O assassinato do cacique guarani kaiowá Nizio Gomes (foto abaixo), em 18
de novembro de 2011, no acampamento da retomada do Tekoha Guaiviry,
localizado nos municípios de Aral Moreira e Ponta Porã, ambos no Mato
Grosso do Sul, chocou o país e causou repercussão internacional. Agora, o
processo contra os 19 acusados de planejar e executar o crime deixou de
correr em segredo de justiça.
Os guarani kaiowá enfrentam a pior situação entre os povos indígenas do Brasil, apresentando altos índices de suicídio e desnutrição infantil. O confinamento em pequenas parcelas de terra é uma das razões principais para a precária situação do povo. Sem alternativas, alguns tornaram-se alvos fáceis para os aliciadores de mão de obra, tornando-se escravos em usinas de açúcar e álcool.
Enquanto os índios se amontoam em reservas minúsculas, fazendeiros, muitos dos quais ocupantes irregulares de terras indígenas, esparramam-se confortavelmente por centenas de milhares de hectares. O governo não tem sido competente para agilizar a entrega aos indíe vem sofrendo pressões da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA). Mesmo em áreas já homologadas, fazendeiros-invasores se negam a sair.
A reportagem é da jornalista Verena Glass, da Repórter Brasil:
Os guarani kaiowá enfrentam a pior situação entre os povos indígenas do Brasil, apresentando altos índices de suicídio e desnutrição infantil. O confinamento em pequenas parcelas de terra é uma das razões principais para a precária situação do povo. Sem alternativas, alguns tornaram-se alvos fáceis para os aliciadores de mão de obra, tornando-se escravos em usinas de açúcar e álcool.
Enquanto os índios se amontoam em reservas minúsculas, fazendeiros, muitos dos quais ocupantes irregulares de terras indígenas, esparramam-se confortavelmente por centenas de milhares de hectares. O governo não tem sido competente para agilizar a entrega aos indíe vem sofrendo pressões da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA). Mesmo em áreas já homologadas, fazendeiros-invasores se negam a sair.
A reportagem é da jornalista Verena Glass, da Repórter Brasil:
Públicas desde o dia 8 de novembro, as investigações e a conseqüente denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contam uma história digna de romance policial, com relatos de suborno, acenos ligados à disputa do poder político (promessa de apoio à eleição de um amigo da vítima ao cargo de vereador), planejamento minucioso do crime na calada da noite, delação da amante do dono da emprea envolvida no assassinato, entre outros.
Documentos públicos fundamentados em depoimentos e investigações
revelam que a trama que levou à morte de Nizio teria começado pouco após
a retomada de um pequeno trecho da Fazenda Nova Aurora pelos kaiowá de
Guaiviry, em 1° de novembro de 2011. Vizinhos da área, os réus Idelfino
Maganha (dono das Fazendas Querência, Cachoeirinha e Figueira), Claudio
Adelino Gali (dono das Fazendas Sonho Mágico e Arueira) e Samuel Peloi
(dono da Fazenda Dois Irmãos), além do presidente do sindicato rural e
Secretário Municipal de Obras de Aral Moreira (MS), Osvin Mittanck, e
dos advogados Levi Palma e Dieter Michael Seyboth (este último, genro do
fazendeiro Maganha) teriam discutido formas para retirar os indígenas
da área. Segundo a denúncia, foram aventadas três possibilidades:
convencer o grupo a sair mediante o oferecimento de dinheiro; pedir
reintegração de posse na Justiça; ou contratar uma empresa de segurança
privada armada para promover a expulsão violenta.
Primeiro, porém, haveria a necessidade de sondar o acampamento. Para
isso, Osvin teria apresentado ao grupo o indígena Dilo, conhecido do
cacique Nizio Gomes. A missão atribuída a Dilo seria a de levantar o
número de acampados em Guaiviry e verificar se Nizio sairia em troca de
pagamento. Dilo foi três vezes ao acampamento, mas o cacique permanecia
firme: a terra pertenceu aos seus ancestrais, e lá o grupo ficaria.
