
Mauro Santayana
Sobre a polêmica do livro Por uma vida melhor, da professora Heloísa Ramos, que relativiza o papel da norma culta e defende o coloquialismo na linguagem, acredito que o debate é necessário e saudável, mas não deveria se transformar num torneio ideológico, como fizeram certos veículos da mídia. Pessoalmente, creio que a postura relativista implícita nas orientações do MEC está cheia de boas intenções – não-discriminação da fala coloquial, compreensão da linguagem como elemento histórico sujeito a múltiplas determinações etc. etc. – mas, na prática, se traduz numa certa contemplação de um suposto universo idílico das “classes populares”. O efeito prático dessa postura, na maioria das vezes, é negar aos oprimidos as condições para a superação de sua subalternidade, reforçando as relações de dominação. Idealizados, os pobres viram "cobaias no laboratório do relativismo", como disse o jornalista Alon Feuerwerker. A obra de Shakespeare, afinal, não equivale a um par de botas, como notou o filósofo Alain Finkielkraut (La Défaite de la pensée). Correndo o risco de parecer antiquado e conservador, reproduzo aqui um belo texto do jornalista Mauro Santayana, a quem considero um dos mais lúcidos analistas e ensaístas do país.
“Linguagem e soberania
A civilização se define como a reunião dos homens em cidades, construídas a fim de os proteger das intempéries e tornar a vida mais amena. A troca de experiências levou-os a aspirações ainda maiores, ao êxtase diante da beleza das cores e dos sons, ao surgimento da arte. Recentemente se descobriu o que os arqueólogos consideraram o primeiro instrumento musical: flauta feita a partir do osso de um abutre, e datada, conforme os estudos, de há 35.000 anos.
O homem chegou ao momento mais alto de sua razão na chamada idade axial, que, conforme Karl Jaspers, ocorreu entre o século VIII antes de Cristo e o século II de nossa era. O desenvolvimento da inteligência e dos sentimentos de transcendência, naquele milênio, na China, na Índia e no Mediterrâneo, praticamente esgotou o potencial da mente humana. O que marcou o período foi o aprimoramento da linguagem escrita, que transmitiu ao futuro a experiência do passado e incitou o desenvolvimento das idéias. A partir daí, o processo tem sido o polimento de um poliedro translúcido. Sua essência, volume e forma não se alteraram. É como se fosse um depósito de luz, espécie de prisma, que reflete o todo cósmico, para orientar a construção permanente do homem.



Quando “especialistas” em educação expõem as teorias mais confusas e pedantemente elaboradas, prenhes de termos técnicos e vazias de significado, cabe ao Estado determinar o retorno às cartilhas de há 60 anos, para o aprendizado da Língua Pátria, em toda a sua riqueza, e à tabuada, base da razão matemática. Só a velha escola pode trazer homens novos ao mundo, capazes de entender o tempo e salvar a espécie da destruição que a ameaça.
Textos como os de “Contos Pátrios”, escritos por bons escritores (como Olavo Bilac e Coelho Neto) deveriam ser adotados. A língua é o fundamento da soberania.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário