O PSD de Kassab e a frente de esquerda proposta por Cid Gomes conseguirão deter o ímpeto do PMDB? |
por Rodrigo Martins
Reconduzido à liderança do
PMDB da Câmara, o deputado federal fluminense Eduardo Cunha tornou-se
uma das principais ameaças à governabilidade de Dilma Rousseff em seu
segundo mandato. Ainda durante o período eleitoral, o pseudoaliado
demonstrou disposição de apoiar um eventual governo tucano, caso Aécio
Neves saísse vitorioso nas urnas.
O lacerdista Eduardo Cunha gosta de fazer o papel de jagunço-chefe da velha mídia. É o congressista mais tucano entre os pmdebistas (Mviva). |
Líder de um movimento que impôs duras
derrotas ao Planalto nos últimos anos, entre elas a recente derrubada do
decreto presidencial que regulamentava a atuação dos conselhos
populares, há tempos Cunha amarra uma aliança com setores insatisfeitos
da base para lastrear sua candidatura à presidência da Casa Legislativa.
Na onda do elevado grau de polarização política da última disputa
presidencial, aposta no discurso antipetista para conquistar o apoio dos
oposicionistas, que ainda avaliam a viabilidade de apresentar um
candidato próprio na disputa.
Diante da ameaça,
derrotar Cunha é a prioridade absoluta da bancada do PT, mas não há
consenso de como fazer gorar o ovo da serpente. Como o PMDB ainda não
oficializou a candidatura do deputado fluminense, alguns parlamentares
petistas acreditam que a intervenção do vice-presidente Michel Temer
possa surtir efeito, assim como a pressão de governadores peemedebistas
que precisam manter boas relações com a União. Começa, porém, a ganhar
força uma ideia alternativa para reduzir a dependência do PMDB a partir
de 2015.
“O Planalto precisa ter clareza do
tamanho e do perfil da bancada que deseja. Talvez esteja na hora de ter
uma base mais enxuta, porém mais sólida e confiável”, afirma o petista
Marco Maia, que comandou a Câmara em 2011 e 2012. A ideia é estreitar
laços com os outros partidos da coligação, entre eles PP, PR, PSD, PROS e
PRB, além de cortejar os nanicos e atrair de volta alguns parlamentares
do PTB e do próprio PMDB, emenda o deputado cearense José Guimarães,
ex-líder do PT na Casa. “O atual modelo de governabilidade faliu. É
melhor reduzir o tamanho da base e estabelecer uma carta de compromissos
com os aliados.” Na quarta 5, Dilma reuniu-se com Gilberto Kassab e
outras lideranças do PSD. A legenda, criada em 2011, sonha em dividir
com o PMDB o espectro de centro e se transformar em uma força essencial à
governabilidade de qualquer presidente.
Uma proposta
apresentada pelo governador do Ceará, Cid Gomes, vai na mesma linha das
elucubrações petistas. Filiado ao PROS e ministeriável, Gomes sugeriu a
criação de uma frente de esquerda no Congresso para assegurar a
governabilidade. Além de seu partido, integrantes de legendas como o
PDT, o PCdoB, o PSB e até do PSOL poderiam integrar o bloco. “O ideal
seria compor inicialmente uma frente que possa evoluir na sequência para
um novo partido, que resulte na fusão de algumas legendas”, afirmou o
governador após um encontro com a presidenta na terça-feira 4.
O novo grupo, imagina, poderia reunir ao
menos 10% dos parlamentares do Congresso, tamanho semelhante àquele das
atuais bancadas do PT, PMDB e PSDB. Seria um importante contraponto ao
avanço dos conservadores, que conseguiram ampliar as frentes ruralista,
religiosa e militar, à custa de um declínio dos representantes de
movimentos sociais, de direitos humanos e sindical. Reeleito, o deputado
Jean Wyllys, do PSOL, vê com simpatia a proposta. “Não há outra saída,
senão articularmos uma grande frente para apoiar as políticas
progressistas do governo e fazer uma contraposição a essa onda
reacionária, que por vezes resvala no discurso fascista, como esse
delírio de pedir o impeachment de uma presidenta que acabou de ser reeleita.”
