Num artigo denso, José Sergio Gabrielli,
ex-presidente da Petrobras, afirma o que está em jogo com o ataque à
Petrobras, propiciado pela Operação Lava Jato; "há um risco sistêmico
para a economia brasileira em razão da paralisia e inoperância dos
principais fornecedores da cadeia produtiva da estatal – em destaque o
risco de default das maiores empreiteiras brasileiras – e da
contaminação do sistema financeiro, uma vez que a maioria das
construtoras operava alavancada por empréstimos", diz ele; "Se a roda
parar de girar, o sistema cai. A crise aberta na Petrobras pode ser a
versão brasileira dos subprimes norte-americanos de 2008";
Gabrielli afirma que a política de produção de petróleo e de conteúdo
nacional enfrenta opositores desde Getúlio Vargas; ele lembra ainda que,
durante o governo Fernando Henrique, a empresa registrou lucro líquido
médio de R$ 4,2 bilhões por ano; "nos governos Lula e Dilma, a média anual passou para R$ 25,6 bilhões".
Por José Sergio Gabrielli
A Petrobras foi posta em
uma encruzilhada histórica, e os desdobramentos da investigação da
Justiça e de futuras decisões administrativas podem colocar em xeque não
só o legado dos últimos anos, mas também a sobrevivência da companhia
como big player do mercado e a política de Estado que projeta
um futuro promissor garantido pelo pré-sal. Não se trata de uma previsão
catastrofista, e sim de um alerta da real necessidade de depurar toda a
onda de ataques à imagem e à reputação da estatal e defender seu papel
estratégico para o desenvolvimento econômico do país, o legado
construído nos últimos doze anos e a sobrevivência de toda sua cadeia
produtiva.
Desde 2003, a gestão da
Petrobras levou em consideração que o Estado brasileiro tinha uma
política de longo prazo de fortalecer os interesses da União na
exploração e produção de petróleo, fomentar o crescimento de vários
setores da indústria brasileira e promover o desenvolvimento social. Com
a potencialidade de desenvolvimento da produção de petróleo, o Estado
brasileiro queria diminuir o risco da doença holandesa de ficar somente
dependente dele. Havia a necessidade de fortalecer a cadeia de
fornecedores, gerar emprego e renda em outros setores e expandir a
tecnologia nacional. Com a descoberta do pré-sal, em 2006, essas
possibilidades se potencializaram muito mais.
As diretrizes que guiaram a Petrobras até aqui – levando a resultados expressivos tanto financeiros quanto de know-how em
tecnologia – contrariam sensivelmente aqueles que defendem o modelo
privatista vigente até fins de 2002, o qual desejava a abertura da
exploração de uma riqueza brasileira exclusivamente para mãos
estrangeiras.
A Operação Lava Jato
revelou que as regras de governança empresarial são insuficientes para
detectar comportamentos criminosos. Por mais que, até aqui, se saiba que
o esquema de corrupção, embora tenha começado confessadamente nos anos
1990, envolva pessoas em acordos ilícitos que ultrapassam as fronteiras
de governança de uma empresa, somente a quebra de sigilo e as benesses
de acordos de delação premiada foram capazes de trazer à tona o modus operandi e os valores e percentuais desviados de cada contrato.
A identificação de
comportamentos criminosos por parte de alguns dirigentes da companhia
vai forçar um maior controle dos processos internos, para fortalecer o compliance com
as regras da boa governança. A direção estratégica da companhia vai
precisar, a curto prazo, se dedicar a reconquistar a confiança do
mercado financiador de seus títulos, principalmente agora, depois do
rebaixamento de seu rating no mercado. Isso significa que os
processos decisórios serão mais lentos e cuidadosos, e os objetivos mais
gerais de seu plano de investimentos serão submetidos à lógica de curto
prazo. A construção de uma cadeia de fornecedores e seus impactos
macroeconômicos serão secundarizados em relação à geração de caixa para
reduzir seu endividamento, publicar seu balanço e satisfazer seus
credores.
Numa segunda onda, não
menos importante e ainda mais devastadora, há um risco sistêmico para a
economia brasileira em razão da paralisia e inoperância dos principais
fornecedores da cadeia produtiva da estatal – em destaque o risco de default das
maiores empreiteiras brasileiras – e da contaminação do sistema
financeiro, uma vez que a maioria das construtoras operava alavancada
por empréstimos. Se a roda parar de girar, o sistema cai. A crise aberta
na Petrobras pode ser a versão brasileira dos subprimes norte-americanos de 2008.
E sabemos, de antemão,
qual é o discurso da oposição: a culpa pela perda de valor da companhia e
os impactos sobre a cadeia produtiva cairão na conta do “projeto de
poder do PT”, que se valeu do esquema de extorsão e desvio de dinheiro
público para, mais uma vez, financiar a compra de apoio político.
Estamos, portanto, diante de um jogo político que, no cenário
internacional, mexe no status quo dos grandes players do mercado de petróleo.
Por que a Petrobras está sob ataque
É preciso, portanto,
entender por que a Petrobras e o pré-sal são peças-chave nesse xadrez
político e econômico. Poucos países têm a situação do Brasil na
produção, distribuição e consumo do petróleo. Foi no Brasil a maior
descoberta de novos recursos dos últimos anos, com a identificação das
gigantescas reservas de petróleo do pré-sal. Os recursos ali
identificados representam a principal fonte de novo petróleo
convencional do mundo, com condições de produção muito favoráveis,
apesar dos desafios tecnológicos – a maior parte deles já superada – de
reservatórios especiais em águas profundas, distantes do litoral.
A Petrobras é hoje a
vanguarda na exploração em águas profundas, o que fez do pré-sal um novo
paradigma mundial. De forma surpreendente para os padrões mundiais,
sete anos depois da descoberta, a produção diária já supera os 700 mil
barris, quando o mesmo nível de produção requereu muito mais tempo
depois da descoberta no Mar do Norte, no Golfo do México ou na costa
leste da África. A Petrobras, praticamente como operadora única, foi um
sucesso de realização, introdução de sistemas produtivos e
produtividade. O pré-sal é viável com preços de equilíbrio inferiores
aos atuais preços do petróleo, que caíram para um terço de seu valor em
junho de 2014. Portanto, cai por terra o argumento muitas vezes
divulgado pela imprensa de que o pré-sal é uma promessa para o futuro.
Sua exploração é uma realidade – e muito bem-sucedida.
Poucos países têm a
situação brasileira no refino e no consumo de combustíveis. É um mercado
de derivados que cresce a taxas extraordinariamente altas em comparação
com os mercados europeus, norte-americano e japonês, com uma presença
significativa de etanol e biodiesel no fornecimento final dos
combustíveis e com uma malha logística, em um país continental, que pode
alcançar todo o território nacional. Além de ter uma taxa de
crescimento bastante alta, é, em termos absolutos, um dos maiores
mercados do mundo, o que garante, em âmbito nacional, a combinação de
oferta de fontes de petróleo cru economicamente viáveis, em volume
considerável, com parque de refino instalado e mercado consumidor ávido
para utilizar os derivados produzidos.
Esse cenário só foi
possível porque o Conselho de Administração da Petrobras soube se guiar
com precisão nos últimos doze anos, orientando os investimentos onde
eram de fato necessários – e sem perder de vista a política de Estado de
fortalecimento interno da economia e desenvolvimento social.
Poucos países têm a
situação brasileira de um sistema de geração de eletricidade que combina
a fonte hidrelétrica com um parque termelétrico fortemente lastreado na
utilização de gás natural, ao mesmo tempo que cresce a taxas
expressivas a geração eólica. Conta com uma rede de gasodutos que liga a
costa brasileira de norte a sul do país e é capaz de, conectada com a
Bolívia, ter um fornecimento de gás que consolida a contribuição da
produção brasileira, a importação via gasoduto da Bolívia e a importação
de GNL com três terminais de regaseificação instalados.
Poucos países têm a
situação brasileira de ter uma empresa como a Petrobras, que conta com o
melhor conhecimento e experiência do mundo na produção em águas
profundas, fato reconhecido pela terceira vez, dando à empresa este ano o
Distinguished Award,da prestigiada Offshore Technology Conference
(OTC), que ocorre todos os anos no Texas, Estados Unidos. A Petrobras
tem um dos melhores corpos técnicos do mundo, tem instalada uma das
maiores frotas mundiais de sistemas flutuantes de produção, com barcos
de apoio e sondas de perfuração, além de operar os sistemas submersos e a
logística de escoamento da produção de petróleo e gás de forma segura,
eficiente e rentável.
