RASGARAM ESSA LINDA BANDEIRA |
A falência de um projeto: governar o Brasil como uma potência capitalista com pequenas reformas sociais
Este é o primeiro artigo da série “Crise e degeneração do PT”, lançada na edição Nº 495 do jornal Opinião Socialista. O objetivo é oferecer ao nosso leitor uma análise sobre a história e as origens da falência do projeto petista.
Lamenta-se que o PT comemore os seus 35 anos com o mais alto índice de desprestígio, justamente aquele que deveria servir de modelo de governo socialista para a America Latina e ao mundo.
Em junho deste ano, o Partido dos Trabalhadores realiza seu Congresso
em meio a uma profunda crise. Ao comemorar 35 anos de sua fundação, o PT
vê o governo Dilma alcançar o mais alto índice de desprestígio depois
de aplicar um ajuste fiscal contra os trabalhadores.
A crise do governo e o envolvimento dos dirigentes partidários em
tremendas denúncias de corrupção na Petrobras atinge duramente o
partido. Milhões de trabalhadores se sentem enganados pelas promessas do
PT, decepcionados, traídos e se afastam da organização. A direita ganha
confiança e até mesmo setores que defendem a volta dos militares saem
às ruas para disputar a insatisfação popular.
O PT atual não é sequer uma caricatura do partido que gerou uma grande
expectativa em milhares de militantes: a de que era possível construir
um verdadeiro partido de trabalhadores, defensor dos explorados e
oprimidos, que combatesse a corrupção e fosse capaz de liderar uma
mudança social profunda no país.
Essa esperança se foi. Não se trata, portanto, de uma crise
circunstancial, passageira. É a crise de um projeto político, de uma
estratégia de governo, de um programa, de uma política de alianças, de
um modelo de partido. Diante de um abalo de tamanha proporção é preciso
buscar as explicações mais profundas para a degeneração do PT.
O PT foi se adaptando à política burguesa e terminou aplicando os
mesmos métodos que dizia combater. Isso é parte da verdade. Mas por que
se adaptaram? Por que se corromperam? Por que não houve resistência de
setores dirigentes? Qual foi a lógica política e a ideologia que
sustentaram este caminho?
A resposta a essas e outras perguntas é decisiva para o futuro da
classe trabalhadora no Brasil. A etapa aberta com a fundação do PT e da
CUT no começo dos anos 1980 chegou a um beco sem saída. É preciso
encontrar uma nova estratégia e um novo caminho que retome a luta
histórica dos trabalhadores e dos oprimidos deste país. A série de
artigos que começa neste número do Opinião Socialista se propõe a abrir
este debate.
O projeto estratégico do PT
A estratégia que norteou a política dos governos do PT nestes 13 anos
não nasceu de hoje nem foi fruto de uma traição. Foi fruto de um projeto
que começou a ser elaborado muito antes.
É verdade que em sua fundação e nos primeiros anos de sua existência, o
PT se dizia um partido que defendia os direitos dos trabalhadores e
demais setores explorados, lutava contra a ditadura militar e contra o
imperialismo (defendia, por exemplo, a ruptura com o FMI e a moratória
da dívida externa) e se autodenominava, genericamente, socialista. A
contradição é que sua direção, encabeçada por Lula, procurava desde o
início impor uma concepção de aliança com partidos burgueses para
governar.
A queda do stalinismo
A partir 1989, com a derrota de Lula diante de Fernando Collor e com a
nova situação criada a partir dos regimes stalinistas no Leste Europeu e
na União Soviética (URSS), essa concepção estratégica se impôs
plenamente. Em que consistia?
Para a direção do PT, o diagnóstico da situação mundial era claro.
Afirmava que a queda da URSS e dos demais regimes stalinistas
significava que o socialismo havia fracassado. E que, portanto, o
capitalismo tinha demonstrado ser um regime forte e poderoso,
inquestionável. Nesse quadro, o socialismo era uma utopia inalcançável.
Os trabalhadores deveriam abrir mão do objetivo de tomar o poder e
formar o seu próprio governo.
A única estratégia possível seria chegar ao governo por meio de
eleições e alianças com setores burgueses “progressistas”. Essa política
se materializou na eleição de Lula tendo como vice José Alencar, o
maior empresário têxtil do país, e, depois, nas alianças com partidos de
direita, como PMDB, PTB e até PP, para governar.
Essa estratégia obrigou o partido a defender o sistema capitalista e o
regime político antidemocrático que existe no país, isto é, a
Constituição atual, o Estado de Direito e suas instituições como o
Judiciário, o Legislativo e, principalmente, as Forças Armadas, que
defendem claramente as classes exploradoras.
Supostamente, essas alianças estariam justificadas para que um governo
do PT pudesse realizar reformas que melhorassem a situação dos
trabalhadores e diminuíssem a desigualdade social por meio de uma melhor
distribuição de renda, tirando um setor da população brasileira da
miséria absoluta.
O mito do empreendedorismo
O PT e seus governos inculcaram entre os trabalhadores a ideia de que
seria possível uma ascensão social duradoura através de políticas
distributivas. Entre elas, estavam as políticas sociais compensatórias
como o Bolsa Família. De outro lado, estava o acesso ao crédito para
facilitar o consumo, a educação superior privada (Prouni) e o
empreendedorismo individual dos pequenos negócios. Com isso, se criou o
mito de que estaria surgindo uma nova classe média.
