Ricardo Antunes no Viomundo
Na principal reportagem sobre a Ucrânia que publicou hoje, a versão digital do New York Times
diz que o Right Sector é “controverso” por causa de sua organização
“semi-militar”. Mas, como você verá abaixo, é muito mais que isso.
O papel dos nacionalistas de extrema-direita nos protestos da Ucrânia
A primeira vítima do atual conflito na Ucrânia é a verdade. Houve uma
enxurrada de informação não confirmada, selecionada, distorcida e
incorreta sobre vários aspectos tanto dos protestos quanto da política
ucraniana em geral, tanto na mídia pró-governo quanto na mídia
pró-oposição.
O papel-chave da direita radical em transformar o conflito de um
protesto pacífico em algo crescentemente violento e em colocar a Ucrânia
à beira de uma guerra civil e fragmentação foi ignorado, minimizado ou
deturpado pela mídia, políticos e especialistas, na Ucrânia e, em menor
medida, no Ocidente.
Enquanto isso, na Rússia, uma atenção muito maior na extrema-direita
inclui aparentes tentativas de associar os protestos com nacionalistas
radicais e elementos neonazistas e seus predecessores históricos da
facção de Stepan Bandera da Organização dos Nacionalistas Ucranianos,
OUN.
Os protestos começaram no final de novembro contra a decisão do
presidente Viktor Yanukovych de abandonar o acordo de associação e livre
comércio com a União Europeia. Então, a dispersão brutal de protestos
majoritariamente pacíficos de manifestantes pró-UE pela unidades da
polícia especial geraram mais protestos. Mas a direita radical jogou
papel-chave na tomada da prefeitura de Kiev e nas tentativas de atacar o
palácio presidencial em primeiro de dezembro e o Parlamento em 19 de
janeiro.
Muito da mídia ucraniana e os principais líderes de oposição
inicialmente disseram que os ataques violentos contra o palácio
presidencial e o Parlamento tinham sido liderados por agentes
provocadores a serviço do governo ucraniano ou da Rússia. Eles citaram
um canto em russo de alguns dos que atacavam como prova-chave de sua
afirmação, embora este canto seja usado por fãs extremistas de times de
futebol ucranianos, como o Dynamo Kiev.
Em contraste, a mídia ignorou a admissão na página do Right Sector do Vkontakte [Nota do Viomundo:
o Facebook deles] de que seus membros eram os que entoavam o canto. Se é
possível que provocadores possam ter sido infiltrados na liderança e em
posições das organizações de extrema-direita, é um exagero dizer que
eles controlavam a extrema-direita e lideraram os ataques.
Grupos de torcedores extremistas, de nacionalistas radicais e
organizações neonazistas, como a Trident, Patriotas da Ucrânia, Martelo
Branco e UNA-UNSO, formaram o Right Sector e participaram nos grandes
ataques violentos em Kiev e contra governos regionais. Embora o
principal partido de extrema-direita, o Svoboda, tenha se distanciado
publicamente dos ataques ao palácio presidencial e ao Parlamento, há
provas de envolvimento de ativistas do Svoboda e de organizações
associadas nos ataques.
Estes grupos de extrema-direita se consideram em várias extensões
como herdeiros da OUN ou glorificam a OUN. Alguns deles são responsáveis
por usar símbolos neonazistas, como a cruz celta e o sinal 14/88, cujos
números fazem referência a supremacistas brancos, além do “Heil
Hitler”.
No entanto, símbolos e cantos da OUN, como a bandeira vermelha e
negra, as saudações coreografadas “Glória à Ucrânia, Glória aos Heróis”,
“Glória à Nação”, “Morte aos Inimigos” e “Ucrânia acima de tudo” foram
usados muitos mais amplamente pela extrema-direita durante as ações
violentas. O Svoboda fez um comício com tochas acesas em honra ao
aniversário de Bandera, no primeiro de janeiro, diante do prédio da
Prefeitura de Kiev, que ocupa.
Muitos órgãos da mídia, políticos nacionalistas e historiadores da
Ucrânia apresentam Bandera e sua facção da OUN ...
como heróis nacionais que
lutaram pela independência da Ucrânia contra a União Soviética e a
Alemanha nazista.
Eles negam, justificam ou falsificam a colaboração da
OUN com a Alemanha nazista no início e no final da Segunda Guerra
Mundial e o envolvimento da OUN e do Exército Insurgente Ucraniano nos
assassinatos em massa de judeus, poloneses, russos e ucranianos.
Por exemplo, cerca de 1.500 judeus, ucranianos e poloneses, vítimas
de execução em massa dos nazistas, cujos restos foram exumados
recentemente em Volodymyr-Volynskyi, foram apresentados falsamente como
vítimas da [polícia política] NKVD soviética, a predecessora da KGB.
