Quando o Brizola se convenceu de que não chegaria à Presidência da República, consolou-se com
uma sentença: a elite brasileira teria que engolir um sapo barbudo em seu lugar. Quem estava vivo e
consciente na época se lembra do quase pânico provocado pela perspectiva do Lula no poder.
Oitocentos mil empresários fugiriam do país. Ninguém sabia ao certo o destino da sua prataria, nem de
suas cabeças. A ideia de engolir um sapo, ainda mais um sapo com uma ameaçadora barba cubana, era
revoltante. Mas, fazer o quê? Lula foi eleito legalmente, o sapo foi deglutido e empossado.
E o pior não aconteceu. Poucos empresários emigraram e os que ficaram, principalmente do setor
financeiro, não se arrependeram. E ninguém foi guilhotinado.
É verdade que o PT tratou de tornar-se mais palatável para ser eleito. Prometeu seguir o modelo
econômico vigente, com alguns ajustes na área social para honrar seu passado e seus compromissos de
campanha, mas sem fazer loucuras.
E o sapo barbudo desceu pela goela da nação com a suavidade possível. Já a sua digestão foi outra
coisa. Não se muda de dieta tão radicalmente sem consequências ao menos gástricas. Pela primeira vez
o Brasil tinha na presidência um ex-operário, vindo das lutas sindicais, que errava a concordância
verbal mas mobilizava a massa.
Com todas as suas precavidas concessões ao status historicamente quo, o PT não deixava de
representar a “classe perigosa”, como a nobreza francesa chamava os pobres antes da Revolução, no
poder, o que também não ajudava o metabolismo. A resistência do patriciado brasileiro ao PT tem
várias causas: diferenças ideológicas, interesses contrariados, medo, a própria arrogância do partido no
governo e suas quedas na corrupção, e — especialmente inadmissíveis — os seus sucessos:
distribuição de renda, políticas sociais, desemprego baixo etc. Mas o ódio ao PT só se explica como má
digestão.
Doze anos de indigestão: é compreensível a irritação causada pela eleição de mais quatro anos de PT
no governo e a continuação da praga do Brizola. Os que se manifestam contra uma suposta fraude no
pleito apertado e pedem o impeachment dos vencedores estão exercendo o direito de todo perdedor, o
de espernear. Só achei curioso ver, desfilando numa manifestação na Avenida Paulista, uma faixa que
pedia a volta dos militares ao poder.
Teoricamente, não é preciso mais de três pessoas para fazer e carregar uma faixa daquelas: uma para
pintá-la e duas para segurá-la. Fiquei pensando em quantas pessoas no desfile além das três hipotéticas
concordavam que outra ditadura militar é preferível ao PT no governo. Talvez ninguém, talvez a
maioria. Nunca se sabe o efeito da má digestão num organismo.
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