De 26 de outubro até a semana que finda, foram cerca de 40 dias de ameaças explícitas de impeachment de Dilma Rousseff
O ano vai terminando e, com ele, a mais bizarra quarentena
pós-eleitoral da redemocratização. De 26 de outubro até a semana que
finda, foram cerca de 40 dias de ameaças explícitas de impeachment de
Dilma Rousseff, feitas não só à luz do sol, mas em rede nacional de
rádio e tevê, nas colunas, reportagens e editoriais dos grandes jornais.
Na verdade, as ameaças começaram antes mesmo de ser proclamado o
resultado das urnas. Em 26 de outubro, na Globo News, enquanto o Brasil
ainda votava, Merval Pereira, Gerson Camarotti e Renata Lo Prete
conversavam abertamente sobre impedimento de uma presidente que estava
para ser reeleita com vantagem parecida com a que Barack Obama derrotou
Mitt Romney em 2012 (51,01% do democrata contra 47,16% do republicano).
Se nos EUA 5 milhões de votos de vantagem constituem vitória clara,
no Brasil os 3,5 milhões de vantagem que reelegeram Dilma vêm sendo
tratados como nada, de forma que os 54,5 milhões de votos que a
presidente teve chegam a parecer menos do que os 51 milhões de Aécio
Neves.
Em 4 de novembro, Aécio Neves é recebido com festa no Congresso, como
se tivesse vencido a eleição presidencial. A partir dali, mídia e
oposição começam uma campanha que pareceu acreditar que seria possível
derrubar a presidente da república.
No Congresso e na mídia, a primeira aposta dos golpistas foi na
ultrapassagem do teto de gastos previsto na Lei de Diretrizes
Orçamentárias, com proposta de pedir o impeachment de Dilma por violação
da Lei de Responsabilidade Fiscal. O PSDB chegou a alugar ônibus e
contratar manifestantes para empastelar a Câmara dos Deputados e, assim,
obrigar os parlamentares e rejeitarem o que a mídia chamou de "manobra
fiscal", ou seja, aumento do limite de gastos do governo neste ano.
A oposição conseguiu prorrogar por algumas semanas a aprovação da elevação do teto de despesas, mas, nesta semana, finalmente o processo foi concluído e, assim, os devaneios golpistas sobre "impeachment por crime de responsabilidade" foram enterrados.
Em meados do mês passado, porém, começou a se conformar um outro
devaneio golpista envolvendo, agora, as contas de campanha de Dilma
Rousseff. À diferença de outros períodos pós eleitorais, armou-se uma
enorme celeuma sobre os gastos de Dilma. Essa celeuma baseou-se em nada.
Tudo começou quando, de forma absolutamente inexplicável, as duas
prestações de contas da campanha de Dilma – a dos gastos da campanha
reeleitoral da presidente e a dos gastos do PT com a campanha da
presidente – caíram nas mãos do notório inimigo do PT no Supremo, Gilmar
Mendes. No mesmo dia, na mesma hora, dois "sorteios" fizeram aquelas
contas caírem nas mãos do ministro ligado ao PSDB.
A partir dali, armou-se uma celeuma que fez a prestação de contas de
campanha de Dilma ir parar nos telejornais e nas primeiras páginas dos
jornais. Do Jornal Nacional à Folha de São Paulo, parecia haver alguma
coisa de muito errada com aquelas contas.
Para que se tenha uma ideia da celeuma em torno das contas da
petista, nos primeiros 40 dias após as eleições de 2010 o jornal Folha
de São Paulo publicou apenas uma matéria
sobre o assunto. Concessionárias de serviços públicos fizeram doações
para várias campanhas e, entre elas, a de Dilma e isso mereceu uma
matéria discreta daquele jornal.
Em 2014, por razão que ainda não se sabe qual é Gilmar Mendes,
relator das contas de Dilma, requisitou técnicos do TSE, da Receita, do
Tribunal de Contas da União, enfim, um pequeno exército para fazer o que
ele mesmo qualificou como "devassa" nas contas eleitorais da
presidente.
Previsivelmente, começaram a surgir matérias e mais matérias
levantando suspeitas sobre a prestação de contas eleitorais da campanha
de Dilma. Só nesta semana, foram três manchetes de primeira página da
Folha de São Paulo sobre o assunto. Uma delas, foi manchete principal.
