O G-8, que agora volta a ser G-7, “expulsou” na semana
passada, a Rússia, depois de suspender a reunião que haveria em Sochi. A reação
do chanceler Serguei Lavrov foi a de declarar que, como grupo informal, o G-8
não pode expulsar ninguém, além de lembrar que, para Moscou, comparecer ou não
a essas reuniões não muda absolutamente nada.
Pertencer ou não ao G-8 é uma questão irrelevante para os russos, que se sentem muito mais à vontade com os BRICS- justamente o grupo que fomentou a criação do G-20, em contraposição ao clubinho que tradicionalmente reunia as maiores – e agora não tão poderosas - economias do Ocidente.
Tanto isso é verdade que os BRICS, reunidos a margem da
Cúpula de Desarmamento Nuclear, em Haia, declararam apoio à Rússia, com relação
às sanções unilaterais impostas - sem aprovação da ONU - pelos países
ocidentais.
Além disso, o Grupo também deixou claro, no comunicado
conjunto emitido ao final da reunião, que não aceitará a suspensão – anunciada
pela Ministra das Relações Exteriores da Austrália, Julie Bishop – da participação russa na próxima Conferência do
G-20, que será realizada no mês de novembro, em Brisbane.
Os BRICS controlam um quarto dos votos do G-20, no qual
costumam votar juntos, assim como no Conselho de Segurança da ONU.
Com a “expulsão” da Rússia do G-8, o que muda no mundo
pós-anexação da Crimeia?
Longe de isolar Moscou, os EUA e a UE estão conseguindo
apenas reforçar os laços que a unem ao resto do mundo, começando por Pequim,
Nova Delhi, Brasília e e Johannesburgo.
No dia 18 de março, Dimitri Peskov, o porta-voz do Kremlin,
já anunciou o que vem por aí, ao afirmar que, se a UE e os Estados Unidos
insistirem nas sanções, a Rússia irá cortar as importações de produtos europeus
e norte-americanos.
Com 177 bilhões de dólares em superávit no ano passado, e
quase 600 bilhões de dólares em reservas internacionais, a Rússia é um dos
maiores importadores de alimentos dos EUA e passaria a comprar os grãos, a
carne e o frango de que necessita do Brasil.
Com relação à questão geopolítica, a reação do Ocidente à
ocupação, pelos russos, de um território que historicamente lhes pertenceu até
a década de 1950, e que só deixou de estar associado à URSS há coisa de 30
anos, alertou e está aproximando Pequim, Moscou e Nova Delhi.
Os três tem interesse em estabelecer uma zona de estabilidade
no espaço euroasiático – Rússia e China já fazem parte do Acordo de Xangai – e
em manter os países que estão em suas
fronteiras longe da interferência ocidental.
A Alemanha - que conhece melhor os russos que os
norte-americanos - já entendeu isso.
Der Spiegel divulgou, na semana passada, que a Rússia e a
China “se preparam para assinar um acordo de cooperação político-militar” que
poderia estabelecer uma plataforma de defesa necessária à geração de um “novo
reequilíbrio de forças no âmbito mundial”.
Os chineses se abstiveram oficialmente na votação a propósito
da Resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre o referendum da Crimeia. Mas
o jornal do Comitê Central do Partido Comunista Chinês, o Renmin Ribao – Diário
do Povo, não deixou dúvidas sobre qual é a posição de Pequim, ao afirmar, em
editorial, que: “o espírito da Guerra Fria está se debruçando sobre a Ucrânia”,
o que transforma “a aproximação estratégica entre a China e a Rússia em um
fator-âncora para a estabilidade global” – e que “a Rússia, conduzida por
Vladimir Putin, deixou claro para o Ocidente, que em uma Guerra Fria, não há
vencedores”.
O que pode mudar nesse novo mundo pós- anexação da Crimeia,
para o Brasil?
Segundo maior exportador de commodities agrícolas e o
primeiro em carnes, o Brasil tem que aproveitar o momento para se posicionar
como um sócio estratégico para o abastecimento dos russos, nesse quesito,
mostrando também a chineses e indianos, grandes clientes do agronegócio
brasileiro, que é um fornecedor confiável, que pode substituir os Estados
Unidos no atendimento ao BRICS, enquanto estes não puderem alimentar seus
cidadãos com produção própria.
Fora isso, é preciso também aproveitar a era pós-Criméia para
renegociar as parcerias, do ponto de vista tecnológico e comercial, com relação
a esse Grupo, que domina mais de 40% da população e da extensão territorial e
um quarto do PIB mundial.
Ao contrário do que ocorre com a UE e os EUA, fortemente
protecionistas e intervencionistas, que sobretaxam as importações e gastam, em
áreas como a agricultura e a defesa, centenas de bilhões de dólares em subsídios,
o Brasil tem conseguido aumentar seu superávit com os outros BRICS nos últimos
anos, mesmo que ainda não tenha se inserido na cadeia de produção e consumo de
bens de maior valor agregado desses grandes mercados.
Parte disso decorre, também, da falta de estratégia e de sobrados preconceitos de
parte ponderável de nosso empresariado.
Quantos shoppings centers brasileiros existem na China? E em Moscou ou São Petersburgo? E em regiões
de altíssimo poder aquisitivo dessas cidades? Quais são as marcas brasileiras
de excelência, nos ramos têxtil, de
calçados, de perfumaria, que os chineses e os russos conhecem? Que
restaurantes, que franquias?
Pródigo em emprestar bilhões de dólares a multinacionais que
operam aqui dentro, o BNDES precisa reunir a APEX e o pessoal da área de varejo
de luxo, para estabelecer uma estratégia de inserção do Brasil nos BRICS – e de
resto na África e na América Latina - que vá além da realização de feiras e do
café, do açúcar, do couro, do minério de ferro, da soja e do suco de
laranja.
Precisamos – e o momento é propício para isso - começar a
incentivar e dar decidido apoio à internacionalização de empresas brasileiras,
para que comecemos a receber algum dinheiro do exterior - ou em breve nos
converteremos apenas em uma reserva de mercado para investidores estrangeiros,
que sugaram do país, no ano passado, em remessas de lucro, quase 30 bilhões de
dólares em reservas internacionais.
O fortalecimento da Rússia, da China e da Índia interessa ao
Brasil, não apenas do ponto de vista econômico, mas, principalmente, do
geopolítico.
Essas são as únicas nações que podem impedir, em um futuro
próximo, a consolidação do projeto anglo-saxão de domínio que promoveu um
verdadeiro assalto ao resto do mundo, nos últimos 200 anos.
Os BRICS – incluindo o Brasil – não podem derrotar os Estados
Unidos e a União Europeia.
Mas os EUA e a UE também não podem derrotar os BRICS. E para
o futuro do mundo, é isso o que importa.
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