Tanques carapintadas saem nas estradas em defesa da Virgem Maria e contra o ‘anti-Cristo’
Seineldín convoca as tropas para a rebelião, em “nome da Virgem”
O ex-tenente-coronel Mohamed Alí Seineldín – autor da maioria das
rebeliões militares desde a volta da democracia na Argentina em 1983 –
faleceu aos 75 anos na capital argentina em 2009 de uma
parada cardíaca. Seineldín, condenado à prisão perpétua em 1990 pelas
mortes de civis e soldados provocadas por sua última rebelião, havia
sido indultado pelo presidente Eduardo Duhalde em 2003, dias antes de
deixar o governo. Seineldín argumentava que o objetivo de suas rebeliões
era lutar contra o “anti-Cristo”, já que recebia diretrizes “divinas”
para atuar nesse sentido.
Durante as rebeliões, seus comandados ostentavam pintura de
camuflagem de guerra, o que os tornou conhecidos pelo apelido irônico de
“carapintadas”.
Aldo Rico foi o parceiro de Seineldín nas rebeliões militares. Posteriormente, ambos brigaram. Cada um ambicionava maior protagonismo e temia a concorrência do outro
Seineldín definia a si próprio como “cristão-nacionalista”: “sou um
militante do Papa, um homem que enfrenta o imperialismo anglo-saxão, um
homem que luta sozinho”. Seineldín afirmava que não se arrependia de
suas rebeliões contra a democracia.
Desde a virada do século, as declarações de Seineldín adquiriram tons
delirantes, nas quais acusava o governo da China de querer “conquistar”
os argentinos por intermédio da “comida chinesa” que conteria – segundo
ele – substâncias hipnóticas.
Os restaurantes chineses, que espalhavam-se de forma acelerada na Argentina, seriam a ponta de lança dessa “conquista amarela”.
As declarações foram realizadas há poucos anos em uma entrevista à revista “Veintitrés”.
Seineldín afirmou que a “China Comunista” tinha planos detalhados de invadir a Argentina.
Mas, o “real” objetivo de Pequim, sustentava o golpista ex-tenente-coronel, seria “a conquista da Antártida”.
Militar golpista argentino temia invasão ‘amarela’ da Argentina e do Ocidente cristão por via da comida chinesa
O comentarista político Sergio Kiernan na época, recordou ao jornal “Página 12″: “um dos cansaços que Mohamed Alí Seineldín gerava era que tínhamos que explicar aos estrangeiros que ele não era um fundamentalista islâmico, mas sim, um fundamentalista católico”.
Segundo Kiernan, “Seineldín tentou vender seus preconceitos como ideologia”.
CIVIS MORTOS
Em 1975 Seineldín participou da “Operação Independência”, uma sangrenta campanha militar que eliminou a minúscula guerrilha existente em Tucumán, a menor província da Argentina.
Em 1975 Seineldín participou da “Operação Independência”, uma sangrenta campanha militar que eliminou a minúscula guerrilha existente em Tucumán, a menor província da Argentina.
Em 1978, a junta militar da ditadura encarregou a Seineldín a
organização de uma unidade espacial anti-subversiva para a Copa do
Mundo. Em 1982, foi enviado pelo ditador e general Leopoldo Fortunato
Galtieri na aventura do desembarque nas Ilhas Malvinas. Seineldín teve
destacada atuação no conflito desatado por Galtieri e transformou-se em
um dos heróis da Guerra das Malvinas. No entanto, volta e meia declarava
que estava tendo visões místicas e fazia os recrutas se ajoelharem para
rezar.
Nas Malvinas, suas tropas perderam e Seineldín radicalizou suas posições.
Nas Malvinas, suas tropas perderam e Seineldín radicalizou suas posições.
Seineldín negava as torturas realizadas pela Ditadura e também
afirmava que nunca haviam ocorrido sequestros de bebês, filhos dos
desaparecidos.
Posteriormente, foi adido militar na América Central. No Panamá
treinava oficiais daquele país, aos quais obrigava nadar 500 metros até
uma imagem da Virgem Maria, à qual os nadadores-oficiais tinham que
rezar em calção de banho, enquanto flutuavam.
Seineldín, meditativo, durante uma de suas rebeliões
Ao voltar de um período de dois anos como adido militar pela América
Central, Seineldín deparou-se com um cenário que o enfureceu, já que as
principais lideranças da Ditadura estavam sendo processados pelas
torturas e assassinatos de civis durante o regime militar.
A partir daí, para impedir o julgamento de seus colegas, Seineldín
protagonizou rebeliões (1987, 1988 e 1989) que desestabilizaram o
governo do ex-presidente Raúl Alfonsín (1983-89). Desta forma, forçou o
governo civil a aprovar as Leis do Perdão aos militares. Não satisfeito,
Seineldín ainda comandou uma terceira rebelião, que tomou o quartel de
Villa Martelli.
Soldado 'rebelde' carapintada, seguidor de Seineldín
Soldado 'rebelde' carapintada, seguidor de Seineldín
Em 1989 aproximou-se do então candidato presidencial Carlos Menem,
que lhe prometeu que seria o ministro da Defesa. Seineldín foi o
responsável pelo apoio que Menem teve do Exército em sua campanha.
Mas, o novo presidente não entregou o ambicionado cargo a Seineldín, que em 1990 lançou-se novamente à aventura golpista.
Mas, o novo presidente não entregou o ambicionado cargo a Seineldín, que em 1990 lançou-se novamente à aventura golpista.
Seineldín batizou o levante de “Operação Virgem de Luján”.
No dia 3 de dezembro de 1990, a menos de 70 metros da Casa Rosada, as tropas de Seineldín tomaram a sede do Estado-Maior do Exército. As tropas de Seineldín passearam ostensivamente com tanques pelos municípios da Grande Buenos Aires.
