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terça-feira, 10 de setembro de 2013

AQUI, NÃO LÁ

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Susan Sontag (1933-2004)

"Se os intelectuais das décadas de 1930 e de 1960 mostravam-se muitas vezes demasiados crédulos, demasiado suscetíveis a apelos ao idealismo para entender o que de fato se passava em determinadas sociedades sitiadas, recém-radicalizadas, que eles podiam ou não ter visitado (brevemente), os intelectuais rancorosamente despolitizados de hoje em dia, com o seu cinismo sempre a postos, com o seu apego ao entretenimento, com a sua relutância a se incomodarem com qualquer causa, com a sua dedicação à segurança pessoal, parecem no mínimo igualmente deploráveis [...] De maneira geral, o punhado de intelectuais que se considera pessoas conscientes só pode agora ser mobilizado para ações restritas - contra, digamos, o racismo ou a censura -, no âmbito de seus próprios países. Só parecem plausíveis, agora, os compromissos políticos domésticos. Entre intelectuais outrora dotados de preocupações internacionais, os apreços nacionalistas recuperaram o prestígio. (Devo sublinhar que isso parece mais verdadeiro em relação aos escritores do que aos médicos, cientistas e atores). Houve uma implacável decadência da própria noção de solidariedade internacional"

Eterna fumante

Não foi só o bilateralismo global ('eles' contra 'nós'), característico do pensamento político no decurso de todo o nosso breve século XX, desde 1914 até 1989 - fascismo contra democracia, o império americano contra o império soviético - que desmoronou. O que se seguiu após 1989 e após o suicídio do império soviético constitui a vitória final do capitalismo e da ideologia do consumismo, que acarreta o descrédito do 'político' como tal. A única coisa que faz sentido é a vida privada. O individualismo e o culto de si mesmo e do bem-estar privado - em que figura, acima de tudo, o ideal de 'saúde' - são os valores mais aptos a receberem o aval dos intelectuais. ("Como você pode passar tanto tempo num lugar onde as pessoas fumam o tempo todo?", perguntou alguém aqui em Nova York ao meu filho, o escritor David Rieff, referindo-se a suas frequentes viagens à Bósnia.)

George Orwell na Espanha
Seria excessivo esperar que o triunfo do capitalismo consumista deixasse intacta a classe dos intelectuais. Na era do comércio, há de ser mais difícil para os intelectuais, que nada têm de marginais nem de empobrecidos, identificar-se com pessoas menos afortunadas. George Orwell e Simone Weil não deixaram para trás apartamentos e casas de veraneio confortáveis e de alta burguesia quando partiram para a Espanha e lutaram pela República, e ambos quase foram mortos. Talvez o intervalo entre o 'aqui' e o 'lá' seja agora muito grande para os intelectuais. 

[...]

Nas palavras de Emile Durkheim, 'a sociedade é acima de tudo a ideia que forma a respeito de si mesma'. A ideia que a sociedade próspera e pacífica da Europa e da América do Norte formou a respeito de si mesma - mediante as afirmações e as ações de todos os que poderiam chamar-se de intelectuais - é de confusão, de irresponsabilidade, de egoísmo, de covardia... e de busca da felicidade.
A nossa, não a deles. Aqui, não lá."

(Por Susan Sontag, "Lá" e "aqui", in Questão de Ênfase)    

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