por : Joaquim de Carvalho
Esta
é uma nova reportagem da série do DCM sobre o processo de sonegação da
Globo na compra dos direitos da Copa de 2002. As matérias foram
patrocinadas pelos leitores através de crowdfunding. Leia aqui as demais reportagens.
No
dia 2 de janeiro de 2007, quando o processo da TV Globo desapareceu dos
escaninhos da Receita Federal, no Rio de Janeiro, a empresa devia ao
Fisco mais de R$ 615 milhões, incluindo juros e multas, pela sonegação
de impostos devidos pela aquisição dos direitos de transmissão da Copa
do Mundo em 2002. Quase oito anos depois, ainda permanecem sem resposta
duas perguntas essenciais: a Globo quitou o débito? Se quitou, quanto
deixou nos cofres da Receita Federal?
A resposta está no inquérito da Polícia Federal registrado sob número 0017221-36.2014.4.02.5101 na 8ª Vara Federal Criminal no Rio de Janeiro. Mas é impossível ter acesso a ele. O inquérito foi arquivado sob segredo de justiça. Para o público, só está disponível a decisão da juíza, que atendeu à manifestação do Ministério Público e da Polícia Federal.
A decisão, assinada pela juíza Valéria Caldi Magalhães, tem uma só página e a palavra Globo ou Globopar não aparece uma única vez.
“Tratando-se de procedimento meramente investigativo, em que exerce o Judiciário apenas tarefa anômala de fiscalização das manifestações ministeriais de arquivamento ou de garantia de direitos individuais constitucionalmente assegurados, incumbe à autoridade que conduziu as investigações adotar as medidas necessárias à atualização de registros que ela própria inseriu”, escreveu a juíza.
Um criminalista a quem mostrei a sentença disse que o Poder Judiciário se comportou como Pôncio Pilatos (“lavou as mãos”), mas no direito brasileiro o caminho é esse mesmo. Quem investiga é a Polícia e o Ministério Público.
No inquérito da Globo, a juíza deixou uma brecha para que a investigação seja retomada, ao escrever que sua decisão era “sem prejuízo do disposto no art. 18 do CPP”. Em bom português, se surgirem fatos novos, retoma-se a investigação.
O inquérito foi aberto para apurar se houve o crime definido pelo artigo 1º da lei 8137/90. Diz a norma que é crime “suprimir ou reduzir tributo”, mediante algumas condutas, como “elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato”. A pena é de dois a cinco anos de reclusão, mais o pagamento de multa.
O advogado tributarista Jarbas Machione, a quem mostrei o processo da Receita Federal que multou a Globo por sonegação, diz não ter dúvida. “Estamos, sim, diante de um caso escandaloso de sonegação”, afirmou.
A Globo utilizou empresas controladas por ela mesma no Uruguai, Ilha da Madeira, Holanda, Antilhas Holandesas e Ilhas Virgens Britânicas para simular negócios que existiam apenas no papel. “O objetivo é claro: não pagar imposto no Brasil”, afirma Machione.
O advogado diz que a utilização de empresa em diferentes países era uma estratégia para dificultar o rastreamento da operação. “Na época, se acreditava que, se se fizesse o dinheiro circular por vários países, eram criadas mais barreiras e isso tornava a fiscalização muito difícil, senão impossível”, diz.
O ex-prefeito de São Paulo Paulo Maluf também usou essa estratégia, no caso dele, segundo o Ministério Público do Estado de São paulo, para esconder o dinheiro da corrupção. Mas, assim como a Globo, Maluf acabou descoberto.
“Posso apostar que a denúncia contra a Globo partiu de fora para dentro. São acordos internacionais, em que autoridades estrangeiras, ao tomarem conhecimento de uma operação suspeita sob seus domínios, comunicam à autoridade do país conveniado”, afirma o advogado.
No Brasil, quem faz o intercâmbio com a comunidade internacional é o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), criado em 1998, ainda na gestão de Fernando Henrique Cardoso, como parte de um movimento mundial coordenado de combate à lavagem de dinheiro.
O alvo inicial era cortar as fontes de financiamento do terrorismo e do narcotráfico, mas nas grandes lavanderias de dinheiro sujo as autoridades encontraram corruptos e sonegadores, como, ao que tudo indica, foi o caso da Globo.
