando se referem a um pagamento para Roseana Sarney.
Do que mais não irão lembrar-se daqui para a frente? Do que mais irão esquecer?
Do que mais não irão lembrar-se daqui para a frente? Do que mais irão esquecer?
Vamos contratar psicólogos a quem se atribui o poder de reavivar a memória de crianças traumatizadas?
Embora a delação premiada seja
aceita em várias partes do mundo, o método empregado nas investigação da
Lava Jato não é garantia de um esforço para se obter a verdade. Numa
forma óbvia de coerção, os acusados enfrentaram longos períodos de
prisão preventiva antes de serem convencidos a falar.
Por isso, é sempre bom repetir aqui
os ensinamentos da Suprema Corte dos Estados Unidos, em 1966, quando
estabeleceu regras para garantir que um acusado tivesse o direito de não
ser induzido, pela polícia, a confessar um crime. Veja só. Não se
falava de delação. A preocupação era impedir impedir que o sujeito seja
levado a se auto-acusar. Imagine as cautelas necessárias para impedir
que ele acuse outra pessoa — um exercício menos doloroso, vamos
combinar, ainda mais quando pode trazer vantagens a quem acusa. Diz que a
resolução:
“Concluímos que, sem salvaguardas
próprias, o interrogatório sob custódia de pessoas suspeitas ou acusadas
de crime contém pressões que operam para minar a vontade individual de
resistir para que não seja compelido a falar quando não o faria em outra
circunstância. Para combater essas pressões e permitir uma oportunidade
ampla do exercício do privilégio contra a autoincriminação, o acusado
deve ser adequadamente informado de seus direitos e o exercício desses
direitos deve ser completamente honrado.”
Preste atenção o princípio: a
delação tem valor quando é voluntária, livre de ” pressões que operam
para minar a vontade individual de resistir.”
Quem se der ao trabalho de conhecer
uma teoria chamada Dilema do Prisioneiro, irá entender o que digo. A
base se encontra na internet mas é possível fazer um resumo. Estudiosos
das técnicas de interrogatório compreenderam que é possível manipular
membros de uma mesma quadrilha, já aprisionados, jogando uns contra os
outros, quebrando a confiança que possa existir entre eles e convencendo
todos a falar mais do que gostariam. A experiencia ensina que a teoria
funciona.
Mas, como tudo que envolve pontos
sensíveis da alma humana, produz depoimentos longos, detalhadas mas que
nem de longe são garantia de verdade. Essa é a questão.
Ouvi, há quinze anos, o depoimento
reservado de um engenheiro que dizia ter testemunhado o funcionamento de
um milionário esquema de superfaturamento de obras e lavagem de
dinheiro na gestão de Paulo Maluf na prefeitura de São Paulo. O assunto
virou manchete por meses. Na hora de depor a Justiça, quando suas
palavras teriam o poder de inocentar ou condenar, ele voltou atrás,
disse que havia se enganado e o caso foi encerrado.
O escândalo de delação premiada
contra o governo de José Roberto Arruda, do Distrito Federal, baseava-se
na delação premiada de um secretário de Estado. Instruído pelo
Ministério Público, ele gravou vídeos que continham diálogos e imagens
nas quais entregava-se dinheiro para parlamentares, secretários — e o
próprio governador. O problema é que os vídeos eram editados, não era
possível verificar quando a gravação havia começado e quando havia
terminado — o que alimentava a suspeita de montagem. As provas foram
anuladas.
Uma delação é sempre um depoimento
complicado. Isso porque ela é motivada pelo interesse de uma pessoa
acusada em livrar-se, de qualquer maneira, de uma acusação. A palavra do
co-réu é sempre colocada em dúvida, aprende-se nos cursinhos
preparatórios de uma faculdade de Direito.
Quando falamos de delação premiada,
estamos acrescentando uma complicação a mais: a pessoa negocia cada
palavra, cada frase, em troca de um benefício. O acerto é consciente,
escancarado. De certa forma, é um negócio.
Uma mentira — ou duas, para ser mais
preciso — é tão preocupante que os advogados dos réus anunciam para
breve uma reconciliação de versões. Isso quer dizer que teremos, em
breve, a versão premiada?
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