Brasil, julho de 2014. A presidenta brasileira Dilma Rousseff com o presidente russo Vladimir Putin, depois da assinatura de novos e importantes tratados de interesse mútuo, em especial na excruciante área da defesa. Os BRICS desejam forçar o surgimento de uma nova ordem mundial, mais justa e menos covarde... |
Em um artigo publicado a alguns anos passados, o jornalista americano Andrés
Oppenheimer, referindo-se à sensação de otimismo do Brasil em função de
sua pujança econômica atual e da recente projeção internacional, disse
que faltava aos brasileiros uma boa dosagem de “paranoia construtiva”.
Ele dizia que um comportamento excessivamente otimista e complacente da
nossa parte contrasta com a atitude de outros países emergentes, como a
China e a Índia, que estão extremamente preocupados pelo fato de não
estarem se expandindo tão rapidamente quanto outros países em matéria
educação, ciência e setores da tecnologia.
Confesso compartilhar um pouco dessa preocupação, mas numa área não mencionada por Oppenheimer, a diplomacia. Apesar de termos tido, nos últimos dez anos, uma política externa absolutamente assertiva e ousada, eu acredito que o Itamaraty ainda se deixa levar por platitudes idealistas, como a crença na possibilidade de que uma ordem mundial, baseada em certo grau de justiça e na igualdade, possa estar em vias de ser estabelecida por organismo multilaterais como ONU e OMC. Ora, sabemos que a ordem internacional sempre foi tudo, menos igualitária.
Desde a Paz de Westfália, de 1648, que pôs fim à Guerra dos Trinta Anos e inaugurou o moderno sistema internacional, estão em vigor o conceito de soberania dos Estados-nações e o princípio de raison d’etat. Em conseqüência, o “equilíbrio do poder” entre os Estados – que opõe interesses concretos, não ideais moralistas – é a única forma de balancear o poder imperialista e minimizar os conflitos entre as nações. Nem mesmo a globalização conseguiu alterar essa realidade. O que conta em política internacional, portanto, é a famosa Realpolitik, a postura realista baseada na diplomacia do príncipe austríaco Klemens von Metternich. Me lembro do reação do ex-chanceler Celso Amorim quando eu lhe fiz uma pergunta invocando esse conceito: “Realpolitik? No século XXI?”, espantou-se.
Eduard Leopold von Bismarck |
O Iraque foi invadido não porque tivesse armas de destruição de massa, mas justamente porque não as tinha. Quem duvida deve responder porque então um país muito mais agressivo como a Coréia do Norte não se sente militarmente ameaçado. Outro exemplo: nos anos 1980, a simples pressão diplomática de Washington fazia o Japão voltar atrás na decisão de desvalorizar sua moeda. Se a China hoje pode resistir a pressões semelhantes não é apenas porque os EUA estão economicamente mais débeis, mas principalmente porque Pequim está sentado sobre um arsenal de cerca de 200 ogivas nucleares.
Infográfico publicado pela revista Época |
Ao
manifestar a alguns anos atrás o apoio à pretensão da Índia de ter uma cadeira permanente no
Conselho de Segurança da ONU, os EUA levaram em conta o poderio militar
daquele país. De fato, os indianos têm uma das Forças Armadas mais
poderosas dos países emergentes, contando inclusive com dissuasão
nuclear. Os EUA vêem a Índia como um contraponto militar à China no Sul
da Ásia. Já o Brasil, em vias de se tornar a 5ª economia mundial, tem
uma diplomacia ativa, mas ainda está longe de ter uma força militar
correspondente a esse protagonismo. Por isso ainda não é levado
inteiramente a sério na cena internacional. Pode enviar soldados e até
comandar Forças de Paz da ONU, como no Haiti, mas falar grosso em outras
searas ainda é visto como "petulância" pelas grandes potências
–postura, aliás, macaqueada aqui pela velha mídia e pelas “elites”
– melhor dizendo, oligarquias mal-pensantes.
Thomas Hobbes |
Felizmente,
o atual governo pôs em curso uma Política de Nacional de Defesa que
redefiniu o papel das Forças Armadas, submeteu-as de fato ao poder civil
e reverteu sua obsolescência via recriação da indústria bélica nacional
por meio de transferência de tecnologia. A compra dos caças para a FAB –
por mais enrolada que esteja – e, principalmente, a retomada do projeto
do submarino nuclear foram passos decisivos nessa direção. Como
assinala uma reportagem da revista Época assinada por Roberto
Lopes e Maria Helena Passos, "se a Amazônia subiu ao topo das
prioridades para as três forças, a proteção a riquezas emergentes no
Atlântico tende a mudar radicalmente o perfil modorrento que a Defesa
assumiu em décadas recentes. Daí a preocupação do almirante Moura Neto,
também, com a vigilância das águas, cuja exploração econômica é
reconhecida como de direito do Brasil. São 4,4 milhões de quilômetros
quadrados, ou metade do território brasileiro". No que é chamado de
"Amazônia Azul" pelos militares, continua a reportagem, figuram "as
jazidas submarinas que, entre os litorais do Espírito Santo e de São
Paulo, prometem transformar o Brasil em exportador de petróleo. E,
também, as rotas dos que atacam as tripulações de barcos mercantes, dos
contrabandistas de armas e dos traficantes de tóxicos, sob vigilância
dramaticamente precária"
Si vis pacem para bellum (se
queres a paz, prepara-te para a guerra), diziam os romanos. Por isso,
em política externa, pelo menos, Thomas Hobbes tem mais coisas a nos
dizer do que Immanuel Kant.
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