Além de sua capacidade
própria, a história da Petrobras a credencia a ser um parceiro desejado
pelas grandes companhias de petróleo, com quem ela mantém relações
produtivas de parceria. Ser a operadora única possibilita a melhor
utilização da infraestrutura já instalada, a melhor eficiência na
mobilização de recursos adequados para a solução dos desafios e a
possibilidade de atrair os melhores agentes do mercado. Possibilita
também obter vantagens da escala de compras e da definição de
estratégias de longo prazo que necessitem de expansão da capacidade de
produção do próprio setor de fornecimento de equipamentos especiais e
dedicados, como sondas de perfuração de águas profundas, equipamentos
submersos e sistemas de complementação dos sistemas de produção.
Possibilita ainda a apropriação nacional dos desenvolvimentos
tecnológicos que advêm da experiência concreta de fazer a produção
funcionar.
A descoberta de grandes
reservas de petróleo pode ser um bônus se permitir a criação de mais
riqueza e tornar possível que o país supere suas limitações de
crescimento, distribuição de renda e justiça social. Mas a mesma
descoberta também pode ser uma maldição se não permitir que outros
setores da economia cresçam, levando ao que se conhece como doença
holandesa: um setor passa a ser hipertrofiado como gerador de renda,
inibindo os outros. Como a fonte da renda é um recurso esgotável, seu
fim condena todos à miséria.
É contra esse risco que a
política de conteúdo nacional, utilizando a escala das compras para os
sistemas de produção de petróleo no país, de forma a promover a expansão
da capacidade produtiva das empresas localizadas no Brasil, possibilita
a formação de uma forte cadeia de suprimento para o setor, que irradia a
criação de emprego e renda, além da atividade de produção de petróleo e
gás.
Esse modelo sempre teve
opositores – o que vem desde os tempos de Getúlio Vargas. Inicialmente
eles eram contra a própria existência da Petrobras e se opuseram à sua
criação, defendendo que era melhor abrir o país para as operadoras
internacionais. Depois, com a quebra do monopólio nos anos 1990,
adotaram o modelo dos leilões de concessão, que, dado o risco
exploratório alto, gerava receitas para o Estado baseadas nas
expectativas que as empresas tinham sobre os ganhos futuros das
concessões e balizavam os bônus, que elas ofereciam ao Estado pelo
direito de produzir durante mais de 25 anos. A repartição de ganhos
futuros estava predeterminada.
Com o pré-sal tudo se
modificou. O risco exploratório de buscar e não encontrar petróleo era
mínimo; portanto, basear o ganho futuro do Estado nessa avaliação
riscada das empresas não era o modelo adequado. O governo brasileiro
mudou o marco regulatório e instaurou o contrato de partilha de
produção, em que o Estado partilha os ganhos futuros que surgirem da
exploração, uma vez que os riscos subsistentes do pré-sal se relacionam
com o desenvolvimento da produção, e não com a exploração.
Os opositores, claro, não
querem isso. Querem mais garantias para as empresas e menos
possibilidades de o Estado capturar parte dos excedentes de renda, que
poderão advir da continuidade da produção da imensa riqueza descoberta.
Querem retornar aos leilões de concessão, nos quais os ganhos do Estado
dependem das expectativas das empresas de qual será a receita futura do
petróleo a ser produzido. Esse é um ponto-chave para entender por que a
Petrobras passou a ser alvo de tamanha artilharia. Na prática, o marco
regulatório e o modelo de partilha dão solidez à política de Estado como
diretriz da gestão da Petrobras e dos recursos do pré-sal. O ataque à
reputação da companhia – e seu consequente efeito para o rating da
estatal junto às agências de classificação de risco – tem o objetivo de
“quebrar a espinha da Petrobras” e, assim, inviabilizar o modelo de
partilha imposto pelo marco regulatório.
Outro grave desdobramento
que se avizinha é comprometer os ganhos sociais que estão diretamente
ligados à política vigente. Em 2010, o governo brasileiro foi sábio em
criar um fundo para concentrar os ganhos advindos da exploração e
produção do pré-sal, definindo que seus rendimentos deveriam se destinar
a investimentos que transformassem o futuro do país: educação, ciência e
tecnologia e meio ambiente. Os opositores também não querem isso e
defendem apenas a manutenção dos royalties e da participação
especial, contribuição adicional que as empresas petroleiras pagam nos
leilões de concessão, para campos extremamente produtivos.