A resposta está no inquérito da Polícia Federal registrado sob número 0017221-36.2014.4.02.5101 na 8ª Vara Federal Criminal no Rio de Janeiro. Mas é impossível ter acesso a ele. O inquérito foi arquivado sob segredo de justiça. Para o público, só está disponível a decisão da juíza, que atendeu à manifestação do Ministério Público e da Polícia Federal.
A decisão, assinada pela juíza Valéria Caldi Magalhães, tem uma só página e a palavra Globo ou Globopar não aparece uma única vez.
“Tratando-se de procedimento meramente investigativo, em que exerce o Judiciário apenas tarefa anômala de fiscalização das manifestações ministeriais de arquivamento ou de garantia de direitos individuais constitucionalmente assegurados, incumbe à autoridade que conduziu as investigações adotar as medidas necessárias à atualização de registros que ela própria inseriu”, escreveu a juíza.
Um criminalista a quem mostrei a sentença disse que o Poder Judiciário se comportou como Pôncio Pilatos (“lavou as mãos”), mas no direito brasileiro o caminho é esse mesmo. Quem investiga é a Polícia e o Ministério Público.
No inquérito da Globo, a juíza deixou uma brecha para que a investigação seja retomada, ao escrever que sua decisão era “sem prejuízo do disposto no art. 18 do CPP”. Em bom português, se surgirem fatos novos, retoma-se a investigação.
O inquérito foi aberto para apurar se houve o crime definido pelo artigo 1º da lei 8137/90. Diz a norma que é crime “suprimir ou reduzir tributo”, mediante algumas condutas, como “elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato”. A pena é de dois a cinco anos de reclusão, mais o pagamento de multa.
O advogado tributarista Jarbas Machione, a quem mostrei o processo da Receita Federal que multou a Globo por sonegação, diz não ter dúvida. “Estamos, sim, diante de um caso escandaloso de sonegação”, afirmou.
A Globo utilizou empresas controladas por ela mesma no Uruguai, Ilha da Madeira, Holanda, Antilhas Holandesas e Ilhas Virgens Britânicas para simular negócios que existiam apenas no papel. “O objetivo é claro: não pagar imposto no Brasil”, afirma Machione.
O advogado diz que a utilização de empresa em diferentes países era uma estratégia para dificultar o rastreamento da operação. “Na época, se acreditava que, se se fizesse o dinheiro circular por vários países, eram criadas mais barreiras e isso tornava a fiscalização muito difícil, senão impossível”, diz.
O ex-prefeito de São Paulo Paulo Maluf também usou essa estratégia, no caso dele, segundo o Ministério Público do Estado de São paulo, para esconder o dinheiro da corrupção. Mas, assim como a Globo, Maluf acabou descoberto.
“Posso apostar que a denúncia contra a Globo partiu de fora para dentro. São acordos internacionais, em que autoridades estrangeiras, ao tomarem conhecimento de uma operação suspeita sob seus domínios, comunicam à autoridade do país conveniado”, afirma o advogado.
No Brasil, quem faz o intercâmbio com a comunidade internacional é o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), criado em 1998, ainda na gestão de Fernando Henrique Cardoso, como parte de um movimento mundial coordenado de combate à lavagem de dinheiro.
O alvo inicial era cortar as fontes de financiamento do terrorismo e do narcotráfico, mas nas grandes lavanderias de dinheiro sujo as autoridades encontraram corruptos e sonegadores, como, ao que tudo indica, foi o caso da Globo.
No Brasil, o pagamento do tributo extingue a punibilidade. Mas não
isenta o acusado de responder por lavagem de dinheiro. O advogado Jarbas
Machione não tem dúvidas quanto à sonegação, mas diz que não encontrou
no processo da Receita Federal elementos para apontar a ocorrência de
outros crimes.
Em 2012, a Tribunal Federal da Suíça revelou que dois dirigentes da Fifa, João Havelange e Ricardo Teixeira, receberam R$ 45 milhões de suborno para favorecer a empresa que adquiriu os direitos de transmissão da Copa do Mundo em 2002 e também em 2006 para o território brasileiro.
O processo estava em segredo de justiça, mas as autoridades suíças decidiram tornar pública a informação, em nome do “relevante interesse público”. É óbvio que a empresa em questão se trata da Globo, mas os jornais que deram a notícia na época não citaram o nome da empresa da família Marinho.
