Um dos principais juristas do País, o professor
Celso Bandeira de Mello atribui a corrupção na Petrobras à lei aprovada
no governo FHC, que liberou a estatal de realizar licitações públicas;
"esse foi o momento em que o governo Fernando Henrique colocou o
galinheiro ao cuidado da raposa", diz ele; coincidência ou não, o
gerente Pedro Barusco confessou roubar a Petrobras desde 1997, ano em
que ocorreu a mudança; ele também criticou o governo FHC, que teria sido
"o mais entreguista da história do Brasil", e previu a retomada da
Petrobras; "Se eu tivesse dinheiro pra investir era ação da Petrobras
que eu ia comprar. Eu creio que ela vai se levantar, que tudo isso é
onda. É política, e política dos derrotados, mas os derrotados têm em
favor deles todos os meios de comunicação"; leia a íntegra da entrevista
à Rede Brasil Atual.
Por Eduardo Maretti, da Rede Brasil Atual
São Paulo – A discussão sobre problemas de corrupção
da Petrobras precisa levar em conta o momento em que o primeiro mandato
do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fragilizou a Lei 8.666/1993
(a Lei de Licitações).Em 1997, o governo FHC editou a Lei n° 9.478/1997,
que autorizou a Petrobras a se submeter ao regime de licitação
simplificado, descaracterizando determinações da legislação anterior.
Para o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, esse foi o momento em
que "o governo Fernando Henrique colocou o galinheiro ao cuidado da
raposa". Em julgamento de mandado de segurança de 2006, o ministro
Gilmar Mendes, do STF (indicado por FHC), concedeu liminar validando a
regra da lei do governo tucano. Desde então, outras liminares
confirmaram a decisão de Mendes, mas o julgamento do mérito nunca
ocorreu.
Na opinião do jurista, embora tudo esteja "sendo feito para
prejudicar o governo” no escândalo da Petrobras edenúncias de corrupção,
não existe risco de impeachment.
Porém, as dificuldades enfrentadas pelo PT e seus governos, de Luiz
Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, no âmbito do Judiciário, são em
grande parte decorrentes do “desprezo” da esquerda pelo direito. "Tanto a
esquerda não dá muita importância ao direito que o Supremo (de hoje)
praticamente foi composto, em boa parte, por governos do PT. E, no
entanto, como é que o Supremo se comportou no chamado mensalão?
Condenou, não apenas o Genoino, mas o Dirceu de uma maneira absurda”,
diz.
Porém, na opinião do jurista, a partir de agora a esquerda vai ser obrigada a dar mais atenção a aspectos jurídicos ao governar.
Na atual composição do STF, nada menos do que sete ministros foram
indicados por Lula ou Dilma: o ex-presidente indicou o atual presidente
da corte, Ricardo Lewandowski, além de Cármen Lúcia e Dias Toffoli. Os
nomes de iniciativa da presidenta são Luiz Fux, Rosa Weber, Teori
Zavascki e Luís Roberto Barroso.
Leia entrevista concedida à RBA.
Qual sua opinião sobre a “tese” do impeachment, aventada
politicamente nos corredores do Congresso, por alguns juristas e
alimentada pelos jornais?
Entre os juristas, só vi falar a respeito o Ives Gandra.
O senhor leu o parecer?
Vi aquele artigo do jeito que saiu, por ele mesmo publicado na Folha.
Eles perderam a eleição, ficaram aborrecidíssimos – o que se
compreende. O que não se compreende é esse tipo de reação de quem,
digamos, dá vontade de dizer: vai chorar na cama que é lugar quente.
Eles reagiram dessa maneira intempestiva. Não estou muito impressionado
com isso, porque para impeachment é preciso muita coisa. Não basta um
artigo que alguém escreva e eventualmente algumas pessoas insatisfeitas
fazerem menção a isso. Não houve a meu ver nada suficiente para
justificar um impeachment, assim como não houve também no Congresso.
Impeachment não é assim, “eu não fiquei satisfeito com o resultado das
eleições...” Não creio que vá muito pra frente isso, embora eles tenham
por eles o Ministério Público e a polícia. A coisa mais difícil de
controlar é a polícia.
As informações são vazadas seletivamente...
Tudo está sendo feito para prejudicar o governo. Se formos falar
nesse negócio da Petrobras, isso é antiquíssimo. Aliás, qualquer pessoa
que pegar meu Curso de Direito Administrativo (editora Malheiros) vai
ver que lá está escrito com todas as letras que o governo Fernando
Henrique colocou o galinheiro ao cuidado da raposa. Ainda no governo
daquele senhor, ele baixou uma medida para as estatais escaparem da Lei
de Licitações, a lei 8.666. Essa medida foi autorizada às empresas
estatais, que são as grandes realizadoras de obras públicas. A partir do
momento em que o governo autoriza as estatais a regulamentarem suas
compras, portanto retira a força de Lei de Licitações, o que está
fazendo? Entregou o galinheiro à raposa. Então a questão da Petrobras é
coisa antiga...
Lembrando o julgamento da Ação Penal 470, ela mudou alguns
paradigmas e introduziu a questão da judicialização da política.
Considerando isso, o senhor acha plausível a possibilidade de
impeachment de Dilma?