Mas não se pode governar dentro do capitalismo sem privilegiar os donos
do capital, ou seja, as multinacionais, os bancos, as grandes
indústrias, o agronegócio e as empreiteiras. No governo, o PT fez isso
de diferentes maneiras: mantendo as altas taxas de juros que favoreceram
os bancos; aprovando isenções fiscais a setores empresariais como o
setor automobilístico; com as privatizações disfarçadas sob a forma de
concessões etc. Além disso, o BNDES atuou como instrumento de
fortalecimento de grandes grupos nacionais; as empreiteiras foram
tremendamente favorecidas com as obras de infraestrutura e da Petrobras,
e os grandes grupos privados do setor educacional foram beneficiados
com o ProUni e outros programas.
Relações internacionais
Em relação ao lugar do Brasil no mundo, a direção do PT semeou ilusões
de que o país poderia chegar a ser uma nação capitalista desenvolvida,
uma grande potência, um país soberano e independente sem romper com o
imperialismo e seus organismos e tratados. Ao contrário, em boas
relações e em acordo com os Estados Unidos.
A Carta aos Brasileiros, publicada por Lula antes das eleições de 2002,
em que ele se comprometia a respeitar os acordos firmados pelo país
(leia-se pagar a dívida externa e interna aos banqueiros nacionais e
internacionais e respeitar a propriedade capitalista), foi a
manifestação mais clara do compromisso do PT com o capital financeiro
nacional e internacional.
Cooptação das centrais sindicais
Para levar a cabo este projeto era essencial para o PT não só o apoio
dos sindicatos e dos movimentos sociais ao governo como também sua
atuação para impedir possíveis mobilizações. Para isso, utilizou várias
medidas de cooptação: ganhar os ativistas para priorizar as eleições,
ter como objetivo a eleição de parlamentares; integrar sindicalistas em
cargos de confiança e em postos chave do governo; o controle pelos
sindicatos dos fundos de pensão, como a Previ e a Funcef; destinar parte
do imposto sindical para as Centrais Sindicais etc. Com isso, as
principais centrais e grande parte dos movimentos sociais passaram a ser
meros instrumentos de desmobilização dos trabalhadores e de defesa do
governo.
Gestores da crise do capitalismo
O discurso da direção do PT procura aparentar uma mistura de reformismo
(de que é possível reformas dentro do capitalismo) com o antigo
discurso burguês nacional-desenvolvimentista. Mas por que esse discurso
não surte mais efeito e é repudiado como hipócrita por milhões de
trabalhadores?
Porque a realidade fala mais que milhares de palavras. A prática do
governo do PT é oposta ao seu discurso. O governo tem sido o principal
agente do imperialismo e da burguesia para fazer o ajuste econômico que
nada mais é que obrigar os trabalhadores a pagarem pela crise. Para
isso, o governo Dilma encabeça o ataque aos direitos sociais como o
seguro-desemprego; aumenta a tarifa de luz e os combustíveis; e coloca o
ministro da Fazenda, o banqueiro Joaquim Levy, para negociar o PL das
terceirizações no Congresso.
No governo de um Estado capitalista, o PT não pode fugir da lógica de
um gerente de negócios do capital. Quando chegam as crises produz-se,
inevitavelmente, uma redução da renda nacional. A burguesia procura
aumentar a exploração e destrói as políticas de distribuição de renda
anteriores. No plano internacional, o imperialismo aumenta a exploração
dos países dependentes para tentar superar a crise econômica mundial. O
gerente obedece as ordens dos patrões. O PT cumpre as determinações dos
verdadeiros donos do poder de Estado, defende o capitalismo e ataca os
trabalhadores. Essa é a essência da crise atual do governo.
Corrupção
O envolvimento do PT nos grandes esquemas de corrupção e na formação
dos cartéis de grandes obras e serviços, além da óbvia corrupção de seus
dirigentes, obedece à mesma lógica. A corrupção é um instrumento a
serviço da acumulação capitalista burguesa baseada na pilhagem do
Estado. Em todos os países capitalistas, no Brasil talvez de forma
exacerbada, a corrupção e o roubo fazem parte do jogo democrático. Ao se
colocar à frente do Estado burguês capitalista, a direção do PT passou a
reproduzir os métodos burgueses de gestão pública.
Uma alternativa ao PT
A conclusão é evidente: o projeto do PT faliu e entrou em crise junto
com o partido. É preciso que surja uma nova alternativa partidária que
represente os interesses históricos da classe trabalhadora. Estão
abertas as condições para que esta alternativa se desenvolva.
No entanto, não é nenhuma solução o surgimento de novos partidos de
esquerda que repitam e privilegiem a mesma estratégia do PT. Que tipo de
partido, programa e organização de classe necessitamos? Começar este
debate para construir um forte partido socialista dos trabalhadores será
uma tarefa de milhares de ativistas do movimento sindical e popular.
Esta série de artigos é nossa modesta contribuição a esta discussão.
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