Juízes do Supremo: um governo de juízes |
Arvorando-se em interprete final e absoluto da Constituição Federal,
o STF decidiu cassar os mandatos dos deputados condenados no processo do mensalão,
passando por cima do artigo 55 da Constituição, que determina que essa
prerrogativa é exclusiva do Poder Legislativo.
Dessa maneira, o Judiciário, único
poder não eleito da República, coloca-se acima dos demais poderes, ambos eleitos pelo
povo, como se as leis e a política fossem coisa exclusiva de especialistas, como queria
Platão em sua República
oligárquica, e não do cidadão comum.
Lembremos que a desqualificação da atividade
política é o principal mote do discurso reacionário que os militares e sequazes
usaram para justificar o golpe de 1964 e a ditadura.
Aqui, trechos de um texto publicado
no blog do Rodrigo Vianna, A quem
interessa enfraquecer o Congresso?, do professor da UFMG e doutor em Direito Luiz Moreira.
[...]
Tão problemático quanto substituir as leis pela interpretação
judicial é a tentativa de afastar dos Legislativos o homem comum, imprimindo a
falsa impressão de que o político deveria ser substituído pela jurista. O que
garante a pluralidade dos Parlamentos é a legitimidade das visões de seus
membros que, por isso, representam os diversos segmentos que compõem a
sociedade.
Neste cenário é
que se insere o pós-constitucionalismo no Brasil, com seu pleito por supremacia
judicial, consubstanciada nas seguintes teses:
(1) que a Constituição é um documento jurídico e, portanto, não político;
(2) se a
Constituição é jurídica apenas, sua guarda cabe exclusivamente ao sistema de
justiça em geral e ao STF, em particular;
(3) na primazia
das sentenças sobre as leis, de modo que o controle de constitucionalidade é
transformado de “método de compatibilidade sistêmica” em expressão de tutela do
Judiciário sobre os Poderes Políticos;
(4) como a
manifestação judiciária seria mais importante que a manifestação legislativa, o
Juiz é o soberano para decidir ainda que contrariamente à lei, pois, como
defendia o teórico nazista Carl Schmitt, “soberano é quem decide no estado de
exceção”; e, finalmente,
(5) na criação de
um artifício teórico para que o STF possa negar vigência ao próprio texto da
Constituição. Para tanto, foi introduzido no Brasil um simulacro hermenêutico,
com o qual normas constitucionais sofreriam mudanças em seu sentido, de tal
modo a acarretar a revogação desse dispositivo constitucional, mas sem
manifestação do Congresso Nacional. Esse simulacro é designado como mutação
constitucional e ele é invocado para legitimar interpretações que não encontram
respaldo no texto constitucional e tem como propósito desligar os Ministros do
STF tanto de quaisquer limites interpretativos quanto de quaisquer parâmetros
normativos. Em síntese, pretendem designar uma evolução no modo de interpretar
um vocábulo para contornar uma obrigação constitucional e com isso estabelecer
um governo dos juízes.
Parece não ser por
acaso que a última vez que o STF decretou a cassação de um Deputado, sem o
assentimento da Câmara dos Deputados, tenha ocorrido na ditadura militar.
Naquela época o STF se valeu de artifício jurídico, o contido na Emenda
Constitucional nº 1, justamente a outorgada pela Junta Militar em 1969, que
emendou a Constituição de 1967, outorgada pelo General Castelo Branco. “Se a
história se repete apenas como farsa”, será este o legado do STF?
*Luiz Moreira
é Doutor em Direito e Mestre em Filosofia pela UFMG. Professor Universitário.
Diretor Acadêmico da Faculdade de Direito de Contagem.
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