Eu não acho, sinceramente. Acho que existe um escândalo e, no fundo,
eles gostariam que algum jurista respondesse aquele artigo (de Ives
Gandra), para colocar esse tema em pauta. Mas não se deve, na minha
opinião. Tanto que nenhum jurista respondeu. Você vê que houve um
silêncio de morte. Em geral há muito poucos juristas, de nomeada, de
direita. Quase nenhum. Os juristas são de centro, de centro-esquerda,
mas não são de direita. Não tem. Sobretudo jurista de direita que seja
nacionalmente ouvido, respeitado. É mais raro ainda. Um falou, e ficou
nele. E os chamados juristas de centro ou centro-esquerda nem ao menos
responderam, não deram bola.
O presidente do PT falou em coletiva, na última semana, sobre
violação de direitos fundamentais na Operação Lava Jato. Pessoas serem
acusadas e presas sem provas, como até o ministro Marco Aurélio do
Supremo comentou...
Na verdade, o que aconteceu desde antes do chamado mensalão – e o
mensalão foi uma prova disso – é que a esquerda tem um defeito, a meu
ver: é o desprezo pelo direito. A esquerda não dá muita importância aos
aspectos jurídicos. Tanto não dá que o Supremo (de hoje) praticamente
foi composto, em boa parte, por governos do PT. E, no entanto, como é
que o Supremo se comportou no chamado mensalão?
Vou citar um caso paradigmático: condenou, não apenas o Genoino, mas o
Dirceu de uma maneira a meu ver absurda. E tão absurda que dois
expoentes da direita, a saber, Ives Gandra da Silva Martins e depois
Cláudio Lembo – que aliás é um excelente constitucionalista, um jurista
de muito valor –, os dois disseram que a condenação do Dirceu foi sem
provas. Foi absolutamente sem prova. Foi tão escandalosa que essas duas
pessoas insuspeitíssimas se manifestaram nesse mesmo sentido. O PT e a
esquerda, de modo geral, não dão a menor bola pro direito. Agora vão ser
obrigados a dar.
O que seriam atitudes que indicariam levar o direito em consideração, pela esquerda?
Na escolha das pessoas já se vê que não tiveram cuidado. Tanto que
escolheram pessoas que foram capazes de condenar sem prova. Eles queriam
pegar o Lula, mas era demais, porque era mais fácil cair tudo. Então
pegaram quem estava mais alto abaixo do Lula: Dirceu.
Nesse sentido, o senhor considera que Dilma pode ser “pega”?
Acho que esse clima alucinado já passou. Eu tenho dito e repito: no
Brasil não há liberdade de imprensa, há meia dúzia de famílias, se
tanto, que controlam os meios de comunicação. As pessoas costumam
ingenuamente imaginar que esses meios de comunicação têm por finalidade
informar as pessoas. Não têm, são empresas, elas têm por finalidade
ganhar dinheiro. Portanto, têm que agradar aqueles que os sustentam. E
quem são? Os anunciantes. Nunca vão ter isenção. Pelo menos não num país
como o nosso.
Em países desenvolvidos têm muitas fontes de informação, o cidadão lê
livros, vai ao teatro, ao cinema, ele se ilustra. Em país
subdesenvolvido, não existe essa ilustração. Então, o que está escrito
nesses meios de comunicação entra como faca na manteiga na cabeça da
classe média alta, que é muito influente. O povão não liga, mas a classe
média alta liga. E quando é muito insistente, vai se generalizando até
para o povo. A eleição (de 2014) foi apertada, por isso estão usando
esses expedientes. Se tivesse sido uma vitória esmagadora como a do
Lula, não iam se atrever.
Curioso que o parecer de Ives Gandra é de José de Oliveira Costa, advogado de FHC...
Pois é, mas não é para estranhar. Porque o governo desse Fernando, o
que não foi defenestrado, foi o governo mais entreguista da história do
Brasil. Não há exemplos na história, que eu saiba, de um entreguismo tão
deslavado quanto no governo dele. Portanto, desse lado pode se esperar
tudo.
Em 2018, a eleição promete ser dura, não?
Promete mesmo ser muito dura. Daqui até lá tem muita água pra correr debaixo da ponte. Ainda é cedo, eu não sei como vai ficar.
A Petrobras sempre foi atacada como pretexto para se atingir governos que desagradam à elite...
Vou dar uma resposta muito pessoal: se eu tivesse dinheiro pra
investir era ação da Petrobras que eu ia comprar. Eu creio que ela vai
se levantar, que tudo isso é onda. É política, e política dos
derrotados, mas os derrotados têm em favor deles todos os meios de
comunicação. Não estou falando da Veja, porque a Veja nem considero que é
veículo de imprensa, é um veículo, digamos, de mera publicidade. Nós já
vivemos situação pior, porque hoje é esse grupinho, mas houve um
momento em que o Chateaubriand controlava tudo. Era pior ainda. Hoje
temos um grande respiradouro, que é a internet. Eu tenho uma relação de
uns 20 sites ou mais que, se achar necessário, recorro a eles. Vão da
extrema direita à extrema esquerda, para eu poder me sentir
mediocremente informado.
Completo dizendo o óbvio. Quando você vai para a França, por exemplo,
os hotéis de alguma qualidade colocam à disposição dos hóspedes dois
jornais. O Le Monde, tido como de centro-esquerda, e o Figaro, tido como
de centro-direita. Mas se ler um ou ler outro, você continua
devidamente informado. Nenhum deles te engana. Eles têm a linha deles. É
normal que haja pessoas de direita, de esquerda, de centro, de tudo.
Nenhum problema que tenham a linha deles. Mas no Brasil não é assim. No
Brasil a imprensa faz tudo pra te enganar.
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