O jornalista Andrew Jennings, que escreveu dois livros sobre corrupção na Fifa, “Jogo sujo” e “Jogo cada vez mais sujo”, esteve no Brasil em julho e participou de uma conferência na Bienal do Livro em São Paulo. Eu estive lá e fiz uma pergunta a ele: “Existe corrupção para a aquisição de direitos de transmissão de TV da Copa do Mundo?”
“Sim”, ele disse. “O jogo para ficar com o direito de transmissão é muito pesado na Ásia, menos na Europa, pouco na América do Norte e muito na América do Sul.” E no Brasil? “Também”, disse, sem dar mais detalhes.
A seu lado, o jornalista Juca Kfouri pediu a palavra e, em português, comentou, sabendo que Jennings o acompanhava pela tradução simultânea. “Não sei por que o Andrew Jennings não quis se aprofundar no tema. Mas ele sabe que a transmissão da Copa é um jogo de tubarão”, disse.
Nas manifestações de junho de 2013, quando surgiram na internet as primeiras denúncias de que a Globo sonegou os impostos na aquisição dos direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002, algumas manifestações aconteceram em frente à emissora, em que cartazes foram erguidos para protestar contra a sonegação.
Na Inglaterra, a indignação contra a evasão fiscal provocou protestos mais barulhentos. Os ingleses foram à porta da cafeteria Starbucks, acusada de não recolher os impostos devidos no país, o que provocou a abertura de uma investigação pelo Parlamento Britânico, em que não apenas executivos da Starbucks tiveram que prestar esclarecimentos, mas também representantes da Amazon e da Google.
“No Brasil, o grito hoje é contra a corrupção, o que está correto, mas só seremos uma nação verdadeiramente moderna quando a população considerar a sonegação tão nociva quanto a corrupção e protestar, como fizeram com a Starbucks em Londres”, afirma o tributarista Jarbas Machione.
Em 2012, a Tribunal Federal da Suíça revelou que dois dirigentes da Fifa, João Havelange e Ricardo Teixeira, receberam R$ 45 milhões de suborno para favorecer a empresa que adquiriu os direitos de transmissão da Copa do Mundo em 2002 e também em 2006 para o território brasileiro.
O processo estava em segredo de justiça, mas as autoridades suíças decidiram tornar pública a informação, em nome do “relevante interesse público”. É óbvio que a empresa em questão se trata da Globo, mas os jornais que deram a notícia na época não citaram o nome da empresa da família Marinho.
O jornalista Andrew Jennings, que escreveu dois livros sobre corrupção na Fifa, “Jogo sujo” e “Jogo cada vez mais sujo”, esteve no Brasil em julho e participou de uma conferência na Bienal do Livro em São Paulo. Eu estive lá e fiz uma pergunta a ele: “Existe corrupção para a aquisição de direitos de transmissão de TV da Copa do Mundo?”
“Sim”, ele disse. “O jogo para ficar com o direito de transmissão é muito pesado na Ásia, menos na Europa, pouco na América do Norte e muito na América do Sul.” E no Brasil? “Também”, disse, sem dar mais detalhes.
A seu lado, o jornalista Juca Kfouri pediu a palavra e, em português, comentou, sabendo que Jennings o acompanhava pela tradução simultânea. “Não sei por que o Andrew Jennings não quis se aprofundar no tema. Mas ele sabe que a transmissão da Copa é um jogo de tubarão”, disse.
Nas manifestações de junho de 2013, quando surgiram na internet as primeiras denúncias de que a Globo sonegou os impostos na aquisição dos direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002, algumas manifestações aconteceram em frente à emissora, em que cartazes foram erguidos para protestar contra a sonegação.
Na Inglaterra, a indignação contra a evasão fiscal provocou protestos mais barulhentos. Os ingleses foram à porta da cafeteria Starbucks, acusada de não recolher os impostos devidos no país, o que provocou a abertura de uma investigação pelo Parlamento Britânico, em que não apenas executivos da Starbucks tiveram que prestar esclarecimentos, mas também representantes da Amazon e da Google.
“No Brasil, o grito hoje é contra a corrupção, o que está correto, mas só seremos uma nação verdadeiramente moderna quando a população considerar a sonegação tão nociva quanto a corrupção e protestar, como fizeram com a Starbucks em Londres”, afirma o tributarista Jarbas Machione.
Nenhum comentário:
Postar um comentário