Fotos feitas em Copacabana, em 15.03.2015
Ampliar uma frente de esquerda para combater o conservadorismo
Por Paulo Pimenta*
“Se não disputamos com a sociedade o que fundamenta nossas ações, não preparamos a defesa dos valores e concepções que orientam nossas políticas e que vão muito além do nosso governo”
O 15 de março marca um momento complexo da conjuntura política
brasileira e, portanto, requer uma avaliação aprofundada acerca de sua
origem e suas implicações. Nesse sentido, a análise que fazemos é
preliminar, pois, certamente, merecerá uma formulação mais consistente
ao longo dos próximos dias.
O que assistimos neste 15 de março é uma manifestação da disputa de
classes, de valores. Um confronto que manifesta os interesses dos
setores mais conservadores da sociedade que, desde a eleição do
presidente Lula, traçavam estratégias para derrotar o projeto
democrático e popular. Essa derrota não ocorreu na última eleição, mas a
pequena margem de votos que garantiu a vitória da Presidente Dilma
gerou a ideia presente de que poderia se modificar esse resultado por
meio da pressão política e da desestabilização do governo Dilma.
Assim, propomos algumas questões centrais para análise do movimento que se forma em contraposição ao atual governo.
A primeira se refere ao entendimento sobre a disputa de projetos
políticos para o país. Os governos Lula e Dilma produziram um processo
de mobilidade social jamais visto no Brasil: milhões de pessoas saíram
da linha da pobreza e 36 milhões ingressaram na classe média. Isso
assusta a elite e os setores da classe média que temem a perda de seu
status quo. Sentem-se ameaçados por um projeto que amplia as
oportunidades de acesso por meio das políticas sociais. O que divide o
país, aproximando elite e parcelas da classe média, é a diminuição da
desigualdade social que ocorre com a garantia de condições trabalhistas
para os setores mais pobres da população (regulamentação da profissão
das empregadas domésticas é um exemplo), a redistribuição de renda por
meio do sistema tributário, a ampliação da disputa de emprego com a
entrada de amplos setores da população à educação profissional,
tecnológica e à universidade (Prouni, cotas, Mais Médicos, são
exemplos).
A outra questão para análise diz respeito aos fatores conjunturais
que se agregam a esse clima de conflito ideológico. A classe média, hoje
endividada, foi um dos setores mais beneficiados com as políticas
anticíclicas desenvolvidas pelo atual governo e, hoje, sente a perda
dessa condição. O agravamento da crise econômica faz com que o governo,
neste primeiro trimestre, recorra ao aumento de tarifas e serviços,
gerando sua insatisfação (energia elétrica, combustíveis, planos de
saúde, mensalidades escolares etc.).
Aliado a isso, a ausência de sinalização contundente do projeto de
enfrentamento à crise, garantindo a continuidade e a expansão de ações
de proteção dessa camada social, libera uma movimentação desses setores
em direção a uma elite que nunca se viu representada pelos Governos
Dilma e Lula. Mais que isso, os avanços alcançados não vieram
acompanhados de um movimento de politização das camadas populares para a
defesa de um real projeto político emancipatório. Os grupos
beneficiados pelos programas governamentais como Bolsa Família; Luz para
Todos; Minha Casa, Minha Vida; ou Prouni; em sua maioria, não têm uma
consciência social de defesa ou de reconhecimento da decisão da sua
implementação, que devem ser compreendidas como de um projeto mais amplo
de transformação social.
Mas, essas questões apontadas não podem perder de vista os elos entre
todas elas, forjando os atos do 15 de março como grande expressão
pública de protesto contra o governo e o PT. Trata-se do entendimento
acerca dos mecanismos de articulação que conduziram parcelas da
população às ruas para fazer pressão política. Trata-se de refutar,
veementemente, a tese da espontaneidade repetida pela grande mídia. Os
passos dessa movimentação são de elevado profissionalismo e clareza de
objetivos dos adversários políticos deste governo que souberam captar a
insatisfação existente com o momento econômico, insuflando um clima de
corrupção generalizada, a partir da crise na Petrobras. Importante
lembrar que há uma seletividade na indignação com a corrupção.
A grande mídia atua como elemento catalisador deste sentimento, dando
um verniz de espetáculo, com a participação dos próprios atores globais
na convocação dos atos. A massiva divulgação, todo o dia nos canais de
televisão, com um discurso do senso comum de que se tratava de ações
apartidárias, bonitas, pacíficas, funcionou como um convite à
participação. Um movimento desta magnitude envolve planejamento,
investimento, organização e financiamento. Por que esses fatos são
omitidos durante toda a transmissão?