Entrementes, os fazendeiros teriam contatado a empresa de segurança Gaspem (conhecida no Estado por suas ações violentas em acampamentos indígenas), comandada pelo policial militar aposentado Aurelino Arce. Com o fracasso das tentativas de suborno, o grupo teria decidido, segundo consta na denúncia do MPF acatada pelo Judiciário, pela contratação dos pistoleiros.
Um dia antes, o advogado Levi Palma e o dono da Gaspem teriam
acertado os detalhes da ação. Aurelino Arce acionara, então, seus homens
– os réus Josivam Vieira de Oliveira (vigilante), Jerri Adriano Pereira
Benites (aposentado), Wesley Alves Jardim (ajudante de pedreiro),
Juarez Rocanski (vendedor ambulante), Edimar Alves dos Reis (vigilante),
Nilson da Silva Braga (vigilante), Ricardo Alessandro Severino do
Nascimento (vigilante e gerente da Gaspem), André Pereira dos Santos
(vigilante), Robson Neres do Araújo, Marcelo Benitez e Eugenio Benito
Penzo -, enquanto Levi cuidaria da logística e reuniria, junto aos
fazendeiros locais, as armas para o ataque.
Por volta das 22h do dia 17, segundo a denúncia, o grupo de Aurelino
chegou à Fazenda Maranata, onde foi recebido pelo fazendeiro Samuel
Peloi, que lhes ofereceu um jantar. Após a refeição, já na madrugada do
dia 18, Cláudio Adelino Gali, Aparecido Sanches (seu braço direito e
capataz em sua fazenda), Samuel Peloi, Levi Palma e os 12 integrantes da
Gaspem fecharam os detalhes do ataque. Conforme testemunhas, os
fazendeiros repassaram as armas de fogo (ao menos seis, do tipo calibre
12). Decidiu-se o horário da ação e a logística de carros.
O ataque ao acampamento foi perpetrado pelos jagunços Josivan, Jerri
Adriano, Wesley, Juarez, Edimar, Nilson, Ricardo Alessandro, Robson e
Marcelo Benitez, de acordo com as investigações que sustentam a
denúncia.
A denúncia afima também que, ao chegarem na trilha que dá acesso ao
interior do acampamento de Guaviry, os homens da Gaspem abordadaram aos
gritos o cacique Nízio Gomes que, assustado, reagiu e acertou o pé
direito de Josivan com uma machadinha. Neste momento, o tiroteio
começou. Com um tiro sub-axilar, Jerri Adriano mata Nizio. Seu neto,
Jhonaton Gomes, de 15 anos, apesar de também ferido, tenta carregar o
corpo do avô, mas quando vê os pistoleiros se aproximarem, foge para o
mato. Segundo testemunhas, Jerri vai até a vítima, chuta sua cabeça e
diz: “esses índios mesmo mortos ainda nos dão trabalho”.
A seguir, Robson, Juarez, Edimar, Jerri e Wesley carregam o corpo
para fora da mata e colocam-no em uma das duas caminhonetes S-10 que
foram utilizadas para acompanhar e dar suporte à ação. O veículo que
transportou o corpo do indígena foi conduzido por Aparecido Sanches
(funcionário do fazendeiro Cláudio Gali), que estava com outras duas
pessoas (ainda não identificadas).
Após desaparecer com o corpo de Nizio, o consórcio de fazendeiros
teria montado uma estratégia para dificultar as investigações. Dois dias
depois do crime, Osvin Mittanck, Samuel Peloi e Idelfino Maganha teriam
se reunido com o índio Dilo na sede do Sindicato Rural de Aral Moreira.
Em troca de dinheiro, pagamento de advogado e apoio à sua candidatura a
vereador nas eleições de 2012, Dilo deveria dizer à Polícia Federal
(PF) que Nizio estava vivo, escondido em uma aldeia no Paraguai. Pelas
mentiras à PF, Dilo recebeu cerca de R$ 2,3 mil dos fazendeiros, apurou a
investigação; e concluiu: “o grupo de fazendeiros não poupou esforços
para corromper a citada testemunha”.
