Ter mostrado o cadáver do cantor não seria mais agressivo do que o apartamento revirado.
Que não se aprecie o gênero musical praticado pelo Charlie Brown Jr, é aceitável. Que não se considere Chorão um letrista à altura de Cazuza e Renato Russo – cuja equiparação foi feita causando revolta nos fãs dos dois últimos (embora nenhum dos três chegue aos pés de um Vinícius de Moraes, por exemplo) – é completamente compreensível.
Agora, entre não gostar e desrespeitar, há um pulo. Grande.
Na manhã em que o ídolo dos skatistas faleceu, foi com enorme espanto que assisti já nos telejornais do meio-dia, à exibição de fotos do interior do apartamento.
Não me recordo de ter visto tamanha rapidez em qualquer outro evento trágico envolvendo morte. De celebridade ou não.
Por que essa exposição gratuita? Foi a polícia quem fotografou e distribuiu as fotos? Por que de maneira tão rápida? (e se não foi ninguém da polícia, pior ainda. Ela permitiu que outras pessoas entrassem para fotografar?)
O caráter sensacionalista do tipo “vejam o mundo decrépito no qual vivem esses roqueiros” pareceu prevalecer ao direito de intimidade não só de Chorão mas de seus parentes.
O tal “pó branco”, as latas de bebidas, o sangue. A quem interessa?
Existe um Código de Ética no jornalismo que prega o bom senso na divulgação de imagens fortes. É necessário respeito ao impacto que podem causar nos leitores e/ou espectadores.
Tudo bem, aquelas imagens não são repugnantes do ponto de vista orgânico, porém a velocidade com que foram pulverizadas na mídia fala muito mais sobre o menosprezo pelo drama de foro íntimo da vítima. Vítima de si mesmo, aliás.
Tais imagens, a quem beneficiam? Qual o efeito positivo que a exposição trará? São perguntas básicas que jornalista nenhum se fez.
Não foram exibidas fotos do cantor no chão da cozinha onde foi encontrado sem vida. Porém, se tivessem sido mostradas essas imagens, seriam menos obscenas do que aquelas do entorno do cadáver. O ambiente no qual ocorreu a morte expôs muito mais a tragédia pessoal. E de maneira nefasta.
O que era para ser resguardado em respeito e consideração à família, tornou-se isca de audiência. Onde enfiaram o Código de Ética?
Imagens violentas nem sempre são desnecessárias e não é por acaso que um fotógrafo de guerra, Robert Cappa, tenha sido fundador da agência Magnun. Quando divulgavam-se fotos da segunda guerra mundial, dos campos nazistas, da menina correndo nua com a pele queimada pela bomba de Hiroshima, aquela era (mais uma) forma de informar e, sobretudo, confirmar o fato.
Do contrário, poderia ser questionada a veracidade da ocorrência de atrocidade (se até hoje existe gente que nega a existência do holocausto, imagine se não existissem as fotos).
Podíamos até sentir desconforto mas elas eram fundamentais, essenciais na informação.
Mas aquilo que um dia já nos serviu para verdadeiramente informar, hoje é utilizado para satisfazer uma curiosidade mórbida.
Mostrar as entranhas do apartamento naquele estado, é tão violento quanto mostrar as vísceras de alguém destripado.
Por Mauro Donato no DCM
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