Silêncios denunciam imprensa no caso Demóstenes
De São Paulo
O senador Demóstenes Torres, do DEM-GO |
Por Marcelo Semer*
Demóstenes Torres é promotor de justiça. Foi Procurador Geral da Justiça em Goiás e secretário de segurança do mesmo Estado.
Demóstenes Torres é promotor de justiça. Foi Procurador Geral da Justiça em Goiás e secretário de segurança do mesmo Estado.
No Senado, é reputado como um homem da lei, que a conhece como poucos.
Além de um impiedoso líder da oposição, é vanguarda da moralidade e está
constantemente no ataque às corrupções alheias. A mídia sempre lhe deu
muito destaque por causa disso.
De repente, o encanto se desfez.
O senador da lei e da ordem foi flagrado em escuta telefônica, com mais
de trezentas ligações com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, de quem teria
recebido uma cozinha importada de presente.
A Polícia Federal ainda apura a participação do senador em negócios com o
homem dos caça-níqueis e aponta que Cachoeira teria habilitado vários
celulares Nextel fora do país para fugir dos grampos. Um deles parou nas
mãos de Demóstenes.
Há quase um mês, essas revelações têm vindo à tona, sendo a última
notícia, um pedido do senador para que o empresário pagasse seu
táxi-aéreo.
Mesmo assim, com o potencial de escândalo que a ligação podia ensejar,
vários órgãos de imprensa evitaram por semanas o assunto, abrandando o
tom, sempre que podiam.
Por coincidência, são os mesmos que se acostumaram a dar notícias
bombásticas sobre irregularidades no governo ou em partidos da base,
como se uma corrupção pudesse ser mais relevante do que outra.
Encontrar o nome de Demóstenes Torres em certos jornais ou revistas foi
tarefa árdua até para um experiente praticante de caça-palavras, mesmo
quando o assunto já era faz tempo dominante nas redes sociais.
Manchetes, nem pensar.
Avançar o sinal e condenar quando ainda existem apenas indícios é o
cúmulo da imprudência. Provocar o vazamento parcial de conversas
telefônicas submetidas a sigilo beira a ilicitude. Caça às bruxas por
relações pessoais pode provocar profundas injustiças.
Tudo isso se explica, mas não justifica o porquê a mesma cautela e igual
procedimento não são tomados com a maioria dos "investigados" - para
muitos veículos da grande mídia, a regra tem sido atirar primeiro,
perguntar depois.
Pior do que o sensacionalismo, no entanto, é o sensacionalismo seletivo,
que explora apenas os vícios de quem lhe incomoda. Ele é tão corrupto
quanto os corruptos que por meio dele se denunciam.
Todos nós assistimos a corrida da grande imprensa para derrubar
ministros no primeiro ano do governo Dilma, manchete após manchete.
Alguns com ótimas razões, outros com acusações mais pífias do que as
produzidas contra o senador.
Não parece razoável que um órgão de imprensa possa escolher, por
questões ideológicas, empresariais ou mesmo partidárias, que escândalo
exibir ou qual ocultar em suas páginas. Isso seria apenas publicidade,
jamais jornalismo.
Durante muito tempo, os jornais vêm se utilizando da excludente do
"interesse público" para avançar sinais na invasão da privacidade ou no
ataque a reputações alheias.
A jurisprudência dos tribunais, em regra, tem lhes dado razão: para o
jogo democrático, a verdade descortinada ao eleitor é mais importante do
que a suscetibilidade de quem se mete na política.
Mas onde fica o "interesse público", quando um órgão de imprensa mascara
ou deliberadamente esconde de seus leitores uma denúncia de que tem
conhecimento?
O direito do leitor, aquele mesmo que fundamenta as imunidades
tributárias, o sigilo da fonte e até certos excessos de linguagem,
estaria aí violentamente amputado.
Porque, no fundo, se trata mais de censura do que de liberdade de expressão.
Marcelo Semer é Juiz de Direito em São Paulo. Foi presidente
da Associação Juízes para a Democracia. Coordenador de "Direitos
Humanos: essência do Direito do Trabalho" (LTr) e autor de "Crime
Impossível" (Malheiros) e do romance "Certas Canções" (7 Letras).
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