E
lá se foi Décio Pignatari (1927/2012). Um dos pilares do Concretismo,
poeta-tradutor-ensaísta-provocador-professor de muita gente. Deixou uma
obra cheia de lances geniais, outros nem tanto. Não li sua experiência
de ficção mais ambiciosa, confesso (o romance Panteros). Na sua ficção,
me interessa a poesia. Na sua poesia, me interessa a ficção.
Lembro uma
aula-palestra que tive com ele na ECA (Décio era professor da FAU-USP)
em que magnetizou a classe com uma exibição admirável de inteligência e
cultura. Elogiou Lenin (estávamos em 1980, estertores da ditadura
militar), falou de Leminski, de Maiakovski, de Lima Barreto, de Oswald.
Falou mal de Mário de Andrade – “O homem-que-falava-javanês do
Modernismo brasileiro” – e fiquei um pouco implicado com isso, mas
entendi o contexto.
Décio sempre quis estar na linha de frente das revoluções estéticas, sempre pronto para “épater la bourgeoisie”.
Às vezes conseguiu. Ligado em música, detectou a urgência dos
tropicalistas e defendeu todas as vanguardas. Algumas se demonstraram
vãs guardas, mas isso não vem ao caso. Era mestre em design e linguagens
visuais.
Por acaso,
conheci Décio em relatos de minha mãe. Estudaram juntos no ginásio –
primeiro grau – no velho Caetano de Campos, na Praça da República, em
São Paulo. Ela me contou que ele vinha de bonde de Pinheiros (morava em
Osasco), e tinha o apelido de Cyrano de Bergerac entre as meninas.
Retrato de
uma época (anos 40): o ensino na rede pública era o máximo. Os apelidos
exigiam certa cultura para serem entendidos (o personagem Cyrano era
narigudo e poeta). Imagine se alguém der este apelido a um adolescente
de 15 anos hoje, na rede pública ou privada! É capaz de nem o professor
de literatura entender. Aliás, não existe mais “professor de
literatura”…
O que ficou
para sempre marcado no relato singelo de minha mãe não foi o nariz. Foi o
fato de que o jovem Décio já conseguia se identificar como poeta. Não é
qualquer um que consegue esse reconhecimento na adolescência e mantém
pela vida inteira. Salve, Décio, hoje o brinde é para você! (Com
cerveja, não com babe-cola).
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