São essas conquistas que
estão sob ameaça com a atual sanha “denuncista” da mídia nacional, que
já começa a contaminar a mídia internacional. Não importam os fatos, mas
as versões e as ilações sobre os fatos. Os únicos testemunhos que valem
são dos acusadores. O ônus da prova, que deveria ser de quem acusa,
passou a ser exigido de quem é acusado. Ninguém seria em princípio
inocente, como define a Constituição. Se for dirigente da Petrobras e,
principalmente, se for do PT, você é imediatamente condenado pela mídia,
sem direito a defesa nem julgamento. É um linchamento público
gigantesco. A voz dos delatores é considerada a verdade absoluta, sem
provas e seletivamente divulgada.
Não se faz aqui,
evidentemente, a defesa dos atos ilícitos que foram confessados. Muito
pelo contrário: devem ser investigados, e os culpados, punidos. Sempre
respeitando, porém, as regras de um Estado democrático de direito e,
sobretudo, sem o viés político que se tem dado ao caso. Colocar todos os
contratos da Petrobras e o trabalho de mais de 80 mil funcionários em
suspeição é um atentado político contra a companhia e, por tabela, a
toda a sociedade brasileira, que é, de fato, dona das riquezas do
pré-sal.
Deve-se ter frieza para
analisar os fatos sem a influência política de quem tem interesses em
enfraquecer a Petrobras ou ainda em apagar o legado que se construiu nos
últimos doze anos. O que se sabe até aqui é que os atos ilícitos
confessados foram praticados fora da Petrobras, mas com a conivência de
alguns poucos funcionários. Atos que seriam praticamente impossíveis de
serem detectados por meio das regras rígidas de governança corporativa
sempre adotadas pela Petrobras. Outras grandes empresas do mundo, tanto
na área de petróleo quanto em outros setores da economia, viveram casos
parecidos recentemente, e, em momento algum, colocaram-se em xeque suas
operações. A holandesa SBM, fornecedora da Petrobras, é um exemplo. A
Siemens e a Alston, envolvidas no escândalo do trensalão tucano em São
Paulo, também.
Os supostos pagamentos
ilícitos em contratos da Petrobras não podem colocar em suspeição a
necessidade e a correção estratégica da companhia em executar cada uma
das obras em questão. Todas foram decididas, corretamente, pelo Conselho
de Administração da companhia, espelhando seu planejamento estratégico.
A construção das
refinarias de Abreu e Lima e do Comperj, ou ainda a reforma da refinaria
do Paraná (Repar), hoje demonizadas pela imprensa, são de vital
importância para que o Brasil não sofra a longo prazo com o “apagão do
refino”. São obras estratégicas para atender ao crescente mercado
doméstico de derivados de petróleo, como a gasolina e o diesel. O país
não construía uma refinaria desde 1980, e a demanda crescente, sobretudo
após 2005, impôs a urgência de ampliação do parque de refino – mesmo se
tratando de um investimento caro e demorado e com baixos índices de
rentabilidade para os acionistas.
A construção de
plataformas e de sondas de perfuração passa pela mesma lógica: sem esses
investimentos, a Petrobras não teria condições de, como já assinalado,
retirar mais de 700 mil barris por dia das reservas do pré-sal.
Os números da Petrobras
são superlativos e espelham sua grandiosidade e papel estratégico para o
país. Em fins de 2002, a companhia, que vinha sendo preparada para ser
vendida, valia cerca de US$ 15 bilhões em valor de mercado. Durante o governo Fernando Henrique, a empresa registrou lucro líquido médio de R$ 4,2 bilhões por ano. Nos governos Lula e Dilma, a média anual passou para R$ 25,6 bilhões.
O lucro anual da Petrobras seria suficiente, por exemplo, para custear o
investimento de um ano do programa Bolsa Família. Nos últimos doze
anos, o lucro líquido acumulado supera R$ 300 bilhões.
Os resultados financeiros refletem o trabalho do dia a dia. A produção de petróleo da companhia cresceu 50% de 2002 a 2014, sempre acima da média mundial. Apenas no ano passado, cresceu cerca de 7,5%,
graças aos campos do pré-sal. A Petrobras é a única petrolífera que
registrou crescimento de produção nos últimos anos em comparação com as
gigantes do mercado, como Shell, Exxon, Chevron e BP, que estão sofrendo
com a crise financeira internacional.