Confirmação da morte – A farsa montada pelos mandantes do assassinato de Nizio não durou muito. Uma das testemunhas-chave no processo foi Tatiane Michele da Silva, de 20 anos. Amante do dono da Gaspem, Aurelino Arce, Tatiane disse à PF que presenciou o momento em que Josivan, Juarez, Jerri e Wesley informaram a Aurelino que teriam matado um indígena durante a ação, e que o corpo já estava longe.
Depois das infrutíferas buscas por Nizio no Paraguai, Dilo acabou
confessando o esquema de mentiras, tornando-se outra testemunha-chave do
processo. Por outro lado, de acordo com a perícia, análises de sangue
coletado no local do crime não deixaram dúvidas de que Nizio foi baleado
e morto. “A despeito da não localização do corpo ou dos restos mortais,
a prova técnica e testemunhal produzidas nestes autos retratam uma
miríade de provas e indícios que permitem concluir pela materialidade do
delito de homicídio qualificado ora denunciado”, sustentou a
investigação.
Segundo o MPF, dos 19 acusados – Claudio Adelino Gali (fazendeiro),
Levi Palma (advogado), Aparecido Sanches (tratorista, homem de confiança
de Cláudio Gali e capataz de sua propriedade rural Sonho Mágico),
Samuel Peloi (fazendeiro), Idelfino Maganha (fazendeiro), Dieter Michael
Seyboth (advogado e genro de Idelfino Maganha), Osvin Mittanck
(presidente do Sindicato Rural e Secretário de Obras de Aral
Moreira/MS), Aurelino Arce (PM aposentado, proprietário da Gaspem
Segurança Ltda), Josivam Vieira de Oliveira (vigilante, agente
executor), Jerri Adriano Pereira Benites (aposentado, agente executor),
Wesley Alves Jardim (ajudante de pedreiro, agente executor), Juarez
Rocanski (vendedor ambulante, agente executor), Edimar Alves dos Reis
(vigilante, agente executor), Nilson da Silva Braga (vigilante, agente
executor), Ricardo Alessandro Severino do Nascimento (vigilante, gerente
da Gaspem Segurança), André Pereira dos Santos (vigilante, executor),
Robson Neres do Araújo, agente executor, Marcelo Benitez, agente
executor, e Eugenio Benito Penzo, motorista -, três responderiam pelo
homicídio qualificado, lesão corporal, ocultação de cadáver, porte
ilegal de arma de fogo e corrupção de testemunha; quatro, por homicídio
qualificado, lesão corporal, ocultação de cadáver e porte ilegal de arma
de fogo; e 12, por homicídio qualificado, lesão corporal, formação de
quadrilha ou bando armado, e porte ilegal de arma de fogo.
O caso corre agora na Justiça Federal de Ponta Porá (processo 0001927-86.2012.4.03.6005). Já durante o inquérito, a PF havia pedido a prisão preventiva de 18 investigados, dos quais sete continuam detidos. Os acusados foram citados para que apresentem suas respectivas defesas.
Demarcação é reivindicação antiga – A área indígena
Guaiviry vem sendo reivindicada pelos Guarani-kaiowá desde 2004. De
acordo com as lideranças, a área teria sido demarcada como indígena
ainda no século 19, mas na década de 1910, com a criação da Terra
Indígena Amambaí pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), a população de
Guaiviry foi transferida para lá e a área anteriormente ocupada,
considerada terra devoluta. Segundo o MPF, “a demarcação da terra
indígena Guaiviry é conhecido pleito dos Guarani Kaiowá em Mato Grosso
do Sul. Foi objeto, inclusive, de Termo de Ajustamento de Conduta – TAC
celebrado entre o Ministério Público Federal e a Funai em 12/11/2007, a
fim de que a autarquia indigenista enfim promovesse os tão aguardados
estudos de identificação e delimitação pertinentes, nos termos da
legislação em vigor.
Importante ressaltar que o indígena Nízio Gomes figurou como
testemunha daquele instrumento jurídico, evidenciando sua importância na
luta pelo reconhecimento das terras tradicionais da comunidade
Guaiviry”. Até o momento, o estudo da área pela Fundação Nacional do
Índio (Funai), ligada ao Ministério da Justiça, não foi finalizado.
Blog do Sakamoto
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