Ou o Brasil acaba com a saúva…
Por Izaías Almada.
O
ditado ficou famoso no Brasil durante muitos anos: ou o Brasil acabava
com a saúva ou a saúva acabava com o Brasil. A praga destruía terras e
lavouras, dificultando o plantio e o progresso de muitos agricultores.
Não raro, a imagem metaforizava-se e era usada, como faço agora, para
indicar outros eventuais inimigos das terras brasileiras.
Muito embora na democracia
representativa formal, essa que cinicamente dizem ser ‘o governo do
povo, pelo povo e para o povo’, os partidos políticos organizados nunca
representam a 100%, do ponto de vista ideológico e programático, aquilo
que dizem ou que gostariam de representar dos extratos sociais que os
apoiam. Ainda assim será possível afirmar com alguma segurança que até o
golpe civil/militar de 1964, o quadro político partidário brasileiro
apresentava alguma coerência na representatividade dos partidos
políticos até então existentes.
PSD, UDN, PTB e outros menos
votados como o PSP, o PDC e, sobretudo o PCB (dentro ou fora da
legalidade) abrigavam em suas fileiras homens e mulheres que se
identificavam com o pensamento menos ou mais conservador, com o fascismo
ou com o comunismo ou o socialismo cristão ou ateu, o trabalhismo e por
aí afora.
A
partir de 1964, com o fechamento do Congresso e a dissolução dos
partidos legalmente constituídos o país se dividiu entre os
incentivadores e apoiantes da ditadura, os que tentaram resistir ao
arbítrio e os indiferentes, estes sempre em maior número, infelizmente.
Os vinte e um anos de ditadura e
o retorno a uma nova fase democrática, sustentada por interesses não
muito claros sobre o que fazer após o período discricionário, acabaram
por condenar o país ao registro de dezenas de partidos políticos, muitos
deles sem qualquer representatividade. Convocou-se uma Assembleia
Constituinte que deu ao Brasil sua nova Constituição com mais de 500
artigos, o que bem demonstra a colcha de retalhos a que se conseguiu
chegar. Uma democracia com 500 artigos constitucionais e centenas de
Medidas Provisórias com o passar dos anos. Imaginem uma democracia que
se rege por MEDIDAS PROVISÓRIAS.
Partidos que se formam ao abrigo
de interesses de grupos ou de personalidades discutíveis da nossa fauna
de aventureiros, muitos deles incentivados pela impunidade, pelo
apadrinhamento de caciques políticos e pelos “foros privilegiados” de
pessoas protegidas pelos cargos eletivos e votos conquistados nas urnas.
Partidos dos quais o cidadão comum mal conhece os programas. Partidos
cuja teoria e a prática são separadas por um abismo de incompetência,
falta de planejamento estratégico de uma política para o país e que,
quando conseguida, se deve ao esforço e a dedicação de alguns de seus
militantes mais atentos e audaciosos, para o bem e para o mal.
A
ruptura ideológica provocada na esquerda a partir dos anos 1980, entre
outros fatores, pela ascensão e imposição do neoliberalismo econômico, a
queda do muro de Berlim e do leste europeu, o vertiginoso crescimento
chinês e seu híbrido sistema capitalista/socialista, o desejo da América
Latina em se livrar definitivamente do atraso e de suas oligarquias
conservadoras, o fortalecimento dos BRICS, a chantagem nuclear e a
ganância sobre o petróleo do Oriente Médio, o descaso com o continente
africano, os bolsões mediáticos conservadores e fascistas espalhados
pelo mundo, o fanatismo religioso – e poderíamos citar mais alguns –
desestabilizou em todo o mundo a busca pela alternativa socialista.
O espírito da concórdia e da
anistia política substituiu, entre nós, o desejo de justiça. Somos um
país bonzinho ao invés de justo. Batemos em dependentes químicos dentro e
fora da Universidade, nos bairros periféricos das grandes cidades e
evitamos a prisão de banqueiros e empresários corruptos.
Só vamos às ruas para os
desfiles de escolas de samba e para comemorarmos os campeonatos
conquistados por nossos times de futebol. Ou o Brasil combate com
eficácia a corrupção e a impunidade ou essas acabarão de vez com o país.
***
Izaías Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A metade arrancada de mim, O medo por trás das janelas e Florão da América. Publicou ainda dois livros de contos, Memórias emotivas e O vidente da Rua 46. Como ator, trabalhou no Teatro de Arena entre 1965 e 1968.
Blog da Boitempo
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