O verdadeiro programa da direita
por Silvio Caccia Bava
É um exercício de juntar as partes e buscar compreender esse
discurso, que agora se torna raivoso, de uma direita que está presente
no espaço público e nos estádios de futebol e já disputa as eleições,
com as armas que tem.
Vale tudo para tirar o PT do governo. Seu maior poder é o controle da
mídia. É por meio dela que a direita disputa a opinião pública e impõe
sua visão de mundo. A internet muda um pouco esse estado de coisas,
permitindo a expressão da pluralidade e o questionamento da realidade.
Mas ela não tem o poder da TV. Mais de 95% dos domicílios brasileiros
têm televisão. E seus moradores, todos os dias, passam horas assistindo a
uma variedade de programas, aliás, não tão variados assim.
Há vários meses está em curso uma campanha, capitaneada pelos
principais jornais e TVs, de ataques ao governo e de desgaste da
presidente Dilma, da candidata Dilma. A disputa eleitoral, que deveria
se transformar num embate entre dois projetos, não aparece assim. É um
contínuo martelar de acusações contra o governo federal: corrupção,
aparelhamento da máquina pública, má gestão, centralismo, descontrole
das obras públicas, leniência com manifestações sociais que atentam
contra a propriedade privada e quebram bancos e lojas.
A crítica ao governo federal deve ser feita, mas os problemas
apontados precisam ser enfrentados na raiz, isto é, na própria forma
como o sistema de representação política brasileira foi capturado pelo
poder econômico. Nas últimas eleições para o Congresso Nacional, 230
parlamentares eleitos foram financiados majoritariamente por menos de 5%
das empresas que se engajaram em algum financiamento eleitoral.
O presidencialismo de coalizão cobra seu preço e as distorções no
nosso sistema político representativo são reais. Mas o que se vê é a
manipulação da opinião pública. Ocorre que a verdadeira agenda da
direita concentradora tem de ficar escondida do eleitorado. Como ela
ganharia a eleição prometendo privatizações, arrocho salarial e
desemprego? Como os verdadeiros interesses não podem ser apresentados, o
foco passa a ser o combate à corrupção, a necessidade de honestidade, o
compromisso com o interesse público, a maior capacidade de gestão para
aperfeiçoar o desempenho do Estado. É o mesmo que não dizer nada. E os
recursos públicos, serão aplicados onde?
Segundo os ideólogos da direita, a economia vai mal e o país está
sendo levado para uma fase ruim. O PIB é baixo. A inflação é alta. As
exportações fraquejam. A balança comercial vai para o vermelho. O
investimento caiu. Os ativos na Bolsa de Valores e as taxas de juros
caíram. Os aumentos reais de salários e o maior investimento nas
políticas sociais pressionam os custos. O superávit primário está
ameaçado e o país caminha para um cenário de baixo crescimento que
precisa ser evitado. Esse é o discurso formulado pelo capital,
especialmente pelo setor rentista.
A proposta, na realidade, em primeiro lugar, é aumentar os juros da
dívida pública e o superávit primário. Isso para atender ao setor
rentista. Depois, reduzir salários e os benefícios previdenciários, e
flexibilizar os contratos de trabalho, destituindo direitos. O aumento
do desemprego para pressionar os salários é desejável. Haverá também
privatizações, aumento nas tarifas públicas e cortes no orçamento das
políticas sociais, abrindo espaço para as empresas privadas ampliarem
sua presença no setor. Como anunciado, o novo governo eleito assinará
tratados de livre-comércio para internacionalizar nossa economia, isto
é, abrir o mercado brasileiro ainda mais para as grandes corporações
transnacionais, destruindo a indústria nacional, o pequeno e médio
empresário. Essa abertura envolve a redução de tarifas de importação e a
livre circulação dos fluxos de capitais, tão a gosto do capital
especulativo financeiro.
E para tudo isso é necessário ganhar as eleições e assegurar o controle do Estado.
Essas propostas estão sendo aplicadas na Grécia, na Espanha e na
Itália, e não têm nada de original. Elas obedecem aos interesses e ao
comando das grandes corporações transnacionais e da acumulação
financeira. Qualquer veleidade de autonomia ou de projeto de
desenvolvimento deve ser engavetada.
Mas, como veremos nesta edição, e contrariando a análise precedente, o
brasileiro vai melhor do que antes, há mais empregos, seu salário
melhorou, as políticas sociais melhoraram. O motor da economia é, e
sempre foi, o mercado interno. A novidade não está no andar de cima, com
seu consumo de elite. A novidade está no ingresso de dezenas de milhões
de brasileiros no mundo do consumo, alimentando um mercado de produtos
de massa, circuitos curtos de produção e consumo, gerando emprego e
bem-estar. Tudo isso implicou a redução do ganho dos rentistas.
Então, neste caso, a economia vai mal para quem?
Silvio Caccia Bava é diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil
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