Desde que não fique limitada a Lula e chegue à própria Folha, a discussão pode fazer o Brasil avançar na ética pública.
Não gostei.
Não gostei da defesa que Zé Dirceu fez em seu blog das viagens de Lula à África.
E vejo aqui no Diário o quanto as opiniões estão divididas. Na
enquete colocada à sua direita na página principal, há um virtual empate
técnico no julgamento das viagens entre os que as reprovam, os que as
defendem e os que reconhecem a complexidade do caso mas julgam que a
mídia está exagerando.
Por tudo isso, volto ao tema.
Minha sensação é que o Brasil precisa de um choque de ética. Geral: na mídia, na política etc etc.
Outro dia escrevi o absurdo que é juízes do STH confraternizarem com jornalistas como Merval e Azevedo.
Primeiro, como os jornalistas vão tratá-los em questões espinhosas?
Com que isenção? Depois, como os juízes vão examinar casos que
porventura envolvam os jornalistas amigos?
“Jornalista não tem amigo”, disse o que talvez tenha sido o maior de
nós, Joe Pullitzer. Exatamente porque amizades interferem na maneira
como você dá, ou não dá, uma notícia.
A frase de Pulitzer vale para outras instâncias de poder. Juiz não
tem amigo. Político não tem amigo. Ou o interesse público fica em risco.
Não estou falando, evidentemente, de amizades na esfera da vida
privada. Nada contra Merval ser amigo do garçom da pizzaria que
frequenta, ou Ayres de Britto privar com o balconista da padaria.
A proximidade entre pessoas nas diferentes esferas de poder – e o
econômico, representado pelas corporações, é uma delas – deve ser
debatida com coragem e firmeza no Brasil, se quisermos avançar na ética.
Não é uma desonra. O mesmo tema tem sido debatido entre os ingleses
depois do escândalo dos tabloides. Viu-se que empresas de jornalismo e
jornalistas mantinham relação próxima demais com os políticos, por
exemplo.
Nos últimos 30 anos, todos os premiês britânicos tiveram relações estreitas com Murdoch e seus principais homens, por exemplo.
O interesse público perdeu com essa camaradagem, constataram os
ingleses. Agora, a agenda do premiê tem que registrar, publicamente,
encontros que ele tenha com, fiquemos nele como exemplo, Murdoch.
A sem cerimônia com que juízes foram a lançamentos de livros de
jornalistas no Brasil mostra quanto o tema das relações entre os poderes
tem sido pouco discutido entre os brasileiros.
Você vê pelo semblante das pessoas que não passou pela cabeça de
nenhum deles – juízes e jornalistas — que ali, numa simples cerimônia de
lançamento de livro, poderia haver um embaraço ético.
Tenho para mim que o caso da viagem de Lula é parecido: provavelmente
não ocorreu a ele quanto era complicado, eticamente, viajar a serviço
de empreiteiras que habitualmente financiam campanhas.
Observo a defesa que se faz. FHC fez várias vezes o mesmo, li. Apenas, segundo li, quem bancou foi o Itaú e não as empreiteiras.
Ora, se é verdade, o erro de FHC não absolve o de Lula. A conclusão
que se pode tirar daí, caso FHC tenha feito o mesmo, é que a mídia é
cega de um olho, o que deveria observar a conduta dos amigos, mas não
haveria novidades nisso.
A defesa de Lula feita por Dirceu é igualmente frágil. Primeiro, ele
diz que a Folha quer “imobilizar” Lula. Ora, noticiar a natureza de
certas viagens não significa o desejo de imobilizar ninguém.
Se Lula tivesse visitado a África com seus próprios recursos, e eles
lhe permitem isso, dado o tamanho de seus cachês em palestras (cerca de
200 mil reais), simplesmente não haveria notícia.
Depois, Dirceu cita Tony Blair, que faz o mesmo. Ora, Tony Blair –
para muitos um criminoso de guerra pela forma como aderiu a Bush na
destruição injustificada do Iraque – não é modelo para ninguém.
Aqui, entre os britânicos, a sofreguidão com que ele acumula moedas
com palestras desde o fim de seu governo é intensamente criticada. Blair
disputa com Thatcher o posto de britânico vivo mais detestado.
Blair, segundo Dirceu, defende com suas viagens internacionais
interesses de seu país. Ora, quem acredita nisso acredita em tudo. Blair
defende seus interesses pessoais.
Lula, na África, não foi pago para defender os altos interesses
nacionais, embora até possa ter feito isso. Foi pago para defender os
interesses das empreiteiras, e acabou defendendo os dele mesmo ao
receber pelo serviço.
Não se deve confundir interesse público e nacional com interesse corporativo e privado. É cômodo, às vezes, mas é errado.
O Brasil demanda um choque de ética.
A própria Folha, autora das denúncias, ainda hoje aceita convites de empresas para viagens internacionais.
Jornalistas da Folha que cobrem eventos como o lançamento de um novo
iPhone nos Estados Unidos estão com as despesas cobertas pela Apple, e
não pelo jornal.
Todo o caderno de Turismo é feito nessa base, ou pelo menos era, até recentemente.
É um constrangimento que o jornal imagina ter superado dando, num
rodapé, em letras pequenas, a informação de que seu jornalista viajou de
graça.
Uma das frases prediletas do velho Frias, segundo jornalistas da
Folha, era uma de Milton Friedman segundo a qual “não existe almoço
grátis.
Também não existe viagem grátis: algum tipo de conta sempre aparece.
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