Além disso, questões como o escândalo do HSBC, as denúncias de que as
irregularidades na Petrobras tiveram início, pelo menos, em 1997,
durante o governo FHC, ou casos de corrupção que envolvem PSDB e DEM,
como em SP, MG, DF, PR, entre outros, não ganham dimensão partidária e
são sempre tratados como condutas individuais. Isso fica evidente
quando, ontem, o PP/RS esteve à frente das manifestações contra, entre
outras coisas, a corrupção na Petrobras, sendo que todos os deputados
federais de sua bancada no estado gaúcho estão sendo investigados.
Tudo isso, cria o sentimento anti PT que se transforma em um
sentimento de ódio à democracia, reunindo outros sentimentos
autoritários, homofóbicos, racistas e reacionários que se expressaram no
dia de hoje por meio de faixas que pedem a intervenção militar, apoiam o
feminicídio, saúdam o nazismo e protestam até contra o grande educador
brasileiro, símbolo da educação popular, Paulo Freire.
Mas as respostas às manifestações de 15 de março não serão resultado
de uma equação simples, pois enfrentamos um quadro adverso. Essas
respostas passam por uma articulação do governo para, no plano imediato,
aprovar medidas de ajuste econômico que possibilitem reduzir o déficit
nas contas públicas e, no plano estrutural, aprovar medidas efetivas da
reforma do Estado brasileiro.
Isso requer a construção de um novo consenso político que possibilite
avançar, especialmente, em relação à reforma política, à reforma
agrária, à reforma tributária e à regumentação da mídia. Eis o impasse:
quem foi à rua ontem não reivindicou tais reformas. Quem bate panela na
sacada do seu apartamento no Alto Leblon não se propõe a lutar por
medidas efetivas de reforma estrutural do Estado brasileiro.
Aliás, a própria base aliada no Congresso Nacional não comunga da
mesma visão que temos sobre o conteúdo das reformas que o país precisa.
Um exemplo é o PMDB, que possui as presidências da Câmara e do Senado e a
vice-presidência da República e apresenta uma proposta de reforma
política e eleitoral diametralmente oposta a nossa numa questão central,
que é o fim do financiamento privado das campanhas eleitorais. Além
disso, PP, PR, PRB, PSD, PTB são exemplos de aliados ocasionais que
fazem acordos pontuais no contexto conjuntural e do ponto de vista
estratégico defendem bandeiras e propostas totalmente distintas das
nossas.
O pacto feito por Lula e reafirmado por Dilma, com setores produtivos
da elite brasileira está se esgotando. Em parte pelo cenário
internacional, mas, também, pela impossibilidade interna de manutenção
de incentivos e desonerações que respondiam aos interesses mais
imediatos desses setores.
Portanto, se tudo isso é verdadeiro, uma nova governabilidade é
necessária. O modelo de governabilidade baseado numa maioria parlamentar
sustentada pela troca de espaços na composição de governo está
definitivamente superado.
Para o alcance desse objetivo é preciso reaproximar as relações entre
o governo e a base social que elegeu Lula e Dilma. Para tanto, há duas
questões-chave: sustentar a transitoriedade das medidas de ajuste e
agregar a elas propostas que incluam a taxação das grandes fortunas, a
progressividade nas alíquotas do Imposto de Renda e o combate implacável
aos grandes sonegadores e à corrupção. Além disso, é preciso que o
próprio PT defina com clareza as medidas em relação aos filiados
envolvidos no caso da operação Lava Jato. Não haverá êxito na conduta do
governo contra a corrupção se o PT não for implacável nas suas questões
internas, sinalizando para sociedade esse compromisso.
Outra questão que merece destaque diz respeito à incapacidade do
nosso governo em disputar uma visão da gestão do Estado, dominado por
uma tecnocracia que se perpetua desde os governos do PSDB. Quadros
técnicos que têm uma visão política sempre são considerados vozes de
segundo valor. Assim, nossas políticas estão, cada vez mais, nas mãos da
chamada tecnocracia e aliados sem compromisso com a continuidade do
nosso projeto. Enfraquece-se a disputa em torno de concepções e
programas e ações passam a ser reduzidos a uma política de resultados,
baseada em indicadores, sem disputa de conteúdo e valores.
Portanto, se não disputamos com a sociedade o que fundamenta nossas
ações, não preparamos a defesa dos valores e concepções que orientam
nossas políticas e que vão muito além do nosso governo.
Retomar a iniciativa política com uma agenda positiva, em um cenário
complexo como esse se torna um imenso desafio. Os obstáculos são imensos
e o cenário de instabilidade que atinge a Argentina e a Venezuela
agrava, ainda mais, esta conjuntura política. Nossos adversários já
sinalizam para novas manifestações em breve, o que nos obriga a agir com
celeridade e ousadia.
*Deputado Federal (PT-RS), Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.
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