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Voltar a Diderot não é fuga de cronista político de atualidades, entediado, como tantos outros que sofrem com a mediocridade de nossos tempos chochos, mas convite à reflexão. Estamos em pausa, não obstante a turbulência aparente. A História cochila no mormaço de uma tarde que se alonga, enquanto as universidades, as grandes editoras de livros, e o meio estridente da internet — em que ainda se depositam esperanças — se encontram, a cada dia mais, sob o domínio das instituições financeiras. A moeda, ficção útil à sociedade dos homens, se tornou, manipulada por seus guardiões, instrumento de dissimulada tirania. E essa tirania limita a liberdade de pensar e de criar.
Diderot, filho de um mestre cuteleiro de Langres, estava destinado ao sacerdócio, de onde escapou ainda cedo. Educado pelos jesuítas, levou algum tempo para abandonar a crença católica. Dedicou-se ao estudo das artes. Aos 19 anos, obteve o mestrado na Universidade de Paris. Depois de breve incursão no campo do direito, passou a viver aleatoriamente. Dava aulas eventuais e, como ghost writer, redigia sermões para missionários. Ao frequentar os cafés da moda, conheceu Rousseau, um ano mais velho, e os dois, que se identificavam na inquietação filosófica e na sedução pessoal, tornaram-se o centro de um grupo que daria motor ao Iluminismo. Durante anos, ele, Condillac e Rousseau se reuniam para jantar e pensar em comum, no Panier Fleuri, singular restaurante da cidade naquele tempo.
Era senhor de um talento universal. Seu conhecimento ia da alta matemática de então aos ensaios em biologia — que o fez antecipar-se a Darwin, ao discutir a capacidade da adaptação ao ambiente dos cegos, mediante o tato, e inspirar Braille. E ainda havia a sua surpreendente literatura de ficção. Diderot, no entanto, foi, antes de tudo, homem de ação.
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Ao ser convidado pelo editor André Le Breton para traduzir a discreta enciclopédia britânica de Chambers, em dois volumes, e, diante da recusa do seu autor em permitir a edição francesa, Diderot encontrou sua pólvora. Ele, Rousseau, Condillac e outros só viam uma saída para a Humanidade: a universalização do conhecimento. Decidiu-se, então, pelo ambicioso projeto da Encyclopédie e trouxe para a empreitada o químico — mas também grande humanista — D´Alembert.
Durante 21 anos, de 1751 a 1772, Diderot — sem abandonar suas múltiplas atividades e intensa vida social — empenhou-se na execução dos 17 extensos volumes da Enciclopédia. Além de rever todos os artigos e de fazer o que chamaríamos hoje “a lincagem” entre os vários verbetes para o melhor entendimento dos temas, Diderot administrou todo o processo editorial e comercial do projeto. Enfrentou a censura, e, mais do que ela, a reação da Igreja e dos aproveitadores das injustiças sociais e do obscurantismo que temiam o conhecimento da verdade pelas massas. Para não deixar dúvida de seu objetivo, Diderot deu à grande obra o subtítulo de Dictionnaire Raisonné: não se tratava de uma coleção de verbetes mas de uma incitação à liberdade de pensar sem os dogmas castradores da Igreja e seus teólogos.
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Entre todos os depoimentos da grandeza de Diderot — que vendeu sua biblioteca para Catarina II da Rússia e dela ganhou uma pensão para viver seus últimos anos — está a de uma mulher da nobreza russa, princesa de Dachkov, que o conheceu em Paris. Disse ela, em suas memórias: “O mundo não conheceu bem esse homem extraordinário. Sua paixão dominante e seus estudos só visavam a contribuir para a felicidade de seus semelhantes”.
Se André Maulraux fosse hoje o ministro da Cultura da França, provavelmente editaria nova edição raisonnée, da Enciclopédia: os verbetes científicos podem estar superados pelas novas descobertas, mas o gênio insuperável dos enciclopedistas, Diderot à frente, poderia despertar a inteligência universal da modorra em que letargia. É uma dívida da França com seu grande homem de pensamento e ação e para com a Humanidade em crise.
Postado por Mauro Santayana/Free ilustration by:militanciviva
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