A mesma distorção acontece sobre a participação da polícia local
nestas execuções: ela era controlada pela OUN, cuja maioria se juntou ao
Exército Insurgente Ucraniano. Meu estudo demonstra que pelo menos 63%
dos líderes da OUN e do Exército Insurgente Ucraniano serviram durante a
ocupação nazista como policiais, milicianos, administradores locais,
nos batalhões Nachtigall e Roland Battalions, na divisão da SS da
Galicia, no Bergbauern-Hilfe ou colaboraram com as agências de segurança
e inteligência da Alemanha nazista, primariamente no início e no fim da
guerra.
O hitlerista Oleh Tyahnybok |
Mas seria incorreto associar os protestos na Ucrânia com a
extrema-direita. Os manifestantes violentos da extrema direita
representam uma minoria relativamente pequena. Pesquisas de opinião
mostram que o Svoboda e seu líder, Oleh Tyahnybok, são muito menos
populares entre os ucranianos que líderes não-nacionalistas de oposição
como Vitali Klitschko e Arseny Yatsenyuk e seus partidos.
Ukrainian dressed in the SS Galician Division uniform, Sunday, July 21, 2013. (photo credit: AP/Efrem Lukatsky) |
Da mesma forma, pesquisas conduzidas pelo Instituto Internacional de
Sociologia de Kiev mostram que a OUN, o Exército Insurgente Ucraniano,
Stepan Bandera e Roman Shukhevych são populares apenas entre a maioria
dos eleitores do Svoboda e residentes da Galicia, um ex-reino no oeste
da Ucrânia. A opinião positiva é minoritária entre os eleitores de todos
os outros grandes partidos, de todas as gerações e residentes de todas
as outras regiões, inclusive Kiev. Apenas 1% dos ucranianos expressam
uma visão positiva a respeito de Adolf Hitler.
It was one of several events celebrating the 69th anniversary of the founding of the UPA on 14 October 1942. Sponsored by the far right party ‘Svoboda’ and the city council of Lviv |
Ainda assim, muitos líderes de oposição e manifestantes adotaram a
saudação da OUN em Maiden [a praça central de Kiev]. Eles cooperam com o
Svoboda e não se distanciam completamente dos manifestantes violentos
da extrema-direita. Existe até apoio para os manifestantes violentos,
mas alguns pesquisadores acadêmicos dizem que o envolvimento de
nacionalistas radicais e simpatizantes neonazistas está sob pressão.
Tais ações não são compatíveis com os valores liberais e democráticos
associados com a União Europeia.
Uma resolução pacífica do conflito, com a intermediação do Ocidente e
da Rússia, cria a possibilidade de remover e escolher o presidente e o
governo através de eleições. Para o futuro da Ucrânia como um país
unitário isso é preferível que se a oposição ou o governo usarem
violência e tentarem uma estratégia de vitória total, que possivelmente
pode levar à guerra civil e à partilha de uma Ucrânia já profundamente
dividida.
*Ivan Katchanovski é professor da escola de estudos políticos e
do departamento de comunicações da Universidade de Ottawa. Ele é autor
de Cleft Countries: Regional Political Divisions and Cultures in Post-Soviet Ukraine and Moldova e co-autor de Historical Dictionary of Ukraine, Second Edition.
PS do Viomundo: Mais tarde, em declaração reproduzida no Daily Beast o autor do artigo acima — escrito antes do desfecho da crise, com a fuga do presidente eleito da Ucrânia — acrescentou:
“A extrema-direita da Ucrânia conseguiu agora um nível de
representação e influência que não tem paralelo na Europa. Um membro do
Svoboda, nome adotado pelo Partido Nacional Socialista em 2004, se
tornou ministro da Defesa. Integrantes do Svoboda também controlam o
escritório do procurador geral, a posição de vice-primeiro ministro e os
ministérios da Ecologia e da Agricultura. O Right Sector paramilitar
tem poder de fato em pelo menos algumas regiões do oeste da Ucrânia,
como Rivne e Volyn. Anriy Parubiy, o comandante da autodefesa de Maidan,
foi indicado como chefe do Conselho de Defesa e Segurança Nacional e
[Dmitro] Yarosh, líder do Right Sector, deve se tornar seu vice”.
Dmitro Yarosh |
O trecho da reportagem do New York Times reproduzido
no topo do post diz que Yarosh vai se candidatar a presidente da
Ucrânia, depois de um congresso em que grupos ultranacionalistas vão
formar um partido para competir com o Svoboda pelos eleitores de
extrema-direita.
Trecho final da reportagem do Daily Beast traz declarações de Yarosh:
“Somos contra a degeneração e o liberalismo totalitário, mas apoiamos
a moral tradicional e os valores da família, contra o culto do lucro e
da depravação”. O que Yarosh quer dizer quando fala em “degeneração” é
“homossexualismo”. Quando ele fala em “liberalismo totalitário” quer
dizer que os direitos da Nação são mais importantes que os direitos
humanos. Sítios do Right Sector usam ativamente termos estranhos como
“homoditadura liberal” quando falam sobre as sociedades modernas
ocidentais.
Free ilustration by: militanciaviva!
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