No dia 3 de dezembro de 1990, a menos de 70 metros da Casa Rosada, as tropas de Seineldín tomaram a sede do Estado-Maior do Exército. As tropas de Seineldín passearam ostensivamente com tanques pelos municípios da Grande Buenos Aires.
'Rebeldes' pintavam a face, como se estivessem em pleno conflito bélico
Um dos tanques atropelou um ônibus da linha 60 em plena estrada, na
ampla Panamericana. Cinco civis morreram nesse inesperado ataque de um
tanque de guerra a um ônibus de passageiros.
Para arrematar, metralharam dois oficiais leais às forças legalistas
(o tenente-coronel Hernán Pita e o major Federico Pedernera) no
Regimento Patrícios, uma unidade militar do bairro de Palermo.
Menem reprimiu a rebelião, e chegou a ameaçar que bombardearia o
histórico edifício. No dia seguinte, Seineldín ia à prisão, deixando
atrás de si um total de treze mortos e 350 feridos, a maioria civis.
Rebeliões militares dos anos 80 provocaram a morte de civis
Desde a prisão aproveitou que a democracia lhe permitia algo (e que a
ditadura que ele integrou havia proibido a todos): ele organizou um
partido político com nome retumbante, o “Partido Popular da
Reconstrução”. Embora pequeno, sua legenda ainda é utilizada por grupos
de carapintadas reciclados para disputar cargos nas urnas.
Foi indultado em 2003 pelo então presidente provisório Eduardo Duhalde.
Em liberdade Seineldín dedicou-se a proferir aulas sobre defesa
pessoal, tiro ao alvo, além de ser contratado por fazendeiros na
província de Santiago del Estero, no paupérrimo norte da Argentina, para
remover lavradores das terras.
Seineldín explica sua teoria sobre os planos chineses de conquista da Antártida e dos argentinos por via dos rolinhos primavera
FRASES DE SEINELDÍN
“O país foi demolido pelo indigenismo, o ecumenismo, o ecologismo e a droga”
“O país foi demolido pelo indigenismo, o ecumenismo, o ecologismo e a droga”
“As mulheres do tipo anglo-saxão são as que servem para satisfazer as necessidades dos homens”
“Os conquistadores espanhóis aqui chegaram com a espada e a
cruz. Para o quê vieram? Para matar e destruir? Não! Vieram para
converter os índios, para que estes conhecessem a Verdade”
Durante rebelião de 1988, soldado de Seineldín carrega imagem da Virgem e fuzil
MENEM E SEINELDÍN
Em 1999 Seineldín declarou à revista “Notícias” que o então presidente Carlos Menem “é um traidor”.
Em 1999 Seineldín declarou à revista “Notícias” que o então presidente Carlos Menem “é um traidor”.
Disparando o clássico “não me arrependo de nada”, Seineldín começa
alegando que sua seqüencia de levantes militares apenas “representava os
sentimentos da maioria dos oficiais”.
O místico ex-oficial sustentou que os carapintadas foram usados por
Menem: “Nós fomos para Menem o que os Montoneros foram para Perón. Menem
é o maior traidor que já houve na Argentina. E pensar que não dei bola
quando Zulema Yoma (ex-esposa do presidente Menem) alertou-me que ele me
trairia”.
Como se fosse um depoimento de amante traída, Seineldín disse à
“Notícias” que as previsões da calejada Zulema foram cumpridas: “E foi
assim mesmo, me seduziu, me usou, e me jogou no lixo”. Com amargura,
Seineldín acrescentou que “estava cego por Menem”.
Seineldín e Menem tornaram-se inimigos, mas isso não impediu que o
ex-militar mantivesse sua amizade com a ex-primeira dama: “eu a respeito
muito”, afirma.
Segundo ele, a morte de Carlos Menem Junior, o filho do presidente,
ocorrida quando seu helicóptero espatifou-se contra o chão, em março de
1985, não foi um acidente. Seineldín sustenta que foi um atentado, e
explica o motivo: “…é que Menem não cumpriu com o que devia a muitas
pessoas”.
O militar, que conseguiu obter o apoio do exército para Menem durante
a campanha presidencial de 1989, confirmou os rumores de que o
candidato queria transformá-lo em general e colocá-lo no comando do
exército ou no ministério da Defesa.
Seineldín, que um dia disse que se chegasse ao poder aplicaria como
leis os Dez Mandamentos, também defendeu a repressão exercida pela
Ditadura: “as pessoas não entendem que para defender a pátria deve-se
fazer coisas que os cidadãos não gostam”.
Apesar disso, Seineldín afirmou ser um “defensor” da Constituição.
Depois, complementou com a receita para colocar um país em ordem: “infiltrar-se na guerrilha e depois, fusilar”.
Durante a entrevista, Seineldín relatou que em 1988 levou Menem –
então um pitoresco candidato presidencial – à casa de seus pai.
“O apresentei entusiasmado, e disse a meu pai que esse era o homem que ia nos salvar. Eram o tempos do Menem de poncho e suíças. Depois que Menem foi embora, meu pai, com sabedoria árabe me perguntou: ‘e esse louco aí, de onde é que você o tirou?’. Eu pude ver que o tempo cada vez mais deu razão às palavras de meu pai…”.
“O apresentei entusiasmado, e disse a meu pai que esse era o homem que ia nos salvar. Eram o tempos do Menem de poncho e suíças. Depois que Menem foi embora, meu pai, com sabedoria árabe me perguntou: ‘e esse louco aí, de onde é que você o tirou?’. Eu pude ver que o tempo cada vez mais deu razão às palavras de meu pai…”.
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Por Ariel Palácios para o Estadão - arquivo
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