A proposta de uma base mais enxuta
esbarra em dificuldades práticas. Com maioria simples, é possível
aprovar projetos de lei e medidas provisórias. Mas para emplacar emendas
à Constituição seriam necessários ao menos 308 votos favoráveis, número
que parece inviável sem o respaldo dos peemedebistas. “É preciso deixar
claro que não descartamos o PMDB de forma alguma. A postura de Eduardo
Cunha é que suscita tantas dúvidas e gera desconfiança”, afirma
Vicentinho, líder do PT na Câmara. “Insisto sempre neste ponto: o PMDB
não é um partido da base aliada, é governo. Somente após aprofundar o
diálogo com o vice Michel Temer e com os novos deputados e governadores
eleitos, teremos um cenário mais claro. Cunha pode até ter certo
controle sobre a bancada de deputados, mas imagino que não tenha a
totalidade.”
Após reunir parlamentares e governadores eleitos no
Palácio do Jaburu, Temer evitou endossar a candidatura de Cunha à
presidência da Câmara. “É um assunto do Congresso, e não ainda do
partido”, despistou. Durante o encontro, lideranças peemedebistas
criticaram a articulação “independente” do deputado fluminense. “Se o
PMDB agir no Congresso em meio a interesses fragmentados de grupos e
alas não terá como ocupar o espaço que é do tamanho do PMDB”, avaliou o
governador de Sergipe, Jackson Barreto. “Ou você é da base, ou não é.
Esse negócio de independência não existe”, emendou o vice-governador
eleito de Minas Gerais, Antônio Andrade.
Para minar as resistências, Cunha tem
ajustado seu discurso. “Quando a gente fez o blocão não era contra o
governo, e sim contra a hegemonia do PT”, afirmou em entrevista recente.
Composto das bancadas do PMDB, PTB, PR, PSC e Solidariedade, o chamado
“blocão” reúne cerca de 160 parlamentares que, em diferentes momentos,
se rebelaram contra o governo. Essa é a principal base de apoio do
deputado, que costura suas alianças de baixo para cima e por vezes
surpreende os líderes partidários.
Não se trata, contudo, de um grupo tão
coeso como gosta de propalar. Candidata mais votada para a Câmara em
todo o Brasil, Clarissa Garotinho, do PR, filha do ex-governador Anthony
Garotinho, promete seguir os passos do pai e fazer renhida oposição ao
líder do PMDB. “O meu voto ele não vai ter. Vou trabalhar para que a
bancada do PR esteja no campo de oposição a Cunha. Não concordo com os
métodos. O Congresso precisa ter autonomia, independência e harmonia com
o governo federal, mas de maneira alguma devemos ter no comando um
chantageador-geral da República.”
Desde 2006, um acordo garante o
revezamento das duas maiores bancadas, PT e PMDB, na presidência da
Câmara. Após a gestão do peemedebista Henrique Eduardo Alves, os
petistas reivindicam o posto. Os nomes mais cotados são de Arlindo
Chinaglia e Marco Maia, que já comandaram a Casa e têm boa interlocução
com a base. Uma ala do partido defende a candidatura de Guimarães. “Nada
está definido”, diz Maia. “Uma das possibilidades é o PT abrir mão do
posto por dois anos, para o PMDB ou para outra legenda aliada. Na medida
em que Cunha rejeita qualquer diálogo conosco, entendo que estamos
liberados para outras alianças.”
Na quinta-feira 6, Vicentinho reuniu a bancada petista
para uma consulta sobre as diferentes alternativas na sucessão. À noite,
Dilma os receberia num jantar de confraternização, assim como os novos
parlamentares e governadores eleitos do partido. A estratégia da
legenda, espera-se, deve ser definida até 13 de novembro, quando o PT
realizará um seminário em Brasília.
“Precisamos de um nome capaz de unir a
base, seja ele petista ou não. Na verdade, estamos bastante atrasados.
Cunha constrói sua plataforma há tempos. Cresceu muito por assumir o
papel de porta-voz dos insatisfeitos da base e peitar o governo num
momento em que as relações entre o Executivo e o Legislativo estavam
estremecidas”, afirma Chinaglia. “O jogo está no começo, e será
disputado entre os incluídos. Muita gente se esquece, mas cerca de 40%
dos atuais deputados não estarão mais aqui em 2015”.
*Reportagem publicada originalmente na edição 825 de CartaCapital, com o título “Correlação de forças”
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