Por Clara Marques Campos*
Não há outra forma de começar este texto sem esclarecer, antes de qualquer coisa, que não estou defendendo Maria Bethânia e que nem sou fã do seu trabalho.
O que mais me desanima nesta história toda e na repercussão que a coisa tomou é a maneira como as pessoas perdem o foco da causa mais importante e deixam de atacar a verdadeira razão do problema para procurar endemonizar uma figura pública.
A grande questão disso tudo, e que muita gente não percebe, é que o problema não é o projeto de Maria Bethânia. Não tive acesso a ele, mas acredito que não exista nada errado com o projeto. As pessoas se assustam com a cifra e não querem entender mais nada.
Para começar, o projeto está até barato. Desde quando 3,5 mil reais (1,3 milhão do projeto dividido pelos 365 vídeos que serão realizados) está caro para um clipe de Andrucha Waddington (diretor global e de filmes premiados em Cannes e outros festivais – e, mais uma vez, digo que não estou exercendo nenhum juízo de valor sobre o trabalho deste profissional)? E isso se o
montante todo fosse para a realização dos vídeos, sem contar o cachê de Maria Bethânia, de Hermano Vianna (que coordena o projeto), os custos com o site (design, programação, manutenção, hospedagem e etc e etc), além de toda uma equipe técnica de dezenas de pessoas envolvidas e trabalhando.
Não acho que o projeto seja ilegítimo. E não acho um absurdo o valor. O problema, obviamente, é quem paga essa conta. E se, por lei, Maria Bethânia tem o direito de inscrever um projeto, por que está errado ela inscrever? Se você fosse rico e famoso e tivesse direito a um recurso para investir em sua carreira, gravar um novo CD, clipe ou filme, não faria? O grande equívoco do
negócio é a lei que permite que ela faça isso. E não só ela. Ivete Sangalo, Marisa Monte, CaetanoVeloso, o Rock in Rio (sim!), diversas super produções da Globo Filmes e uma infinidade de projetos milionários tem a todo ano a sua captação aprovada através de leis de incentivo.
Ah, eu disse captação. Porque ainda tem isso. Tem gente que não sabe o que esta palavra significa e pensa que o Governo está entregando a dinheirama diretamente na mão da cantora. Não, o projeto dela foi apenas habilitado a captar recursos. Isso significa que agora eles terão que procurar patrocinadores junto à iniciativa privada. As empresas é que vão pagar o 1,3 milhão ao projeto de Maria Bethânia e depois vão abater parte desta quantia do imposto de renda (aí sim, indiretamente, este valor sai dos cofres públicos).
A Lei Rouanet não avalia o mérito do projeto e o seu desdobramento social. Para um projeto ser aprovado basta que ele preencha todos os pré-requisitos do formulário de forma clara e objetiva e que o currículo do proponente comprove que ele tem capacidade técnica de realizar tal projeto.
Neste ponto, temos a grande questão. Além de Maria Bethânia, também o Joãozinho, o Juquinha e a Aninha tiveram os seus projetos inscritos e aprovados para a captação pela Lei Rouanet. Mas as grandes empresas vão preferir patrocinar quem? A grande Maria Bethânia ou os ilustres
desconhecidos fictícios citados acima? Lógico que os empresários vão investir o seu rico dinheirinho em artistas já famosos e consagrados que vão garantir mais visibilidade e retorno de marca.
Assim, as organizações ganham duas vezes: com o imposto que é isentado e com a publicidade gratuita obtida nestes grandes projetos. Isso sim é um absurdo. Porque a decisão do destino dos recursos públicos fica a cargo da iniciativa privada, que acaba por gerir, de alguma forma, a política cultural nacional com interesses substancialmente mercadológicos. É a privatização da cultura!
Então, mais uma vez eu repito. O problema não está com Maria Bethânia, tampouco com o orçamento do seu projeto. Ela está apenas exercendo um direito de cidadã e de artista. O problema todo é o mecanismo de tal lei que permite que um projeto com grande apelo midiático e facilidade de obtenção de patrocínios privados dispute os investimentos estatais com outros
projetos de menor visibilidade.
O que mais me deixa indignada em repercussões deste tipo é a escolha de alguém famoso para alvo de ataques, sem que ele tenha culpa real na questão. Reparem a grande mobilização na internet que está levando o assunto aos Trends Topics do Twitter e gerando uma avalanche de posts em blogs diversos e em perfis do Facebook. Tudo isto para falar (mal) de Maria Bethânia e do valor astronômico da sua nova obra. Enquanto se deixa de atacar a verdadeira raiz do problema. Simplesmente um desperdício de tempo, saliva e caracteres. Não seria mais produtivo se este esforço fosse direcionado para a discussão da reformulação da lei em questão?
Sobre o Autor:
*Clara Marques Campos é produtora cultural, bacharel em Comunicação Social pela Facom, UFBA, onde atualmente estuda também Jornalismo. Idealizadora do Salvador Alternativo e do Guia de Produção do Rock. Presta ainda serviços em Assessoria de Comunicação, Gestão de Mídias Sociais e Produção de Conteúdo para Web.
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