Ao todo, de 26 de outubro para cá a Folha publicou QUATORZE matérias
sobre as contas de campanha de Dilma, sendo três com chamada na primeira
página. Isso sem falar do que fizeram O Globo, Estadão, Veja, Jornal
Nacional etc.
No dia 18 de novembro, às 8 horas e vinte minutos o jornalista Luis Nassif publicou em seu blog o post "Armado por Toffoli e Gilmar, já está em curso o golpe sem impeachment".
No texto, Nassif denuncia um "sorteio" da análise das contas de
campanha de Dilma que equivaleu a um raio cair duas vezes no mesmo
lugar, segundo palavras do jornalista.
Alertado por Nassif, este Blog tratou de investigar com as suas
fontes as informações sobre um golpe iminente no TSE e no mesmo dia 18
de novembro, só que às 20 horas e 55 minutos (cerca de 12 horas depois),
aqui foi publicado um post que endossou a denúncia do colega de
blogosfera, sob o título "Explicação para os atos de Toffoli e as chances de Dilma".
Tanto este Blog quanto o de Nassif foram contestados por setores da
blogosfera. Os dois "sorteios" consecutivos que fizeram "um raio cair
duas vezes no mesmo lugar" seriam, apenas, "coincidência" e, apesar do
estardalhaço inédito da mídia sobre contas de campanha de um presidente
eleito no momento imediatamente posterior à eleição, tudo isso seria
"normal".
O aumento exponencial do estardalhaço sobre as contas de campanha de
Dilma nesta semana (com TRÊS primeiras páginas da Folha e tantas outras
em outros jornais), porém, fez o país cair em si: havia mesmo alguma
coisa muito estranha neste ano.
Os relatos dos jornais sobre a inquietude no PT – que não viu
"alarmismo" nenhum nas suspeitas de que estava sendo tramado um "golpe
paraguaio" no TSE – fizeram o partido, mais uma vez desprezando a tese
sobre "alarmismo", contratar uma auditoria independente para emitir um
parecer sobre as contas eleitorais da presidente.
A empresa de auditoria MGI SENGERWAGNER Auditores Independentes
emitiu Relatório de Revisão Especial sobre o Parecer Técnico Conclusivo
do TSE que recomendou a desaprovação das contas da campanha de Dilma
Rousseff e do PT.
Em conclusão final, o auditor Cláudio Wagner afirmou que:
"(...) a recomendação da Assessoria de Exame de Contas Eleitorais e
Partidárias – ASEPA, no sentido da desaprovação da prestação de contas
apresentada pela candidata Senhora Dilma Vana Rousseff ao cargo de
Presidência da República, e seu Vice Presidente, Senhor Michel Miguel
Elias Temer Lulia, e totalmente descabida, uma vez que a quantidade de
erros materiais contida no Parecer Técnico Conclusivo tornou o mesmo
praticamente imprestável para suportar tal recomendação (...)".
Para ler o trabalho da auditoria independente, clique aqui
As denúncias da Blogosfera surtiram efeito, jogando luz sobre o golpe
tramado e ensaiado, como mostram os fatos supracitados. E ajudaram a
impedir esse golpe. Assim sendo, as mesmas fontes que avisaram este Blog
sobre o golpe iminente, na manhã da última quinta-feira avisaram que a
intentona iria fracassar, o que fez o autor desta página passar a
notícia adiante logo em seguida, via redes sociais.
Com efeito, se não fossem suficientes todos os fatos já elencados sobre a tentativa de "golpe paraguaio" , o pedido do vice-procurador-geral Eleitoral, Eugênio Aragão, para que Gilmar Mendes não fosse o relator das contas de Dilma, somado ao aval
que essa mesma autoridade deu àquelas contas na véspera do despacho de
Gilmar Mendes, na noite da última quinta-feira, eximem de qualquer
dúvida esse caso.
Para coroar tudo isso, na sessão do TSE em que Gilmar Mendes teve que
aprovar "com ressalvas" as contas de campanha de Dilma, ele passou
recibo e chegou a citar as denúncias do jornalista Luis Nassif e dos
"outros blogs sujos".
A quem ainda tem alguma dúvida sobre o plano de aplicar um "golpe
paraguaio" contra Dilma via TSE, este Blog pede que procure nos
escaninhos da própria memória sobre estardalhaço igual sobre as contas
de campanha de um presidente eleito durante a quarentena que sucedeu
alguma das eleições do pós-redemocratização. Adianta-se que não
encontrará.
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