Eula Pinheiro lança 'José Saramago: Tudo Provavelmente São Ficções; Mas a Literatura É Vida'
Pós-Revolução dos Cravos. A partir dos anos 1980, Saramago passou a repensar a História
Depois da perda definitiva das colônias africanas, Portugal se vê
obrigado a encarar o que restara do grande império erguido na época dos
Descobrimentos, e cuja memória teimara em persistir até a queda do
fascismo, em 1974.
É nesse momento, sobretudo nos anos 80, que a
carreira literária de José Saramago (1922- 2010) deslancha para valer.
A crise de identidade que se abatera sobre o país após a
Revolução dos Cravos incita a repensar a História e a enfrentar a
realidade presente, como o faz Saramago em Levantado do Chão, Memorial do Convento
e tantos outros romances ganhadores de prêmios e traduzidos para vários
idiomas, todos inspirados em matéria histórica, mas empenhados em
diagnosticar o tempo presente.
Saramago desenvolve a “tese” surrealista, portuguesa, que
diz: a realidade histórica é só um “texto” que cada qual lê à sua
maneira, sempre sob a perspectiva de outro texto (já sem aspas), que
remete a outro texto, e outro, e outro... como temos, por exemplo, no
pioneiro poema-livro de Mário Cesariny Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos, de 1953.
Ao tentar compreender o que se passa no presente, o português
tende a (re)ler a visão de realidade que a tradição histórico-literária
vem acumulando, de geração em geração. Se não é mais que “texto”, a
realidade estará sempre na dependência do poder de persuasão da escrita,
da linguagem ou da exuberância de estilo do escritor-intérprete. É a
essa tarefa que Saramago se dedica, com afinco e brilho invulgares, a
partir dos anos 80.
E é essa a fase da sua carreira focalizada no livro de Eula Pinheiro José Saramago: Tudo Provavelmente São Ficções; Mas a Literatura É Vida,
título que já é um parágrafo, anunciador de que é preciso rever, para
além ou aquém dos fatos históricos, as sucessivas interpretações
(ficções) formuladas pelos escritores do passado, sobretudo Camões. E
Saramago chega até Fernando Pessoa, neste livro-chave que é O Ano da Morte de Ricardo Reis.
Eula Pinheiro, estrategicamente, não discute a evolução da
longa trajetória percorrida pelo romancista, optando por se
circunscrever àquele momento especial que resultou em torná-lo
unanimidade, não só em Portugal e no Brasil, mas, após o Nobel (1998),
em várias partes do mundo.
Nos seus vários capítulos, o livro descreve, com liberdade,
os motivos histórico-literários abordados naquela série de romances,
destacando-se a veneração incondicional que a autora consagra ao
ganhador do Nobel, cujos admiradores saberão apreciar esta demonstração
inequívoca de devoção irrestrita.
CARLOS FELIPE MOISÉS É POETA (NOITE NULA, 2008), CONTISTA
(HISTÓRIAS MUTILADAS, 2010) E ENSAÍSTA (TRADIÇÃO & RUPTURA, 2012). É
EX-PROFESSOR DE
JOSÉ SARAMAGO - TUDO, PROVAVELMENTE, SÃO FICÇÕES; MAS A LITERATURA É VIDA
Autora: Eula Pinheiro
Editora: Musa (176 págs., R$ 49)
Ernesto Rodrigues/Estadão (24/11/2008)
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