O número de plataformas da empresa mais que dobrou de 2002 até hoje: eram 36e agora são 82, resultado do forte investimento feito na última década. A Petrobras, que no passado investia US$ 2 bilhõespor ano, passou a investir mais de US$ 3,5 bilhõespor mês.
Essa é a empresa real –
com números reais – que querem esconder valendo-se das denúncias que
surgiram com a Operação Lava Jato, o que gerou o clima de forte
especulação que fez a companhia perder tanto valor de mercado em tão
pouco tempo. A Petrobras é uma empresa sólida, mas a campanha em curso –
em discurso uníssono na imprensa – visa enfraquecê-la. Tentam reverter
as mudanças do marco regulatório do pré-sal brasileiro, a que se
adiciona o papel geopolítico de uma petroleira brasileira enfraquecida,
com uma cadeia de fornecedores, em formação, destroçada e sem condições
de continuar competindo para formar uma indústria com conteúdo nacional
que gere emprego e renda no país.
O contexto internacional
Também não podemos perder
de vista o contexto internacional do mercado de petróleo e o papel
estratégico da Arábia Saudita. De 1973, com a crise da guerra
árabes-Israel, até 2013, o mercado vinha atuando com a Arábia Saudita
sendo o país que regulava a produção adicional sobre a demanda, de forma
a impedir quedas acentuadas de preços ou seu aumento demasiado, via
ajuste de sua produção nacional. A Arábia Saudita tem um custo de
extração do barril do petróleo relativamente baixo em relação aos preços
de venda internacional e, portanto, poderia suportar ajustes de preços
maiores do que produtores com custos mais elevados.
A Opep, que reunia os
países exportadores de petróleo, combinava essa dinâmica e internamente
ajustava a produção excedente. Nos últimos anos, em especial a partir de
2008, esse esquema começou a ser questionado.
A produção adicional proveniente dos Estados Unidos, com a expansão das técnicas de fracionamento dos reservatórios no shale gase tight oil e
a consequente disponibilidade, por meio da produção associada de
condensados equivalentes a óleo leve, tornou esse país o maior mercado
consumidor do mundo, praticamente autossuficiente de petróleo leve,
ainda que continue a importar petróleo pesado.
Por outro lado, a oferta
futura de petróleo não convencional – dos Estados Unidos e das areias
betuminosas do Canadá – e do ultrapesado da Venezuela ameaçava o
equilíbrio tradicional, em que a produção da Opep era chave. Junto com
as perspectivas de crescimento do pré-sal brasileiro, a geopolítica do
petróleo passou a considerar as mudanças de papéis de seus atores.
A Arábia Saudita se
recusa a baixar sua produção para ajustar os preços, esperando que a
queda nos valores tire do mercado – como já começa a acontecer – os
produtores norte-americanos de óleo não convencional, colocando o preço
do petróleo em níveis ameaçadores para a continuidade de alguns projetos
de produção futura de não convencionais. Essa situação ainda não chegou
a ameaçar o pré-sal brasileiro, mas já começa a afetar as economias do
Irã, da Venezuela e da Rússia, tradicionais adversários dos Estados
Unidos na política internacional.
A continuidade dos preços
baixos, no entanto, associada aos impactos no mercado financeiro da
campanha contra a Petrobras, tentando generalizar comportamentos
individuais criminosos com o comportamento da corporação, podem tornar
seu papel-chave no modelo de produção desenhado impossível de ser
executado.
Essa situação fica ainda
mais perigosa se as empresas que estão começando a se preparar para
expandir a capacidade de produção da cadeia de suprimento do setor se
inviabilizarem.
Isso é o que está em jogo
com essa campanha. Os opositores são os mesmos que foram contrários à
própria existência da Petrobras, desde seu início. O viés político que
se vê em alta no ataque à companhia é infinitamente mais perverso para o
futuro do país se comparado aos atos ilícitos até aqui descobertos. É
dever cívico alertar e deixar claro a quem interessa que há uma
Petrobras fragilizada em meio a tantas denúncias. É o futuro do Brasil
que está em jogo.
José Sergio Gabrielli de Azevedo é professor aposentado da UFBA e ex-presidente da Petrobras (2005-2012)
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