Luis Nassif, via Advivo
Nos próximos meses, a liberdade de
imprensa no Brasil enfrentará um dos maiores desafios da sua história: demonstrar
capacidade de se abstrair do corporativismo e proceder a uma análise corajosa e
isenta sobre fatos que começarão a jorrar nos próximos dias.
Trata-se da ligação da revista Veja com o crime organizado. Mais especificamente
com o bicheiro Carlinhos Cachoeira e seu oficial maior, senador Demóstenes Torres.
Cachoeira elegeu Demóstenes. A revista
transformou-o em um político influente, graças à apologia que fazia dele. Juntos,
as três pontas produziam escândalos, em um esquema articulado.
Cachoeira armava escândalos, muitos
dos quais contra adversários criminosos. A revista repercutia. Graças a essa repercussão,
os adversários eram alijados dos esquemas, permitindo a Cachoeira tomar conta do
pedaço.
Grande parte dos
escândalos eram avalizados por Demóstenes Torres – como o caso Francisco Escórcio,
figura folclórica do Senado, acusado pela revista de tentar espionar Demóstenes
e o governador goiano Marconi Perillo. A denúncia foi fundamental para o afastamento
do presidente do Senado, Renan Calheiros. Depois, comprovou-se que tinha sido fruto
de uma mentira orquestrada entre Demóstenes e a revista (clique aqui). Jamais
saiu o desmentido.
Até que a Polícia Federal entrasse
na parada, todos ganharam.
A revista vendia mais e se tornava
mais e mais temida. Cachoeira expulsava inimigos de seu território. Demóstenes se
valia do poder conferido pela revista para atuar em favor dos interesses de Cachoeira
na administração pública e dos interesses da revista na geração de escândalos. Escrevi
sobre esse tema em 2008, na série “O caso de Veja”. Trata-se do capítulo “O repórter
e o araponga” (clique
aqui).
Nele conto como Cachoeira, em parceria
com a revista, montou o escândalo da propina dos Correios – um grampo mostrando
um funcionário recebendo R$3 mil de propina. De posse do grampo, a revista monta
o escândalo. Como consequência, cai dos Correios o esquema liderado pelo deputado
Roberto Jefferson, e assume o esquema do próprio Carlinhos Cachoeira. Dois anos
depois, a Polícia Federal liquidou com o novo esquema, mas a revista poupou seu
parceiro.
Agora, a Operação Monte Carlo, da
Polícia Federal, chega ao âmago do poder de Cachoeira e flagra 200 ligações entre
ele e o diretor da revista em Brasília. Há advogados que se valem da prerrogativa
da profissão para atividades criminosas. O mesmo pode ocorrer com setores da mídia.
O grande desafio da mídia será mostrar
sua capacidade de autocorreção.
Na Inglaterra, o caso News Corp trouxe
lições preciosas. Um veículo ligado ao magnata Rupert Murdoch aliou-se a setores
da polícia e afrontou direitos individuais de dezenas de pessoas. Foi denunciado
por outro jornal, o The Guardian. As investigações
levaram a punições severas aos envolvidos na trama, mas resguardou o valor maior
da liberdade de imprensa – justamente porque foi a própria imprensa soube se autopoliciar.
Aqui, a Veja se aliou ao crime organizado.
Vamos ver como se comportará a nossa,
quando novos detalhes dessa parceria Cachoeira-Veja vierem à tona.
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